Edilson Vitorelli

No primeiro semestre de curso, uma das tarefas inglórias do professor de Direito é convencer o aluno de que o objeto de conhecimento que se lhe apresenta é uma ciência. Não é apenas um conjunto de leis, aleatoriamente aprovadas pelo grupo social dominante. Na minha época, a missão coube à "República do Café com Leite" da teoria do Direito: os ilustres e saudosos Professores Edgar de Godoy da Mata Machado e Miguel Reale Júnior. Quinze anos depois, ainda tenho dúvidas sobre o sucesso dos mestres mineiro e paulista em demonstrar que esse confuso ordenamento jurídico em que vivemos pode ser conhecido cientificamente.
Seja como for, os últimos anos acrescentaram ao Direito brasileiro uma nova função: tópico de conversação. Hoje, nas ruas, nos bares, nos telejornais, não transcorre um dia sem que o Direito ocupe espaço nas conversas e nas discussões das pessoas. Pessoas comuns, que antes discutiam apenas a melhor escalação da seleção brasileira, ou as últimas aventuras dos personagens da novela das oito, apresentam opiniões sobre a conduta dos ministros do Supremo Tribunal Federal, a manutenção da prisão deste ou daquele corrupto ou a atuação do Procurador-Geral da República. "Você viu a última decisão do juiz Sérgio Moro?" não é mais uma pergunta ouvida apenas nos corredores dos fóruns, mas em qualquer ambiente de pessoas minimamente informadas. Heróis-juristas foram construídos pelo imaginário das redes sociais, para serem idolatrados por muitos e criticados por outros tantos.
Esse movimento é positivo. Urge que o Direito deixe de ser um tópico afeito apenas a especialistas. É preciso que sua suposta autonomia científica não sirva de escudo para pessoas que querem se furtar da crítica pública pela imputação de ignorância à população, que é, afinal de contas, a destinatária das leis. Se os atos jurídicos se destinam aos cidadãos, é fundamental que possam ser compreendidos e criticados por eles.
Contudo, o problema grave, que veio junto com a popularização da conversa jurídica, foi o especialista de botequim. "Juristas de plantão” dão opiniões supostamente científicas, a toda hora, sobre processos que não leram, objetos científicos que não conhecem. Criticam duramente o trabalho de autoridades que estudaram uma causa durante meses, eventualmente anos, mas que são, na boca desses juristas, ignorantes e/ou mal-intencionadas. Só esse suposto jurista, que conhece seu objeto de crítica apenas pela imprensa, é o dono da verdade. E opina com a certeza de não ser incomodado, afinal, só muito raramente, quando uma pessoa que ele dizia ser “inextraditável” é extraditado, alguém se lembrará do quão pouco ele sabia daquilo que dizia. E ele ainda se defenderá dizendo que aquele era "seu entendimento" e que a decisão adotada por quem tinha conhecimento do processo é que está errada.
Não há problema em transformar o Direito em conversa de botequim, assim como não há problema em se criticar cientificamente uma decisão judicial. Errado é vender conversa de botequim como se fosse ciência. O jurista, se fala como cientista, deve fazer críticas e análises sobre processos que leu, sobre investigações que conhece a fundo ou sobre casos de que participa. Não sobre processos de que ouviu falar, investigações que conhece pela imprensa e casos que estão sob responsabilidade de pessoas que se submetem a controles prévios e concomitantes ao exercício de suas funções.
O jurista brasileiro precisa encontrar seu lugar. Ou fala como cientista, com conhecimento de seu objeto de análise, ou fala apenas como cidadão, sem se pretender mais autorizado que qualquer um a opinar sobre os acontecimentos do cotidiano jurídico nacional. Que a conversa de botequim ocupe seu devido lugar: a mesa, a boa cerveja e a companhia dos amigos. Mas que fique de fora da construção da ciência do Direito.

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JOTA

"Você viu a última decisão do juiz Sérgio Moro?" não é mais uma pergunta ouvida apenas nos corredores dos fóruns

O Direito como conversa de botequim

"Você viu a última decisão do juiz Sérgio Moro?" não é mais uma pergunta ouvida apenas nos corredores dos fóruns