Luiz Henrique Antunes Alochio

A imprensa nacional noticia sobre o fato de as vagas nos Tribunais Superiores ficarem durante muito tempo sem preenchimento. Grande ênfase é dada à atual situação do Supremo Tribunal Federal, com aproximadamente nove meses desde a abertura da vaga deixada pela aposentação do ministro Joaquim Barbosa.
Esse excesso de prazo para as nomeações pelo Palácio do Planalto gerou uma pequena crise entre Poderes da República. Em dezembro de 2013 a Associação dos Juízes Federais (AJUFE), a Associação dos Magistrados do Trabalho (ANAMATRA) e a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), ingressaram com a ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no 311 perante o Supremo Tribunal Federal, questionando os prazos de escolha na Presidência da República. Novos movimentos naquela ADPF indicam que o debate será ainda longo. Segundo a as associações de Magistrados, haveria processos de recrutamento demorando mais de 2 (dois) anos, desde a deflagração da disputa até a efetiva nomeação. Ou seja, tempo infinitamente maior que um concurso público com milhares de candidatos.
Poder-se-ia concluir, apressadamente, a necessidade de regulação do tempo de nomeação que compete ao Poder Executivo. Todas as matérias jornalísticas, ou mesmo os textos em sítios eletrônicos especializados em temas jurídicos, martelam a tecla da “demora do Poder Executivo” em realizar as nomeações.
Ao se levar em conta a forma de preenchimento das vagas nos Tribunais — não apenas no STF, STJ e TST, mas incluídos os Tribunais de Justiça dos Estados, Tribunais Regionais Federais e Tribunais Regionais do Trabalho — vai-se verificar que a preocupação com os prazos de recrutamento deveria exceder à fase envolvendo o Poder Executivo.
Não é usual encontrar textos dedicados de forma mais específica aos sistemas de recrutamento de magistrados no Poder Judiciário brasileiro. Invariavelmente as publicações se dedicam à espécie de recrutamento realizada pela via do concurso público. Há basicamente um hiato na literatura que diga respeito ao recrutamento de magistrados pela via de cooptação, quando o próprio Tribunal recruta juízes de instâncias inferiores (promoção por merecimento e antiguidade), ou quando há seleção dentre membros de outras carreiras jurídicas (Advocacia e Ministério Público, pela via do quinto constitucional).
A necessidade de regulação de prazos não ocorre apenas na fase do Poder Executivo (nomeação). Muitas vezes escapa ao observador que os recrutamentos para os Tribunais são atos complexos, envolvendo várias autoridades e fases. Cada etapa tem seus prazos. E estes prazos são capazes de gerar morosidade. Um agravante: estes prazos são tratados — quanto muito — em regras esparsas. Um exemplo de regulação de prazos ocorre na Resolução CNJ 106/2010, que tratando do processo de promoção de juízes por merecimento e antiguidade fixou o prazo de 10 dias para a abertura do processo de disputa pela vaga, e 40 dias o prazo máximo para a conclusão da escolha.
Faz-se necessário um regramento pleno de todo o elemento temporal para que sejam mitigados os efeitos deletérios da própria vacância. Serão relacionados alguns exemplos de questões de prazo, para que se veja quão ampla é a necessidade de regras claras:
PRAZOS ENVOLVENDO OS TRIBUNAIS:
PRAZOS ENVOLVENDO A OAB/MP (caso do quinto constitucional)
Em casos do quinto constitucional o prazo para a OAB ou MP realizarem a deflagração interna do processo de escolha das Listas Sêxtuplas, após recebida a comunicação do respectivo Tribunal sobre a existência de vaga;
Após a escolha da Lista Sêxtupla, o prazo para a comunicação da Lista ao Tribunal, para que este selecione a Lista Tríplice;
PRAZOS ENVOLVENDO O PODER EXECUTIVO
PRAZOS ENVOLVENDO O SENADO
• Após nomeação pelo Poder Executivo, qual o prazo de sabatina no Senado, quando couber. Neste particular o Jota.info publicou em 14 de março de 2015 a matéria “Sabatina de tribunais à espera da CCJ do Senado”.
O Tribunal comunicar a existência de vagas, e iniciar o processo de seleção, tanto para as vagas de promoção de juízes de carreira quanto aquelas do quinto constitucional;
Em caso de vagas destinadas à promoção de Magistrados, regular o prazo de conclusão todo o processo de escolha;
Em casos do quinto constitucional, após recebida a Lista Sêxtupla, o prazo do Tribunal para a escolha da Lista Tríplice. Em seguida, o prazo para a comunicação ao Poder Executivo dos três nomes selecionados.
Após o recebimento da Lista Tríplice, ou nos casos de merecimento e antiguidade, qual prazo para o Poder Executivo realizar a nomeação. Quando houver fase posterior de sabatina, qual o prazo para comunicar ao Senado.
São necessárias regras objetivas e razoáveis, aderindo celeridade e segurança jurídica ao processo de nomeação. A nomeação em si ganha em credibilidade (accountability), resguardando a própria confiança popular na forma de preenchimento de cargos no Poder Judiciário.
Um fato parece inconteste: nenhum Tribunal deveria permanecer vários meses seguidos com sua composição incompleta ou mediante uso de juízes convocados. A composição incompleta de Tribunais, em especial de órgãos colegiados, atrai alguns efeitos deletérios: a alteração da composição do quórum de votações; impacto na distribuição de processos; sonega ao debate nos julgamentos uma nova posição que poderia ser crucial para o deslinde dos processos; em casos que envolvam o chamado quinto constitucional ainda acarreta a perda de representatividade da Advocacia e do Ministério Público na composição dos Tribunais.
O problema dos atrasos em nomeações para os Tribunais, e o reflexo pernicioso destas vacâncias elásticas, não é uma exclusividade brasileira. Recente publicação do BRENNAN CENTER FOR JUSTICE, da Universidade de Nova York tratou da questão. Na análise realizada verificou-se o aumento da atenção pública sobre a questão do ritmo lento da indicação e da confirmação dos juízes. Bom lembrar que em muitos casos do chamado merit system os magistrados são indicados pelo Poder Executivo e confirmados pelo Senado. A exemplo — guardadas as proporções, logicamente — da indicação ao STF e do sistema do “quinto constitucional” no Brasil. Consta do estudo Federal Judicial Vacancies: The Trial Courts que
“ [a]tenção pública sobre vagas judiciais federais concentrou- se principalmente sobre os tribunais de apelação . No entanto , desde 2009, o ritmo lento da indicação e confirmação de juízes também precipitou uma crise nos tribunais distritais — o nível de Tribunais que resolve a grande maioria dos casos federais. A partir de 01 de julho de 2013 , havia 65 vagas nos tribunais distritais de um total de 677 cargos de magistrados, implicando uma taxa de vacância de quase 10 por cento.” (BANNON, Alicia. Federal Judicial Vacancies: The Trial Courts. Brennan Center For Justice. Analysis. 2013. Disponível aqui. (Tradução nossa)
Não se pode olhar a questão dos processos de recrutamento nos Tribunais sob o único enfoque da eventual demora do Poder Executivo. O tema é complexo, e envolve atos seguidos, fases concatenadas, que ocorrem desde o Poder Judiciário, ao Executivo e Legislativo. Algumas vezes perpassando o Ministério Público e a Ordem dos Advogados (caso do quinto constitucional). É imperiosa uma regulação holística, ou se corre o risco de os vários órgãos editarem regras conflitantes sobre o mesmo assunto. O que somente agravaria os problemas da vacância, e ainda mais, reduziria a confiança pública no recrutamento realizado.