Janaína Penalva

Daniel A. Vila-Nova Gomes

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<p>Esta semana, a Câmara dos Deputados aprovou proposta de emenda à constituição que reduz a maioridade penal para 16 anos para os crimes de homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e para os crimes hediondos. É diverso o rol de crimes hediondos, mas só um tipo penal nos interessa aqui: o estupro. Um crime contra meninas e mulheres.</p>
<p>Ao reduzir a maioridade penal para crimes específicos, incluindo o estupro, a referida proposta de emenda constitucional estabeleceu conexões incômodas entre o Estatuto da Criança e do Adolescente/ECA e a Lei de Crimes Hediondos/LCH, leis que, curiosamente, foram editadas no mesmo período histórico, julho de 1990. Nasceram juntas, mas partem de marcos de justiça distintos. Enquanto o ECA se estrutura a partir do princípio de proteção contra violência, crueldade e opressão, a LCH é o marco da punição severa, do incremento na restrição de liberdade.</p>
<p>No caso do estupro, a idade é uma variável importante. Meninas e meninos com menos de 14 anos são considerados vulneráveis quando vítimas de estupro, há um tipo específico que demonstra a importância da idade. No Código Penal em vigor, o art. 217‐A define o crime de estupro de vulnerável como: “ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos.” A pena é reclusão de 8 a 15 anos.</p>
<p>A norma citada fala em “menor de 14 anos” sem diferenciações de gênero, mas vale repetir: são as meninas as vulneráveis vitimadas pela violência sexual. Meninos também sofrem essa violência, mas por razões diferentes. Na condição de filhos, fazem o par com suas mães e cuidadoras como vítimas dos abusos e pressões que elas sofrem. De toda sorte, o estupro de meninas e mulheres é a manifestação mais violenta do patriarcado, o maior exemplo de como nem a mais antiga criminalização do ódio às mulheres reduz a violência que sofrem.</p>
<p>Por isso, nos interessa pensar sobre a redução da maioridade penal pensando sobre a violência sexual. Seria, então, a redução da maioridade penal uma medida de proteção de mulheres e meninas vítimas de estupro, um crime hediondo? Reduzir a maioridade penal é uma medida de combate e prevenção à violência sexual?</p>
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<p>A redução da maioridade penal no caso do crime de estupro de vulnerável nos guia a uma interrogação de princípio. A lei penal majora a pena dos autores da violência contra vítimas de até 14 anos porque as considera mais vulneráveis. Mas, ao mesmo tempo, tornará mais severa a pena e seu regime de execução se os autores da violência sexual tiverem 16 anos. Esse sistema parece dissolver qualquer coerência sobre quem deve ser protegido e quem deve ser punido.</p>
<p>Não há diferenças substanciais entre meninos e meninas de 14, 15 ou 16 anos no que tange a sua condição de vulnerabilidade social. Em qualquer dessas idades, têm poucas possibilidades de escolha na vida e nenhum poder de decisão no sexo.</p>
<p>Se não vivêssemos sob o patriarcado dos homens e se nossos representantes legislassem pela igualdade, a Câmara das Deputadas poderia ter aprovado ontem o aumento da proteção à vulnerabilidade ao invés de aprovar a redução da maioridade penal.</p>
<p>Embora a lei penal tenha definido 14 anos como limite da vulnerabilidade penal, no exercício de nossa autonomia política, poderíamos nos guiar por princípios de justiça e escolher, por exemplo, 16 anos como marco final da vulnerabilidade, ampliando a proteção pela extensão do regime penal mais duro.</p>
<p>Nesse exercício imaginário, a “PEC da vulnerabilidade” proporia a inclusão no texto constitucional do art. 228‐A com a seguinte redação: “São vulneráveis os menores de 16 anos, na forma da lei.”</p>
<p>A diferença entre a imaginada “PEC da vulnerabilidade” e a PEC da maioridade penal é a diferença entre vulnerabilidade e responsabilidade. Palavras com sentidos diferentes, mas que devem operar de forma complementar.</p>
<p>O Estatuto da Criança e do Adolescente já opera com essa relação de complementariedade. Considera crianças e adolescentes vulneráveis, mas institui níveis proporcionais de responsabilização de condutas que podem ser enquadradas como atos infracionais. Níveis de</p>
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<p>responsabilização que têm a proteção da infância e da adolescência como princípio fundamental a exigir respostas de cuidado antes de reações de punição. Esse é o sistema vigente no país hoje e que se encontra ameaçado por propostas legislativas que alteram essa interação complementar, a favor, claro, do recrudescimento penal, da proliferação de “metástases legislativas” em matéria penal.</p>
<p>O estupro é crime de ódio às mulheres. É fruto de uma sociedade patriarcal que reifica e se apropria dos corpos das mulheres para violá‐los e eliminá‐los. Não vamos combatê‐lo fazendo com que crianças cumpram penas de adultos. Ao contrário, responsabilizar plenamente adolescentes pela violência sexual que cometem é apenas outra faceta dessa mesma sociedade que discrimina e violenta, não é medida de combate ao estupro, não é ato de proteção às mulheres.</p>
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Chamber_of_Deputies_of_Brazil_(09-09-2012)

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JOTA

Conexões incômodas entre o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Crimes Hediondos

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