Andreu Wilson

Giovani Ravagnani

Algumas semanas atrás fomos profundamente impactados pelo anúncio de uma vaga de trabalho ofertada pelo Linkedin. O anúncio convocava candidatos que, além de advogados adoradores de tecnologia e negócios, fossem workaholics, growth-aholics (seja lá o que isso signifique!) e que tomassem Venvanse, um remédio usado no tratamento do TDAH e também utilizado por muitos como smart drug para aumentar a produtividade:
<img class="aligncenter size-full wp-image-312164" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/05/imagem1-1.jpg" alt="" width="554" height="456" />
A única reação a uma exigência descabida como essa é a indignação. Indignação esta que só se agrava por ser o ofertante da vaga um escritório de advocacia, em tese, vocacionado para o cumprimento das leis (inclusive no tocante à legislação do trabalho).
O anúncio supervaloriza dois pontos que, em nosso ver, estão completamente equivocados. Na cultura do trabalho exacerbado e na ode às smart drugs.
Não temos problemas com quem trabalha muito. Mas daí vai uma grande diferença até glorificar regimes de trabalho extenuantes e a normalização dessa cultura, sobretudo quando há mais de 14 milhões de desempregados no país. A admissão de que o ritmo de trabalho em tal vaga não é saudável advém da normalização do uso das smart drugs, como se fosse um pré-requisito como outro qualquer, tal como experiência na área, vontade de aprender.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a> 
Trabalho é trabalho. Vida pessoal é vida pessoal. É necessário que se faça essa divisão. Nenhuma organização será perene levando os seus colaboradores ao burnout e ao inevitável turnover, já que é insustentável viver à base de drogas apenas para dar conta do trabalho. A construção de um ambiente de trabalho saudável é dever de toda corporação.
<blockquote class="jota-article__eye">Ritalina, Venvanse, Adderall, Modafinil são exemplos de drogas comumente utilizadas por aqueles que querem potencializar o rendimento e a eficiência de suas capacidades cognitivas - tal qual demonstrado, de forma cinematográfica, no filme Sem Limite, estrelado por Bradley Cooper<a href="applewebdata://67A8CC2D-DDBE-45E7-954B-0C59B0BD9D12#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.</blockquote>
Não é incomum ver colegas advogados, banqueiros e concurseiros se utilizando de tais artifícios para maximizar sua capacidade laborativa.
Tratam-se de drogas vendidas unicamente sob prescrição médica e que causam dependência e efeitos colaterais. Aqueles que se utilizam delas sem necessidade e sem indicação profissional para melhorar o desempenho no trabalho assumem o risco dos seus malefícios e colocam em risco tanto a sua saúde física quanto a saúde mental.
Chegamos a trocar algumas mensagens com o anunciante da vaga pelas redes sociais que, tentando se justificar, acabou provando que não entendeu nada daquilo que havíamos pontuado: manteve-se firme em dizer que teria recebido “muitos currículos e que várias pessoas teriam se interessado pela vaga anunciada” e que o papo do Venvanse teria sido apenas um recurso de estilo para chamar atenção das pessoas e que teria obtido sucesso nisso, tendo visto a quantidade de aplicações supostamente recebidas.
Estamos em lados opostos, antagônicos. E pretendemos continuar assim, por muito tempo.
Não enxergamos tal sucesso, muito pelo contrário. Vemos um fracasso retumbante. Um sinal de falência. Somos a real sociedade do cansaço. Um grito de desespero de pessoas procurando recolocação profissional. Um suspiro por aqueles que querem fugir dos ambientes formais engravatados e procuram ambientes descolados - que no fim das contas acabam sendo mais do mesmo: agressivos e cheios de gente hostil.
Atualmente, a nossa tão nobre profissão é grassada por ansiedade, depressão e alcoolismo. Em recente pesquisa realizada pela American Bar Association, observou-se que 45% dos advogados sofreram de depressão em algum momento de suas carreiras. Além disso, 21% dos 15.000 advogados ouvidos se consideram alcoólatras problemáticos, com um total de 36% afirmando possuírem problemas de "abuso de bebidas alcoólicas" e 12% relataram ter pensamentos suicidas por pelo menos uma vez, no exercício da profissão<a href="applewebdata://67A8CC2D-DDBE-45E7-954B-0C59B0BD9D12#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Embora os dados sejam relativos aos Estados Unidos, nada nos leva a crer que tenhamos aqui um cenário significativamente melhor no Brasil. Isto significa que a advocacia precisa deixar de ser um ecossistema no qual se vive no limite do excesso de trabalho, engessado, hostil, centralizador, mal remunerado e estressante.
Redesenhar a cultura do mercado jurídico é uma missão urgente. E para isso, precisamos de capacidade de autocrítica, reconhecendo os erros que cometemos nos processos de contratação, retenção e promoção de pessoas, bem como analisando a forma com que lidamos (ou mais propriamente, não lidamos) com o excesso de trabalho, assédio moral e sexual.
A construção de culturas meritocráticas é possível na advocacia, com a conciliação da valorização dos profissionais mais produtivos e o apoio generoso àqueles que precisam evoluir. E esse ambiente pode ser construído sem assédio moral e sexual.
A cobrança de desempenho e comportamento adequado é parte essencial do amadurecimento profissional, mas de modo algum se confunde com o assédio, sendo um momento de assertiva e materialmente apontar as falhas cometidas por determinado profissional, assim como o roadmap para uma evolução técnica e comportamental.
De fato, quanto mais meritocrática a cultura de uma organização, maior o repositório de talentos que terá, sobretudo num momento em que assume papel estratégico a retenção de mulheres, negros e pessoas LGBTQIA+. Mudar é um imperativo para toda organização que anseie perenidade, já que a advocacia está cada vez mais feminina, com mais negros formados em universidades de ponta e LGBTQIA+. E esses profissionais, como os demais, estão cada vez menos dispostos a confiar sua formação a ambientes que os exploram e não os respeitam.
Conclusivamente, esperamos que esse anúncio tenha sido uma tentativa infrutífera de ser descolado e não reflita o ambiente de trabalho a que estão submetidos seus profissionais. Somos uma profissão intelectual e o nosso único insumo relevante são pessoas brilhantes e saudáveis, o que significa que precisamos oferecer a elas tempo para se aprimorarem tecnicamente, buscarem outros interesses e quereres que não apenas o Direito, convívio familiar e ócio criativo.
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<a href="applewebdata://67A8CC2D-DDBE-45E7-954B-0C59B0BD9D12#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> https://www.amazon.com/Limitless-Bradley-Cooper/dp/B005DD7H50.
<a href="applewebdata://67A8CC2D-DDBE-45E7-954B-0C59B0BD9D12#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> CONJUR. Covid-19 agrava a saúde mental dos advogados nos EUA. Disponível em: <a href="https://www.conjur.com.br/2020-jun-14/covid-19-agrava-saude-mental-advogados-eua#:~:text=Estudos%20recentes%20t%C3%AAm%20demonstrado%20que,advogado%20e%20consultor%20James%20Robinson">https://www.conjur.com.br/2020-jun-14/covid-19-agrava-saude-mental-advogados-eua#:~:text=Estudos%20recentes%20t%C3%AAm%20demonstrado%20que,advogado%20e%20consultor%20James%20Robinson</a>. Acesso: 19 abr. 2021<a href="applewebdata://67A8CC2D-DDBE-45E7-954B-0C59B0BD9D12#_ednref1" name="_edn1"></a>

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JOTA

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