Bruno Biasetto

Em meio às emoções da Copa do Mundo e da disputa pré-eleitoral, a lembrança da greve dos caminhoneiros se torna mais distante, criando a impressão de que as negociações ocorridas entre o governo e a categoria solucionaram todos os problemas. Nada poderia estar mais longe da verdade. O problema do alto preço dos combustíveis no Brasil tem causas estruturais que não possuem uma solução de curto prazo. Neste ínterim, o potencial para novas crises oriundas da questão energética é muito grande. Diante de um cenário tão complexo, torna-se vital analisar como cinco décadas de equívocos na questão do petróleo vão continuar a ser um empecilho para o desenvolvimento brasileiro.
Diante das paixões que o tema desperta sempre que a Petrobras é mencionada, é sempre importante enfatizar que a exploração de petróleo em alto mar é uma das maiores conquistas econômicas do Brasil em sua história. Essa conquista teria sido impossível sem que a Petrobras tivesse forjado alianças ao redor do globo, alianças essas que propiciaram o capital e a tecnologia necessários para que o Brasil se tornasse autossuficiente em petróleo ao final dos anos 90. É lamentável que às vésperas de uma das mais importantes eleições da história brasileira, o debate sobre a política petrolífera do Brasil não tenha evoluído da clássica dicotomia “público x privado.” As propostas até agora apresentadas pelos pré-candidatos a presidência para o setor petrolífero refletem essa lógica ultrapassada e não atacam de frente os problemas estruturais.
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Apesar da crise gerada pela alta global dos preços do petróleo, que contribuiu diretamente para a greve dos caminhoneiros, a posição do Brasil no cenário petrolífero mundial é muito mais favorável hoje do que há quarenta anos. Quando João Figueiredo foi empossado como o último general-presidente (1979), o Brasil necessitava importar diariamente aproximadamente 800 mil barris de petróleo, o que representava algo como 85% do nosso consumo diário. O país estava tremendamente exposto aos choques externos nos preços da commodity e das constantes oscilações dos juros americanos, em um cenário relativamente semelhante ao atual. Quando os preços dispararam em 1979 (Segundo choque do Petróleo), a arriscada política de importações executada pelo regime militar foi à lona, sendo preciso aumentar consideravelmente a produção doméstica de petróleo.
Em meio às crises políticas e econômicas que marcaram as décadas de 80 e 90, passou praticamente despercebida do público a impressionante evolução da produção brasileira de petróleo, com destaque para a Bacia de Campos. Entre 1980 e 1998 a produção petrolífera brasileira passou de míseros 180 mil barris diários para mais de 1 milhão de barris, com o núcleo da produção centrado em Campos. Esses números poderiam ter sido ainda maiores se os governos Figueiredo, Sarney e Collor não forçassem a companhia a adotar uma dura política de subsídios ao petróleo com foco no controle inflacionário, afetando diretamente a lucratividade da empresa e com isso a sua habilidade em investir na expansão da produção nacional.
Com a estabilização econômica iniciada em 1994 através do Plano Real, um cenário externo favorável para investimentos no Brasil e uma política de preços mais racional colaboraram para que a Petrobras obtivesse os resultados que conduziram a autossuficiência em 1998.
A crise atual começa a ganhar os seus contornos nos eventos que acontecem entre 2000 e 2018, em uma complexa rede de eventos que vão culminar com a greve dos caminhoneiros. Ainda vai ser necessário muito tempo para entender como a “bonança do petróleo” fracassou espetacularmente no Brasil e quais foram os efeitos disso para a política e a economia do país. Contudo, uma coisa é clara: o cenário de autossuficiência trouxe uma euforia exagerada sobre as reais possibilidades do petróleo brasileiro.
Inicialmente, houve grande otimismo com a autossuficiência e a descoberta do pré-Sal a partir de 2009. Apesar da crescente produção brasileira, as refinarias construídas no período militar se encontravam defasadas e ainda pouco adaptadas para o pesado petróleo da Bacia de Campos, de refino mais complexo. Também tem sido conveniente para os governos destes últimos 18 anos esquecer quão caro é o petróleo brasileiro retirado de altas profundidades. Enquanto o custo de extração e comercialização do petróleo soma apenas US$ 8.50 na Arábia Saudita, no Brasil o custo mínimo apontado por especialistas internacionais é de US$ 34.50, com o pré-Sal chegando a impressionantes US$ 45 o barril. Mesmo que existam avanços tecnológicos consideráveis que baixem esses custos, o Brasil vai estar em condições permanentes de desvantagem com relação a outras nações industrializadas que produzem petróleo mais barato ou o importam sem tributação de fornecedores mais competitivos no Oriente Médio.
Outro ponto importante é que uma companhia de petróleo não é um ticket imediato para a riqueza, como aparentou ser nos primeiros anos após a descoberta do pré-sal. As empresas petrolíferas vivem de um equilíbrio complexo, onde precisam utilizar com sabedoria os ganhos de períodos de preços altos e se preparar para os períodos de vacas magras, onde os preços do petróleo despencam. Pode-se afirmar com segurança que em 90% do seu tempo de existência, a Petrobras não se submeteu a essa lógica, sendo vítima de constantes intervenções no preço por parte do governo federal, afetando dramaticamente a sua lucratividade.
Pedro Parente, ex-presidente da Petrobras, pagou um preço altíssimo por tentar solucionar esse problema histórico e restaurar um mínimo de racionalidade à saúde financeira da empresa. Diante de tamanho revés, certamente nos próximos anos a Petrobras vai continuar sofrendo com frequentes intervenções federais na sua política de preços, tornando-a menos lucrativa e eficiente. Com menor lucratividade, a empresa tem menos recursos para investir em tecnologia que torne a exploração de petróleo mais barata. Soma-se a isso a altíssima carga de impostos que incide sobre os combustíveis, bem como a atuação de atravessadores e a constituição de cartéis por postos e distribuidoras. Ou seja, o petróleo brasileiro seguirá sendo caro e a população vai seguir pagando a conta.
Por fim, é o cidadão brasileiro que precisa decidir que tipo de política energética deseja ter. O Brasil tem condições plenas de ter uma política energética moderna, equilibrada e eficiente. O desafio é lidar com os obstáculos de sempre: improviso, intervencionismo, alta carga tributária, populismo e corrupção.
Com uma infraestrutura de refino cara e defasada, altos custos de transporte e a alta do dólar, o preço do combustível no Brasil permanecerá sendo um fardo à boa saúde da economia nacional. Uma política energética de longo prazo, que privilegie a população e a economia real, deve se afastar gradualmente do petróleo e da Petrobras. O Brasil tem muita margem para investir em fontes de energia alternativas, tais como painéis solares, energia eólica e com base na oscilação das marés. Todas essas fontes podem ser desenvolvidas com uma estrutura mais leve, baseadas em agências reguladoras fortes e com foco em recursos privados. Ou seja, seria uma renovação de matriz energética e de modelo de desenvolvimento dessas novas matrizes.
E, acima de tudo, tão importante quanto o país ser autossuficiente em energia, é necessário que a energia seja abundante, barata para o consumidor e economicamente viável para o provedor. Se essa equação não está em ordem, não há desenvolvimento.

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JOTA

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