Victor Cabral Fonseca

A região californiana do Vale do Silício figura, de forma quase unânime, como o melhor ambiente do planeta para o exercício do empreendedorismo tecnológico. Algumas outras localidades também aparecem em certa posição de destaque, como Tel Aviv e Londres, por exemplo. Sabemos, portanto, que empresas fundadas ou desenvolvidas em determinadas regiões possuem maior potencial de sucesso em relação a outras, mas a questão que fica é: até que ponto o direito brasileiro contribui para que ainda não tenhamos um Vale do Silício para chamar de nosso? 
O termo “ecossistema empreendedor” é muito frequente nas leituras sobre o desenvolvimento de empresas nascentes inovadoras – startups. A ideia de “ecossistema”, importada da biologia, é utilizado para descrever um ambiente propício ao florescimento destas empresas em toda sua complexidade: compreende, então, não apenas os aspectos físicos do local em que se encontram tais empresas, mas também todos os agentes, indivíduos, disponibilidade de capital, políticas públicas, governamentais, aspectos legais, jurídicos, e qualquer outro fator responsável por, de maneira superficial ou profunda, influenciar no surgimento e no amadurecimento de novos negócios. Portanto, a presença mais protuberante destes fatores é responsável por tornar certos locais mais atrativos para os empreendedores.
Por que é interessante para um país manter ecossistemas de empreendedorismo? Possuir uma região evoluída propícia a tal atividade não é simplesmente ostentar uma medalha reluzente. Estudos[1] comprovam que países incentivadores da inovação são capazes de se beneficiar de maneira profunda deste expediente.
Um bom exemplo de pesquisa que estabelece este elo entre inovação e desenvolvimento é o trabalho feito por Robert Cooter[2]. Ao descrever o processo inovador como um importante caminho para se retirar uma nação da pobreza, afirma que países subdesenvolvidos tendem a pecar na proteção jurídica da propriedade privada e, simultaneamente, na capacidade de fazer valer os contratos ali firmados (enforcement of contracts). Sua pesquisa demonstra que, na realidade, é necessário se atentar à efetividade das leis positivas que tratam destas matérias, para que o setor privado possa se organizar e contribuir para o progresso econômico e social.
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Isto posto, é muito vantajoso para um país possuir uma região que promova o surgimento de novas tecnologias e o empreendedorismo. Nesta seara, o papel do direito e seus institutos são bastante relevantes, uma vez que representam fatores de influência direta no contexto de formação e sucesso de novos negócios. Ecossistemas que contam com arranjos legais e proteções jurídicas consolidadas possuem uma maior capacidade de se desenvolverem como expoentes do empreendedorismo. 
Em seu texto How Law Made Silicon Valley, o professor de Harvard Anupam Chander[3] consagrou o direito como o responsável por elevar o Vale do Silício a um patamar quase divino quando se trata de empreendedorismo. Segundo seu estudo, um arcabouço jurídico fundado em três princípios básicos – responsabilização de intermediadores, proteção à privacidade e temas de copyright – foi fundamental para que a região do Vale se desenvolvesse e se consolidasse como a “Mecca” da inovação tecnológica.
Além disso, o envolvimento do direito com a ideia de ecossistema não se resume apenas a políticas públicas e legislativas relevantes. É importante destacar o desempenho, preparo e o grau de especialização dos agentes jurídicos que atuam naquela região, como os advogados, por exemplo. De acordo com Jack Wroldsen, advogados são disruption framers – uma classe que, por meio do planejamento estratégico e de sua capacidade de contornar possíveis problemas, atua no sentido de proteger e garantir a prosperidade do empreendedor em um contexto de inovação disruptiva. É uma visão bem mais ampla do papel do jurista, que muitas vezes é tido como um mero “resolvedor de problemas”. Advogados que atuam em parceria com as empresas que assistem – e se dizem especializados neste tipo de negócio – devem perceber a importância da mitigação de riscos, principalmente quando confrontados os custos envolvidos na solução de conflitos futuros. É tarefa de extrema responsabilidade, dada a situação de risco no qual se desenvolvem startups inovadoras.
Quando dirigimos o olhar para a realidade brasileira, temos algumas regiões que se destacam no cenário do país. Como ecossistema, a cidade de São Paulo ainda é o principal expoente nacional e atrai grande parte das startups brasileiras[4]. Simultaneamente, ainda podemos relatar os casos de Recife (conhecido como Porto Digital[5]) e Rio de Janeiro[6], que também aparecem em alguns índices. Contudo, nenhuma dessas localidades possui um ambiente totalmente voltado ao empreendedorismo, com incentivos suficientes para a plena inovação.
Infelizmente, o direito brasileiro atual também possui uma parcela de culpa neste cenário. Não é difícil levantar alguns exemplos recentes que demonstram estas dificuldades, que vão desde decisões judiciais inconsistentes (ex.: limitação de responsabilidade de sócios) até leis pouco eficientes (ex.: ausência de uma proteção jurídica efetiva aos investidores-anjo[7] minoritários). Estas situações revelam o grau de insegurança jurídica encontrado no país e mostram o quanto ainda precisamos evoluir para, enfim, crescer por meio da inovação. Da mesma forma que os arranjos legais foram fundamentais para fazer do Vale do Silício o que é hoje, é necessária uma atenção especial à estas questões em território brasileiro.
É necessário ressaltar que as mudanças devem ser sistêmicas e que decorrem do empenho de uma pluralidade de agentes envolvidos no empreendedorismo de inovação. Tal fato é primordial para que o Direito seja capaz de progredir juntamente com a sociedade que atinge, e, assim, oferecer mecanismos que contribuam e acarretem em crescimento constante. Neste sentido, devemos esperar um preparo cada vez maior de advogados especializados no atendimento de startups; preocupações de fundadores, administradores e investidores com aspectos jurídicos; um judiciário atualizado e atento às transformações sociais; e, é claro, um legislativo que se sirva do interesse público em sua atuação normativa. Entendamos: aqui estamos falando de esforços individuais e coletivos, públicos e privados, rápidos e demorados, simples e complexos.
Esta circunstância de insegurança faz com que as questões jurídicas sejam tidas pelo senso comum como um grande obstáculo para a inovação– o que é errado. O direito e seus institutos deveriam ser vistos como fatores de impulsão, incentivo, fomento e atração de empreendedores, apesar de ser compreensível a desconfiança do mercado brasileiro, que ainda apresenta graves falhas jurídicas e legais as quais dificultam a atuação dos empreendedores.
Retornando ao questionamento inicialmente levantado: seria possível vislumbrar o surgimento de um Vale do Silício brasileiro? A resposta a esta pergunta somente virá com o tempo. Todavia, é possível concluir que o direito é um personagem expressivo neste objetivo. É imprescindível que seus operadores tenham consciência de sua responsabilidade e tomem as providências para que pivotar nossos ecossistemas a um caminho de evolução.
E tal iniciativa deve começar desde já.
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[1] ACS, Z. J.; AUDRETSCH, D. B. Innovation in Large and Small Firms: an Empyrical Analysis. The American Economic Review. Nashville, Vol. 78, No. 4 (Sep. 1988), p. 27-55, 1988; WENNEKERS, S.; THURIK, R. Linking Entrepreneurship and Economic Growth. Small Business Economics. New York, Vol. 13, No. 1 (Aug 1999), p. 27-55, 1999; e BAUMOL, W. J.; STROM, R. J. Entrepreneurship and Economic Growth. Strategic Entrepreneurship Journal. Chicago, v. 1, p. 233-237.
[2] COOTER, R. Innovation, Information and The Poverty of Nations. Florida State University Law Review. Vol. 33, 2005, p. 373-394.
[3] CHANDER, A. How Law Made Silicon Valley. Emory Law Journal. Atlanta, v. 63, issue 3, p. 639-694, 2014.
[4] STARTUP GENOME. Global Startup Ecosystem Report 2017. San Francisco, 2017.
[5] MEIRA, S. L. Novos negócios inovadores de crescimento empreendedor no Brasil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.
[6] WORLD BANK. Doing Business 2017: Equal Opportunity for All. Washington, 2016.
[7] Apesar de o investimento-anjo ter sido previsto no peculiar contrato de participação da Lei Complementar n. 155/2016, questões tributárias ainda pairam esta modalidade. Desta forma, a lei ainda é de difícil aplicação e potencialmente onerosa demais aos investidores.

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JOTA

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