Daniel Capecchi Nunes

Vive-se no Brasil um momento de grande dificuldade institucional. Decisões judiciais, administrativas e legislativas de conteúdo absolutamente contraditório, interna e externamente, tornaram-se uma realidade constante. A previsibilidade e a segurança, dois valores constitucionais básicos de um Estado de Direito, são artigos de luxo nas disputas políticas e jurídicas que vão se avolumando e tomando proporções colossais
Dentre as diversas questões no pano de fundo desse problema, uma parece inadiável: a construção progressiva e exponencial de um modelo de constitucionalismo heroico e de agentes públicos heróis. Frente a um cenário desolador, parece quase natural que, por um lado, haja gente em busca de bons exemplos de luta contra um status quo apodrecido e, por outro, gente – genuinamente, diga-se de passagem – disposta a fazer esse papel. É essa a equação que produz uma população ansiosa para incensar novas figuras e agentes públicos prontos para dar sua contribuição nas transformações necessárias para mudar o país.
A todo tempo surgem novos heróis, rapidamente construídos pela mídia e agigantados pela opinião pública e, brevemente, esquecidos. Quer-se heróis no Judiciário, no Legislativo e no Executivo, mesmo que isso represente o enfraquecimento da atuação coletiva dessas instituições. É importante frisar que, muitas vezes, esses heróis, de fato, aparecem e realizam bons trabalhos do ponto de vista do interesse público.
O problema é que a lógica do constitucionalismo e da democracia é contrária a um regime fundado no heroísmo individual e na vontade particular de mudar o mundo. Muito embora seja desejável que todo agente público seja movido por um espírito republicano e transformador, de total doação à coisa pública, esse não pode ser o centro do funcionamento das engrenagens de um regime constitucional voltado à concretização do interesse público. E isso, ao menos, por três principais razões.
Em primeiro plano, heróis são seres humanos e, portanto, são mortais. Em algum momento, por mais importante que o agente seja ao serviço público, ele terá que se aposentar ou se dedicar a outras questões. No entanto, os problemas carentes de solução sempre continuarão existindo, havendo heróis ou não. As instituições, por sua vez, são imaginadas com uma pretensão de permanência, que vai além de seus membros atuais. Essa lógica permite que as instituições possam traçar objetivos a longo prazo, com impacto continuado em uma determinada sociedade.
Em segundo plano, heróis, por mais valorosos que sejam, são indivíduos, com preferências pessoais e agendas próprias. O enfoque heroico, portanto, em um âmbito institucional, pode gerar controvérsias internas insanáveis que podem levar uma determinada instituição à anomia total. Dois heróis podem divergir sobre o que é mais heroico a se fazer. Vinte heróis, certamente, terão divergências sobre o que fazer. O enfoque institucional, em direção contrária, possibilita a construção de uma agenda coletiva, que leva os agentes públicos a atuar de forma coordenada e organizada. Traçado o objetivo, todos os membros da instituição devem empreender os melhores esforços para alcançá-lo.
Por fim, em terceiro e último plano, heróis podem ser corrompidos e abusar de seu poder. Por mais que se acredite que existem pessoas incorruptíveis, sempre haverá a possibilidade de um indivíduo ser corrompido. E o custo de corromper uma só pessoa é muito menor do que o custo de corromper toda uma instituição. Nesse caso, corrupção deve ser entendida não apenas como troca de favores ilícita, mas como o abandono da finalidade pública que deve orientar a atuação de todo e qualquer agente. Investir nas instituições, por consequência, é uma proteção fundamental contra toda e qualquer forma de corrupção.
A virtude individual não pode ser o segredo único do sucesso democrático: instituições precisam ser capazes de operar bem, mesmo quando compostas por agentes não heroicos. Nesse sentido, talvez, para o futuro, o que a democracia brasileira mais precise é o “herói” anônimo, dedicado a uma agenda coletiva que transcende suas preferências individuais e perspectivas particulares. Pensar em modelos, jurídico e políticos, que fortaleçam boas práticas institucionais e não acreditem, exclusivamente, na virtude dos indivíduos é uma saída para mitigar o cenário de insegurança em que vivemos e buscar mais solidez para que o futuro político seja mais estável.

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JOTA

Instituições precisam ser capazes de operar bem, mesmo quando compostas por agentes não heroicos

O direito constitucional dos heróis e a falência das instituições

Instituições precisam ser capazes de operar bem, mesmo quando compostas por agentes não heroicos