Renato Vaquelli Fazanaro

Gustavo Fávero Vaughn

A nova ordem jurídica processual civil, inaugurada com o início da vigência da Lei nº 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil), é um convite para a visita – ou revisita – de institutos jurídico-processuais não muito presentes na prática forense.  
Um desses institutos, que o CPC/2015 vem a reforçar, é o chamado “fato novo” ou “fato superveniente”.[1]
Trata-se de instituto indispensável para a garantia das normas fundamentais do processo civil, notadamente as que albergam os princípios do devido processo legal, da razoável duração do processo, da economia processual, da segurança jurídica e da efetividade da tutela jurisdicional.
O art. 493, caput, do novel diploma processual prevê que “se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão”.[2]
Referido dispositivo “consagra a máxima segundo a qual a decisão deve refletir o estado de fato e de direito existente no momento do julgamento da demanda, e não aquele que existia quando da sua propositura”.[3] Parte da premissa de que o processo carece de algum tempo para ser resolvido e que, desde a propositura da ação, podem sobrevir circunstâncias fáticas e jurídicas que intervenham diretamente no desfecho da causa, mas que não foram apresentadas em juízo no momento processual adequado. A “vontade do legislador” foi justamente determinar que tais circunstâncias sejam levadas em consideração pelo juiz no momento de proferir sua decisão. Afinal, a sentença deve ser condizente com a realidade fática vigente ao tempo da sua prolação, para que possa cumprir o escopo social da tutela jurisdicional, consistente em promover a pacificação social.
O dever de considerar o fato novo no momento de proferir a decisão não incumbe somente ao magistrado de primeiro grau de jurisdição: para cumprir sua ratio essendi (razão de ser), o instituto deve ser garantido em todos os graus de jurisdição nos quais se possa analisar a controvérsia trazida para resolução do Estado-juiz, para que se tenha a justa e adequada composição da lide.[4]
Não é qualquer fato que deve ser apreciado à luz do comando prescrito no art. 493 do vigente CPC. Os fatos irrelevantes para a atividade cognitiva do magistrado, sem potencial de influir no julgamento do feito, não podem ser considerados fatos novos legítimos, sob pena de se esvaecer a própria razão de ser do instituto. Além disso, note-se que o dispositivo em comento aplica-se indistintamente ao requerente e ao requerido; cabe ao primeiro alegar os fatos constitutivos supervenientes, ao passo que ao segundo é possível suscitar tanto fatos modificativos quanto extintivos supervenientes do direito autoral.[5]
Há muito Moacyr Amaral dos Santos[6] propôs dois requisitos para o juiz levar em consideração quando da apreciação de um fato novo legítimo: “1.º, que tenham ocorrido depois da propositura da ação; 2.º, que influam no julgamento da lide, isto é, que a lei material diga que o fato novo constituiu, modificou ou extinguiu o direito controvertido”. Some-se a esses dois um terceiro elemento, encampado expressamente pelo CPC/2015: a observância ao princípio do contraditório (CPC/2015, arts. 9º e 10).
Com efeito, o fato novo que deve ser tomado em consideração pelo magistrado na sua atividade cognitiva é aquele diretamente relacionado à lide, nos limites dos argumentos fáticos e jurídicos já deduzidos, isto é, não pode ter o condão de trazer uma nova causa de pedir e deve se limitar a reforçar substancialmente a causa petendi já apresentada.
E mais: deve-se demonstrar a “força maior” que impediu a apresentação do fato no momento processual adequado, seja pela sua inexistência, seja pelo desconhecimento escusável da parte interessada. Admitir o contrário é prestigiar a utilização de estratagemas processuais escusos, infringindo os deveres de lealdade processual e cooperação.
Para ilustrar, imagine-se a hipótese de um fato novo, capaz de, per se, alterar o julgamento da demanda — a exemplo de provas inequívocas sobre o fato probando que venham a ser produzidas em outro processo —, constituir-se após a oposição de embargos de declaração contra acórdão que negou provimento a agravo de instrumento.
Ora, se a parte insurgente trouxer aos autos tal prova emprestada antes do julgamento dos embargos, é indispensável que esta prova seja analisada, e se, de fato, influir no julgamento da causa, não existe óbice para que os embargos sejam acolhidos com efeitos modificativos, por vício de omissão, e o acórdão reformado para deferir o pedido contido no agravo de instrumento.[7]
Ademais, é importante destacar que o parágrafo único do art. 493 do CPC/2015 preceitua que, se o fato superveniente for constatado de ofício pelo julgador, este “ouvirá as partes sobre ele antes de decidir”. Entendemos que esse dispositivo deve ser interpretado de forma ampla: não só em casos de constatação ex officio, mas também nas hipóteses em que for provocado acerca da existência de fato superveniente, deverá o juiz ouvir a parte adversa, em respeito ao princípio do contraditório, como dito acima.
A correta aplicação do instituto do fato superveniente tem o condão de evitar pronunciamentos e atos processuais desnecessários, de modo a colaborar para a resolução célere dos processos judiciais. Daí ser possível afirmar que contribui para a economia de tempo e dinheiro tanto do Estado, como das partes. Há verdadeira flexibilização do rigor da estabilidade objetiva do processo, de tal forma que a fidelidade cega ao rito processual previsto em lei, que muitas vezes serve de fundamento para o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau, a fim de que este analise primeiramente o fato novo, deve ser mitigada
Seja pela falta de compreensão adequada das condicionantes e dos limites para aplicação do instituto, seja por apego exacerbado ao rito processual prescrito em lei, não se dá, por ora, a devida importância que os fatos novos merecem. 
Diz-se por ora porque a análise da jurisprudência pátria acende esperança, uma vez que revela uma incipiente mudança de pensamento, no sentido de se respeitar aquelas normas fundamentais e dar o devido valor para o fato novo[8]. 
Por oportuno, cite-se o julgamento paradigmático do Recurso Especial nº 911.932–RJ, relatado pelo Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, que reflete o entendimento aqui sustentado e traz valiosas lições sobre o instituto em debate. Na oportunidade, o relator bem destacou que “impera a máxima segundo a qual o julgamento deve refletir o estado de fato da lide no momento da entrega da prestação jurisdicional”, de modo que “ocorrendo fato superveniente que possa influir na solução do litígio, cumpre ao órgão julgador juízo singular ou tribunal levá-lo em consideração ao decidir o caso”.
Asseverou, também, que se trata “de providência salutar e recomendável, a ser tomada até mesmo de ofício pelo magistrado, a fim de evitar decisões contraditórias e prestigiar os princípios da economia processual e da segurança jurídica”.
Em que pese ser ainda embrionária, essa mudança de pensamento deve ser aplaudida e observada pelos tribunais brasileiros. É fundamental que a comunidade jurídica se adeque à ratio da nova ordem jurídica processual civil, principalmente levando-se em conta que o Novo CPC, refletindo a Constituição Federal, traz em seu primeiro capítulo justamente a previsão e a garantia das normas fundamentais do processo civil.
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[1] Para os fins do presente artigo, utiliza-se a expressão fato novo e fato superveniente indistintamente, sem adentrar em discussões doutrinárias taxonômicas. 
[2] No mesmo sentido é o art. 342 do CPC, o qual assegura que, “depois da contestação, só é lícito ao réu deduzir novas alegações quando [...] relativas a direito ou fato superveniente”. 
[3] DIDIER JR., Fredie, OLIVEIRA, Fredie Alexandria de, BRAGA, Paula Sarna. (comentários ao art. 493). In: coord. CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 735. 
[4] “[…] a constatação de fato superveniente que possa influir na solução do litígio deve ser considerada pelo Tribunal competente para o julgamento, sendo certo que a regra processual não se limita ao juízo de primeiro grau, porquanto a tutela jurisdicional, em qualquer grau de jurisdição, deve solucionar a lide na forma como se apresenta no momento do julgamento.” (STJ, RMS 30.511/PE, 5.ª T., rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 09.11.2010, DJe 22.11.2010). Com relação à possibilidade de alegação de fato superveniente nos Tribunais Superiores, confira-se: “O STF e o STJ, no exame de recurso extraordinário e no de recurso especial, devem levar em conta os fatos e o direito supervenientes. Se o fato ou direito superveniente surge antes de encerrado o julgamento no tribunal local, somente poderá ser objeto de análise pelo STF ou pelo STJ, se houver o indispensável prequestionamento. Se, entretanto, o direito superveniente surge, quando já interposto o recurso especial ou extraordinário, deve, sim, o STF ou STJ apreciá-lo, desde que seja conhecido ou admitido o recurso. Uma vez admitido o recurso extraordinário ou especial, estará aberta a jurisdição do STF ou do STJ, que deverá rejulgar a causa, apreciando toda a situação pertinente com o caso (Súmula do STF, 456). Significa dizer que o art. 493 do CPC também se aplica às instâncias extraordinárias, cabendo ao STF e ao STJ levar em conta o fato ou o direito superveniente, desde que, não custa repetir, tenha o fato ou o direito superveniente surgido, quando já interposto o recurso excepcional e caso este seja admitido, ensejando-se o rejulgamento da causa” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015). 
[5] O dispositivo não faz alusão aos fatos impeditivos, dado que não é possível que um fato impeditivo seja superveniente. O fato impeditivo impede a constituição do direito, não permitindo, com isso, a produção de efeitos jurídicos. 
[6] SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao código de processo civil. Vol IV. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 446. 
[7] Lembre-se que o art. 1.024, § 4º do Novo CPC autoriza a atribuição de efeitos modificativos aos aclaratórios. 
[8] REsp 847.831/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 14.12.2008; EDcl no REsp 487784 / DF, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJe 30.6.2008; e AgRg no REsp 1059503/PR, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 6.10.2008; REsp 1.071.891/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 30/11/2010; REsp 1.245.063/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17/11/2011; AgRg no REsp 1.259.745/RJ, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 21/8/2013; REsp 1.461.382/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 13/10/2014; AgRg nos EDcl no REsp: 1326180 RS 2012/0113143-3, Relator: Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 25/11/2014; REsp 1569811, Rel. Humberto Martins, Segunda Turma, DJE 23/02/2016.

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JOTA

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