Antonio Rabelo

O processo de Recuperação Judicial da Oi, um dos maiores da América Latina, chega ao fim depois de seis anos. É um case único no país pela magnitude e complexidade, principalmente em função da abrangência da atuação da companhia como prestadora de serviço público essencial e estratégico em todo o território nacional.
Em 2015, ninguém na empresa sabia como se conduziria um processo de Recuperação Judicial, que envolvesse uma companhia como a Oi. Dada as suas especificidades, naquele momento, o plano da empresa não era seguir por este caminho, mas tentar reestruturar a sua dívida extrajudicialmente. Tratava de uma prestadora de serviços públicos de telecomunicações, mediante outorga da União e, consequentemente, um processo de Recuperação Judicial certamente envolveria uma série de questionamentos acerca das relações com o órgão regulador e a sua fiscalização quanto a continuidade da prestação dos serviços públicos.
Outras questões também inspiravam debates ainda muito incipientes no Brasil, tais como o tratamento do crédito não tributário da ANATEL; a viabilidade da organização de uma assembleia com mais de 55 mil credores; a inclusão de veículos financeiros da Oi constituídos no exterior no consolidado substancial e a cooperação entre os juízos nacional e estrangeiros; a criação de garantias para os que se dispusessem a financiar a operação da empresa em RJ, dentre outros.
Foi neste contexto que a Oi requereu o processamento de sua recuperação judicial em 20/06/2016 perante o juízo da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. Titularizada pelo Dr. Fernando Viana, o mesmo teve importante papel ao tratar situações extremamente técnicas e complexas, conduzindo o processo de maneira firme e ponderada, exercendo seu juízo de cautela sempre que lhe era exigido e, principalmente, no timing que lhe era demandado.
No exterior, a companhia requereu à Corte de Nova York o reconhecimento do processo brasileiro como principal (main proceeding). E, em seguida, pediu a suspensão de pagamentos na Holanda, ganhando tempo para negociar com os credores o Plano de Recuperação Judicial (PRJ) no Brasil, seu principal centro de negócios. Pude contribuir, como foreign representative da Oi no procedimento do Chapter 15 (capítulo da legislação americana própria que trata do reconhecimento de processos de restruturação estrangeiros e a sua proteção nos EUA) para a confirmação do Brasil como jurisdição onde deveria ser processada a RJ da Oi e dos seus veículos financeiros holandeses.
As negociações com os credores transcorriam em um ambiente crítico. Por um lado, o caixa da Oi era ameaçado com inúmeros pedidos de penhora em execuções fiscais promovidas pela ANATEL. Por outro, uma briga interna era travada entre a administração da companhia, à frente da negociação do PRJ, e os acionistas, que buscavam a preservação de sua participação na empresa. A solução veio após decisão do juízo da RJ, que permitiu a apresentação de um PRJ viável, independente da aprovação do Conselho de Administração.
Em meio a esta controvérsia, após firme decisão da Des. Mônica Di Piero, do TJ/RJ, reconhecendo a sua legitimidade, a Oi organizou um processo de mediação, sem precedentes, que equacionou a situação de mais de 35 mil pequenos credores no Brasil e em Portugal, garantindo, assim, ao mesmo tempo, o exercício do direito de voto, sem impossibilitar a organização da Assembleia Geral de Credores (AGC).
Ao final desta etapa, a despeito da resistência da ANATEL em participar da RJ, o seu Plano foi apresentado em 12/12/2017 e aprovado pela maioria de credores presentes na AGC no dia 17/12/2017, 18 meses depois do pedido de processamento da RJ. O PRJ foi, então, homologado pelo juízo da RJ em fevereiro de 2018.
Acredito que a RJ da Oi inspirou diversas alterações introduzidas na legislação recuperacional brasileira através da Lei n. 14.112/20. A primeira delas, a introdução do capítulo relativo à transnacionalidade, alinhando o Brasil ao Modelo UNCITRAL, criando bases para um processamento mais seguro das recuperações judiciais, bem como para a coordenação e colaboração das jurisdições internacionais. Além disso, positivou-se, na norma: as regras para a consolidação processual e substancial; as garantias para o financiamento da empresa em RJ; a conversão de dívida em participação; a possibilidade de apresentação de PRJ pelos credores em caso de reprovação do PRJ das recuperandas; o estímulo à mediação; e a inserção de importantes instrumentos de mitigação da carga tributária para as empresas no contexto da RJ.
Após o cumprimento das principais etapas do PRJ, em 2019, o cenário era desafiador. A deterioração do sistema macroeconômico, com apreciação do câmbio e a emergência sanitária da COVID 19; a falta de uma solução segura para o litígio entre a ANATEL e a companhia; e a dificuldade de acesso aos valores depositados em juízo em garantia de créditos novados por força da RJ, frustravam as expectativas da companhia.
Elaborou-se um novo Plano Estratégico onde apontava o foco para infraestrutura de fibra ótica, àquela altura já, de longe, a maior do Brasil.  Mas, muito era preciso fazer para conseguir destravar o valor embutido nesta malha de fibra.
Para garantir os recursos necessários, a alienação da operação móvel da Oi se mostrou necessária. Com efeito, a Oi se mantinha como a quarta operação móvel nacional, sem acesso a recursos internacionais mais baratos para fazer frente aos investimentos necessários. Foi assim que se organizou a UPI Ativos Móveis, que seria vendida após a aprovação dos credores, garantindo a sobrevivência financeira e operacional da Oi.
Mas não foi só. Firmes no propósito de participarmos da criação do maior player do mercado de fibra ótica neutra do Brasil, num modelo ainda inédito, de segregação estrutural, criou-se a UPI InfraCo, que seria vendida parcialmente (controle) por meio do processo competitivo judicial previsto na Lei n. 11.101/05.
Para aprovar tais alterações ao PRJ, realizamos nova AGC, desta vez em meio a pandemia COVID-19, de forma mista, com os credores participando de forma 100% virtual. Após nova decisão da Des Mônica Di Piero, a AGC foi realizada em 09/09/2020 e o Aditamento aprovado por expressiva maioria dos credores, permitindo a venda das UPIs, o equacionamento do crédito da ANATEL e ainda abrindo a possibilidade de, em havendo excesso de caixa, calculados a partir de métricas específicas aprovadas pelos credores em AGC, efetuar um pré-pagamento com desconto de credores financeiros.
A transação com a Anatel é outro capítulo do qual tenho orgulho de ter participado, juntamente com a equipe da Oi e os Procuradores da Procuradoria Geral Federal e Procuradoria Especializada da ANATEL. Com base na Lei n. 13.988/20 alterada pela Lei n. 14.112/20, conseguimos renegociar, no âmbito da RJ, o crédito da Agência, garantindo mais segurança jurídica para a Oi.
Foram mais de 6 anos passados sob a supervisão do juízo da RJ. Neste período, todo o aparato do microssistema da recuperação judicial foi posto à prova. Muita informação foi produzida. Credores, concursais e extraconcursais, tiveram a oportunidade de se manifestar e deduzir livremente os seus argumentos perante o juízo e o contraditório certamente se desenvolveu e ficará registrado nos anais do sistema recuperacional brasileiro.
Nestes últimos meses, com os atrasos nos processos de anuência para a venda das UPIs e ainda com alguns ativos a serem alienados, na forma do PRJ, a Companhia continuou trabalhando a todo vapor.
Foi um período que se demonstrou que o maior ativo da Oi são as pessoas que ali trabalham e orbitam no seu apoio. Durante estes últimos anos, a Oi foi, por mais insólito que isso possa parecer, a maior estruturadora de M&amp;As do Brasil, ao mesmo tempo que lidava com todos os desafios operacionais do seu dia-a-dia, além dos outros trazidos pela execução do PRJ.
A situação macroeconômica brasileira e mundial, infelizmente, continua contribuindo negativamente para a Oi. Juros e inflação alta, guerra na Ucrânia afetando canais logísticos importantes, cenário fiscal incerto, não atingimento das condições postas no Aditamento ao PRJ como necessárias para o pré-pagamento com desconto de terminados credores financeiros. Enfim, ainda muito a fazer e a negociar para buscar a preservação da Oi.
Contudo, chegou ao fim a supervisão judicial. O PRJ continuará em vigor com suas proteções, direitos e obrigações e sendo cumprido à risca, como recentemente afirmaram o Administrador Judicial e o ilustre Representante do MP, nos autos da RJ.
Tudo isso para confirmar a realidade para a Oi. Ali não se tem jogo ganho, mas jogo a ser jogado. E assim a Companhia continuará a lidar com a realidade pós RJ.

oi recuperacao judicial

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JOTA

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O fim da recuperação judicial da Oi

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