Flávio Augusto Dumont Prado

Alexei Macorin Vivan

É inerente à atividade de distribuição de energia elétrica a ocorrência de perdas técnicas e não técnicas: as técnicas decorrem da própria rede; as não técnicas, majoritariamente, de ilícitos como furtos e ligações clandestinas, frequentes em áreas vulneráveis e desassistidas pelo Estado<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Embora ambas sejam inerentes à atividade e, portanto, passíveis de dedução da base de cálculo do IRPJ/CSLL, por configurarem custo de comercialização (arts. 303 e 311 do RIR/18 e art. 46 da Lei n° 4.506/64), a Receita Federal do Brasil (RFB) tem negado a dedutibilidade das perdas não técnicas, com a respectiva autuação da parcela deduzida.
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Para a RFB, só seriam dedutíveis essas despesas se comprovado o furto mediante queixa ou representação criminal, com identificação individualizada dos responsáveis, com base no art. 47, §3º, da Lei nº 4.506/64, Parecer Normativo CST nº 50/73 e Solução de Consulta Cosit nº 3/17, o que tem ensejado autuações fiscais bilionárias no setor<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Essa posição parte da falsa premissa de que as perdas não técnicas seriam gerenciáveis pelas distribuidoras com maior "diligência”, revelando desconhecimento da realidade das concessões ou servindo, ingenuamente, como pretexto arrecadatório.
Em 2023, as perdas não técnicas representaram 15,7% da energia de baixa tensão injetada no sistema. Nas cinco distribuidoras mais afetadas — Amazonas Energia, CEA Equatorial, Light, Enel RJ e Equatorial PA — a média chegou a 64%<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
O volume dessas perdas supera o consumo anual do setor residencial da Região Sul<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, evidenciando que não se trata de desvios residuais, mas de prática recorrente e sistêmica.
Esse cenário resulta da prática criminosa agravada pela omissão estatal. Parte do prejuízo é repassada ao consumidor, outra absorvida pelas distribuidoras<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, afetando a sustentabilidade do serviço. Exigir a identificação dos criminosos equivale a impor atribuição que as distribuidoras não possuem. Elas sofrem dupla penalidade: a perda com o furto e a tributação sobre o que não receberam.
Não cabe às distribuidoras identificarem os responsáveis pelas perdas, como exige a RFB. A comunicação das ocorrências à ANEEL, responsável por este controle, mostra-se suficiente, sendo indevida a atribuição de função investigativa a agentes privados.
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A RFB ignora a realidade e impõe às empresas um ônus probatório que só faria sentido em contextos próximos ao ideal. Demandar controle individualizado ou apuração de autoria usurpa funções estatais exclusivas.
Ao negar a dedutibilidade, a RFB contraria a ANEEL, que reconhece tais perdas como não gerenciáveis, sobretudo em áreas com alta criminalidade e restrições de acesso até mesmo à polícia. Há um claro descompasso entre os marcos regulatório e tributário: a ANEEL trata essas perdas como “complexidades socioeconômicas”<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>, enquanto a RFB as vê como evitáveis, impondo às distribuidoras um ônus desproporcional e inexequível.
Desconsiderar um custo operacional reconhecido pela agência reguladora contraria a lógica do lucro real – voltado à tributação da capacidade econômica efetiva – e compromete a neutralidade tributária, afetando a viabilidade de uma atividade essencial.
Como bem reconhecido no Acórdão nº 1101-001.349 do CARF<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>, negar a dedutibilidade com base na suposta evitabilidade ignora três aspectos centrais:
<ol>
<li>A realidade operacional das distribuidoras, com ligações clandestinas e dificuldade de fiscalização em áreas de risco;</li>
<li>A obrigação legal de fornecimento universal, inclusive em locais economicamente inviáveis e de alto risco, sem contrapartida estatal eficaz;</li>
<li>O marco regulatório da ANEEL, que reconhece tais perdas como custo, incorporando-as no cálculo tarifário.</li>
</ol>
Mais descabida é a alegação de que as distribuidoras estariam em “zona de conforto”. Confortável seria receber por toda a energia fornecida e tributar o lucro. Na realidade, perdem 66% da receita potencial com o furto, mesmo com a dedução admitida. A interpretação da RFB não se sustenta sequer sob a lógica matemática.
Tributar perdas inevitáveis afronta a capacidade contributiva, compromete a segurança jurídica e põe em risco a continuidade do serviço público essencial. Reconhecer a dedutibilidade dessas perdas não é benefício: é dever de coerência com os princípios do sistema tributário.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Agência Nacional de Energia Elétrica (Brasil). Bibliografia Temática: perdas não técnicas de energia elétrica / Agência Nacional de Energia Elétrica, Núcleo de Biblioteca e Arquivo. Brasília: ANEEL: NBA, jun. 2024.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Ac. 1202-001.527, 1ª Seção/2ª Câmara/2ª Turma ordinária, Rel. Andre Luis Ulrich Pinto, j. 28/01/25.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Disponível em: https://portalrelatorios.aneel.gov.br/luznatarifa/perdasenergias#!
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em: https://www.gov.br/aneel/pt-br/assuntos/noticias/2024/aneel-divulga-relatorio-sobre-perdas-de-energia-eletrica-na-distribuicao
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Agência Nacional de Energia Elétrica (Brasil). Bibliografia Temática: perdas não técnicas de energia elétrica / Agência Nacional de Energia Elétrica, Núcleo de Biblioteca e Arquivo. Brasília: ANEEL: NBA, jun. 2024.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Disponível em: https://www.gov.br/aneel/pt-br/assuntos/noticias/2024/aneel-divulga-relatorio-sobre-perdas-de-energia-eletrica-na-distribuicao
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Ac. 1101-001.349, 1ª Seção/1ª Câmara/1ª Turma ordinária, Rel. Itamar Artur Magalhaes Alves Ruga, j. 16/07/24.

adicional de ICMS em energia elétrica e telecom

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JOTA

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