Luciano de Souza Godoy

A sociedade brasileira e a comunidade jurídica se voltam aos temas constitucionais - impedimento da Presidente da República, crimes de responsabilidade, crimes comuns de autoridades, foro privilegiado, interceptação telefônica e ilegalidade de levantamento do segredo processual no processo crime. Nos últimos anos, este é um momento intenso quanto à discussão de enredo de processos judiciais, papel e legitimidade dos Magistrados, limite de atuação do Ministério Público e da Polícia Federal; ganha a democracia! Juízes, desembargadores e, especialmente Ministros dos Tribunais Superiores, passaram a frequentar o noticiário, fazendo parte da vida cotidiana dos brasileiro por suas decisões e declarações na imprensa.
De outro lado, continua a (dura!) vida privada, dos negócios das empresas, bancos e cidadãos; mesmo com a economia cambaleante, os casos judiciais de crédito e os litígios corporativos seguem.
Merece atenção a decisão recente do STJ sobre o direito de retenção do depositário judicial. Em 03 de março de 2016, a <a href="http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunicação/Not%C3%ADcias/Not%C3%ADcias/Depositário-judicial-pode-exercer-direito-de-retenção">3ª Turma do STJ deu provimento ao Recurso Especial n. 1.300.584/MT </a> para reconhecer o direito de retenção de um armazém, que foi nomeado como depositário judicial de sacas de grãos de soja, até o ressarcimento de todas as despesas decorrentes da armazenagem do produto.
Na ação de execução de título extrajudicial em que foi determinado o depósito judicial do produto, celebraram acordo credor e devedor; o Juiz determinou a retenção de metade da soja depositada no armazém, que figura como terceiro interveniente. Contra essa decisão, a exequente (uma das partes do acordo) apresentou recurso ao Tribunal de Justiça do Mato Grosso para ver liberada essa cota de soja que garantiria o pagamento das despesas do armazém; o Tribunal Estadual deu provimento e determinou a liberação integral das sacas de soja armazenadas, sob o argumento que os devedores assumiram a obrigação no acordo de pagar todas as custas do processo, nas quais se incluem as despesas do depósito.
O caso se resume a saber – as despesas do depositário judicial, um terceiro colaborador da Justiça, que guarda o bem em litígio, seriam custas judiciais? Ou, de outro lado, aplica-se o Código Civil e o valor é tratado como despesas contratuais, podendo se valer do direito de retenção (só retira o bem quando pagar as despesas) ?
O STJ considerou irrelevante saber a quem incumbia o pagamento de tais despesas. Caminhou pela aplicação do artigo 644 do Código Civil também aos depósitos judiciais, a despeito da localização deste dispositivo no Capítulo IX do código, que regula o “depósito voluntário”. Concluiu, assim, pela possibilidade de retenção de parte do produto agrícola pelo depositário judicial, enquanto exercício regular de um direito, afim de assegurar a sua remuneração e o ressarcimento das despesas referentes à armazenagem.
A possibilidade de exercício do direito de retenção pelo depositário judicial, reconhecida pelo STJ, envolve, principalmente, a análise da equiparação entre o depositário voluntário e o depositário judicial, que permite a aplicação do artigo 644 do Código Civil ao último.
O depósito está na categoria dos contratos reais, os quais se aperfeiçoam com a entrega do bem móvel ou imóvel, fungível ou infungível, ao depósito, vinculando o depositário à obrigação de restituição, com o ressarcimento das despesas do depósito.
O Tribunal de Justiça do Mato Grosso determinou a liberação da totalidade das sacas de soja depositadas no armazém, impedindo o exercício do direito de retenção. Utilizou, como principal argumento, a inclusão dos custos de guarda e conservação do produto depositado judicialmente entre as despesas processuais, cuja obrigação de pagar havia sido assumida pelos devedores através de acordo.
Mas não são despesas processuais; incluem-se como despesas decorrentes do contrato de depósito. O STJ reformou a decisão, com fundamento na equiparação entre o depósito judicial e o depósito voluntário, que permite o reconhecimento do direito de retenção, previsto no art. 644 do Código Civil, também ao depositário judicial.
O depósito judicial é uma espécie de depósito necessário - artigo 647, I, do Código Civil – e também regulado pelos artigos 148 a 150 do Código de Processo Civil de 1973, com dispositivo equivalentes no Código de Processo Civil de 2015 - artigos 159 a 161.
O próprio Código Civil permite a aplicação subsidiária, ao depósito necessário, das normas aplicáveis ao depósito voluntário, caso a lei específica seja omissa - artigo 648. Dessa forma, como o Código de Processo Civil se omite acerca do direito de retenção do depositário judicial, com razão reconheceu o STJ esta garantia ao armazém. A Corte, entretanto, não fez menção ao artigo 648.
Apenas a título de observação, em outras oportunidades, em que se discutia a inconstitucionalidade da prisão do depositário infiel, o STJ e o STF equipararam o depósito judicial ao voluntário, em que pese existência de divergência quanto à incompatibilidade da prisão do depositário judicial com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
Ainda, deve-se ressaltar que o enquadramento das despesas de guarda e conservação do objeto do depósito como despesas processuais – que, no caso objeto da decisão em exame, ficaram a cargo dos devedores - não pode inviabilizar o exercício do direito de retenção, posto que se trata de faculdade/garantia conferida pela lei ao credor/depositário para satisfação de seu crédito.
No caso recentemente julgado pelo STJ, o exercício do direito de retenção foi garantido com razoabilidade, pois é limitado a apenas metade dos produtos e, além disso, constatou-se que não foi prestada caução e que não foram adiantadas as verbas para cobrir as despesas decorrentes da armazenagem do produto agrícola.
A decisão do STJ reforça a garantia de pagamento das despesas de custeio do depositário judicial, instituto que deve ser privilegiado por ser colaborador da Justiça nas cobranças judiciais.

STJ_visto_do_TST_02

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JOTA

Despesas do depositário representam custas judiciais?

O depositário judicial e o direito de retenção

Despesas do depositário representam custas judiciais?