Guilherme Freitas

Após longos anos de incerteza e alguma apreensão quanto ao direcionamento a ser dado sobre a natureza jurídica e, principalmente, o reconhecimento ou não do vínculo empregatício na relação entre Uber e os motoristas cadastrados na plataforma, o Tribunal Superior do Trabalho deu sinais de que a palavra final será dada na direção correta.
Ao analisar um recurso apresentado pela Uber, a 5ª Turma do TST, sob a relatoria do Ministro Breno Medeiros, afastou o pedido de vínculo postulado por um motorista do aplicativo na Justiça do Trabalho de São Paulo.
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Em uma decisão histórica e muito bem fundamentada, os ministros do Tribunal reverteram, de forma unânime, a decisão do TRT paulista e deram alguns ‘recados’ importantes a todos nós jurisdicionados, especialmente no sentido de que (i) as regras do jogo, uma vez escolhidas e aceitas pelos contratantes, devem ser respeitadas e (ii) a Justiça do Trabalho deve estar atenta aos novos formatos de relação de trabalho. No acordão, foi reforçado textualmente que “o intento de proteção ao trabalhador não deve se sobrepor a ponto de inviabilizar as formas de trabalho emergentes”.
Poucos perceberam, mas o avanço decorrente dessa decisão transcende a relação jurídica entre os aplicativos e os motoristas vinculados às plataformas. Trata-se de um marco, um divisor de águas na luta constante pela modernização da interpretação das relações de trabalho pelos juízes trabalhistas.
É incontestável que a tecnologia vem trazendo mudanças profundas e exponenciais nas relações sociais, inclusive na forma como lidamos com valores importantes como propriedade, dinheiro e tempo, em especial a relação de tais valores com fatores cada vez mais relevantes, como prazer, equilíbrio e felicidade.
O sucesso de aplicativos como Uber e tantos outros que conectam, de forma livre e voluntária, consumidores a prestadores autônomos de serviços não decorre necessariamente da má qualidade do transporte realizado pelos taxistas, muito menos do preço cobrado. A atração instantânea (e genuína) às plataformas decorre da lógica por trás da ideia, muito aderente ao momento e aos valores atuais de quem consome e presta os serviços.
Faz todo o sentido para o consumidor ter mais opções de escolha, não precisar contar com intermediários desnecessários e deixar de pagar pelo custo atrelado a monopólios e a permissões “canetadas” pelo poder público. Por outro lado, faz mais sentido ainda para as pessoas que, por uma questão de conveniência ou necessidade, passam a ter uma oportunidade de transformar seu tempo disponível em renda, especialmente em momentos de altos índices de desemprego formal.
O que os defensores do trabalho “à moda antiga” não entendem (ou possuem outros interesses que não os permitem entender) é que a lógica mudou. As pessoas querem ter mais liberdade para fazer suas escolhas, sem que seja necessário que o Estado as direcione para o “melhor” caminho.
Pergunte a um motorista de plataforma, a um corretor de imóveis, a um life planner, a um advogado associado ou a qualquer outro profissional similar qual seriam as principais vantagens relacionadas ao formato das respectivas atividades. Certamente todos indicarão características como autonomia, liberdade, disponibilidade de tempo e possibilidade de uma renda sem limites, totalmente vinculada ao volume (e ao risco) do próprio trabalho. São profissionais que reconhecem a sua situação de autonomia e visualizam todas as vantagens decorrentes dela. Consequentemente, devem se responsabilizar pelas suas escolhas.
O art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, que estabelece os critérios para a configuração de vínculo empregatício, permanece intacto desde 1943. É desnecessário dizer que, desde a década de 40, muita coisa mudou nas relações de trabalho e que adequações legislativas seriam muito bem-vindas para nos preparar para o futuro. O fato é que diante da ausência (provavelmente intencional) de boas leis trabalhistas, cabe ao juiz, aplicador da norma ao caso concreto, adequá-las à realidade.
E a realidade que a Justiça do Trabalho precisa compreender está nas ruas, na cabeça dos jovens, dos inovadores, na força do empreendedorismo para o desenvolvimento da nação, na boa-fé e na confiança de que pessoas instruídas e informadas sabem perfeitamente as escolhas que fazem e precisam ser responsáveis pelas suas consequências, sem qualquer direito a arrependimentos incentivados e intencionais.
Além disso, as regras processuais também precisam mudar. Um sistema que permite discussões judiciais sem custo para o demandante, quase que sem risco de perda e com créditos sendo atualizados e remunerados com juros de 1% ao mês é uma bela forma de incentivar os “hipossuficientes arrependidos”.
Com essa recente decisão, o Tribunal Superior do Trabalho reforça que o Poder Judiciário existe para ser justo e não para proteger, e que o julgador, quando protege sem entender de fato a realidade (ou o contexto social em que vivemos), desata a venda e desequilibra de forma irreversível a balança da Justiça.
Espera-se que essa nova lógica se espalhe exponencialmente por todo o Brasil e que advogados, magistrados, promotores de justiça e todos os demais aplicadores do Direito reflitam sobre os impactos positivos dessa visão para o amadurecimento da sociedade brasileira. Caso contrário, nossos filhos/cidadãos permanecerão crescendo num ambiente de superproteção, benefícios/ incentivos infundados e inconsequências. Quem é pai sabe muito bem qual é o resultado dessa combinação no futuro.

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JOTA

Ministros do TST deram alguns ‘recados’ importantes a todos nós jurisdicionados

O 'efeito Uber' na Justiça do Trabalho

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