Felipe Recondo

Sim. Eduardo Cunha não é fundamento jurídico para o Supremo Tribunal Federal (STF) escolher entre o voto aberto ou fechado, entre chapa avulsa e indicação dos líderes, entre a palavra fatal da Câmara ou do Senado. Mas interfere, nem que seja no imaginário, o fato de o comando do processo de impeachment estar nas mãos de um deputado investigado no Supremo Tribunal Federal por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, que manobra a Câmara para adiar o processo de cassação de seu mandato, que admite acelerar ou retardar as denúncias contra a presidente Dilma Rousseff conforme seus interesses políticos e que, de acordo com o Ministério Público, usa o mandato parlamentar para promover achaques.
O comportamento de Cunha à frente da Câmara apareceu, diversas vezes, nas manifestações do ministros do Supremo, dentro e fora dos autos. Além disso, atores ao redor do Supremo também contribuíram para ligar a discussão do procedimento com um juízo sobre as manobras de Cunha. Vejamos alguns fatos recentes.
Há um mês quase exato, o ministro Marco Aurélio Mello concedia uma entrevista, já vestindo a toga, à porta do Supremo Tribunal Federal, minutos antes de iniciada a sessão plenária. Faria o ministro do STF uma espécie de sugestão ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ): “Nós precisaríamos de uma grandeza maior para no contexto haver o afastamento espontâneo. Quem sabe até a renúncia ao próprio mandato”.
Naquele mesmo dia, na Câmara, Eduardo Cunha manobrava para adiar o andamento do processo aberto contra ele no Conselho de Ética por quebra de decoro parlamentar.
Há dois meses, a ministra Rosa Weber e o ministro Teori  Zavascki concediam liminares para suspender a eficácia do rito criado pelo presidente da Câmara para o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Um severo revés para os planos do deputado Eduardo Cunha de acelerar o impedimento da presidente da República. Na decisão, o ministro Teori Zavascki diria: “o modo e a forma como foi disciplinada essa matéria (por decisão individual do presidente da Câmara, mediante resposta a questão de ordem), como também a negativa de admissão, por essa autoridade, de meio impugnativo de revisão ou de controle do seu ato por órgão colegiado da Casa Legislativa”.
Para em seguida acrescentar: “Ora, em processo de tamanha magnitude institucional, que põe a juízo o mais elevado cargo do Estado e do Governo da Nação, é pressuposto elementar a observância do devido processo legal, formado e desenvolvido à base de um procedimento cuja validade esteja fora de qualquer dúvida de ordem jurídica”.
Na quarta-feira, depois que o ministro Edson Fachin lia seu voto – no sentido de manter todas as decisões até agora proferidas pelo presidente da Câmara no processo de impeachment -, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao tribunal o afastamento de Eduardo Cunha da Presidência e do mandato de parlamentar. Elencou 11 motivos para isso, como ameaças ao relator do processo aberto contra ele no Conselho de Ética, intimidação e pressão sobre delatores ouvidos na Operação Lava Jato e uso do cargo para receber vantagens indevidas.
No dia seguinte, ao proferir seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso evidenciou a contrariedade com o proceder de Eduardo Cunha: “Considero que o voto secreto foi instituído por uma deliberação unipessoal e discricionária do presidente da Câmara no meio do jogo. E, portanto, sem autorização constitucional, sem autorização legal, sem autorização regimental, por vontade unipessoal própria ele disse: ‘aqui vai ser secreta porque eu quero’. A vida na democracia não funciona assim”.
Da sua cadeira, o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, concordava com a ênfase que o ministro Barroso impunha às palavras. Outros ministros, como Rosa Weber, Marco Aurélio e Cármen Lúcia, discretamente assentiam.
Como disse um ministro, reservadamente, pode não ter contribuído para a tese vencida o fato de Cunha ter iniciado o rito de uma forma e, subitamente, ter manobrado com a oposição para transformar a escolha dos integrantes da comissão especial do impeachment num processo secreto e com a possibilidade de candidaturas avulsas.
Em 1992, quando o impeachment do presidente Fernando Collor começou a tramitar na Câmara, o Supremo se viu obrigado a julgar mandados de segurança impetrados contra os procedimentos adotados pelo então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro. O tribunal, com a discordância de alguns ministros – a mais notória e enfática partiu do ministro Paulo  Brossard -, interveio no processo, mas pontualmente. Ressaltou um ministro daquela época que Ibsen Pinheiro estava imbuído da mais genuína vontade de acertar. As correções de rumo feitas pelo Supremo foram, também por isso, pontuais – ampliando, por exemplo, o prazo para defesa.
No momento atual, é difícil ouvir de um ministro as mesmas impressões sobre o presidente da Câmara. Dificilmente  diriam que Cunha tinha "genuína vontade de acertar". Com que intensidade, então, o fator Cunha interferiu no julgamento? Impossível saber, até porque fundamentos jurídicos havia para um lado ou para outro.
A despeito disso, a decisão do Supremo estabeleceu a regra do jogo. A consequência imediata foi o retardamento do impeachment da presidente Dilma Rousseff. A oposição protestou. O governo, que apostava na deslegitimação de um processo encabeçado por Cunha, comemorou. E a ligação entre os destinos de Cunha e Dilma talvez ainda retorne às mãos dos ministros no ano que vem.

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JOTA

As manobras do presidente da Câmara são o pano de  fundo do resultado do julgamento do Supremo

O “fator Cunha” interferiu na decisão do STF sobre impeachment?

As manobras do presidente da Câmara são o pano de fundo do resultado do julgamento do Supremo