Em 10 de julho de 2018, Michel Temer sancionou a Lei 13.690 e criou o Ministério da Segurança Pública, retirando a temática da pasta da Justiça. Para compor a estrutura do novo órgão, Temer deslocou os Departamentos de Polícia Federal, de Polícia Rodoviária Federal, o Penitenciário, o Conselho Nacional de Segurança Pública, o Nacional de Política Criminal e Penitenciária e a Secretaria Nacional de Segurança Pública.
A medida era defendida desde 2016 por integrantes da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados e da Frente Parlamentar da Segurança Pública, ambos os coletivos integrados por parlamentares ligados às agências policiais, com interlocução expressiva nesse segmento, e à pauta do populismo penal. Não à toa, esses coletivos ficaram conhecidos como “bancada da bala”.
Restou ao Ministério da Justiça, pela lei de Temer, cuidar da política sobre drogas e comandar “até quatro secretarias”, tendo mantido a Funai, Consumidor e Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. A decisão de Temer apartou a política de segurança pública de qualquer relação orgânica com o sistema justiça, conferindo-lhe autêntica autonomia administrativa.
Com a eleição de Bolsonaro e a escolha de Sergio Moro para o Ministério da Justiça, o órgão voltou ao seu formato original. Sucedeu ao desligamento de Moro forte pressão da Frente Parlamentar da Segurança Pública para que o atual governo desmembrasse novamente a pasta, entregando sua condução a alguém que representasse as pautas repressivas e pouco aderentes ao Estado democrático de Direito.
Feito esse breve retrospecto, um dos temas que vem mobilizando debates no entorno do comando da vitoriosa campanha petista é justamente esse suposto dilema entre separar ou manter coesa a pasta da Justiça. Trata-se, na verdade, da opção política de conferir maior ou menor autonomia administrativa à gestão da segurança pública.
A concentração de tantas agências policiais em um ministério exclusivo pode encorajar políticas públicas com exagerado viés repressivo, sem conexão com demandas preventivas, descriminalizantes e desencarceradoras; também pode fortalecer politicamente grupos de interesse que, além de já desfrutarem de enorme espaço nos debates republicanos, são em grande medida responsáveis pelo caos legislativo que permeia a questão criminal no Brasil atual.
Importante refletir se essa autonomização vai gerar políticas públicas sobre a questão criminal (ou sobre a segurança pública propriamente dita) igualmente autonomizadas. As políticas sobre a questão criminal devem dialogar permanentemente com indicadores obtidos a partir da disfuncionalidade concreta do sistema de justiça. Claro que a proposição e execução de políticas públicas transversais não estarão impedidas pela divisão das pastas. Convém, inclusive, que se dedique notável esforço político na perspectiva de repensar a questão criminal com amplíssima transversalidade, incluindo tantas áreas quantas forem possíveis. O desafio, se a opção política for definida nesses termos, estará na formulação e implantação de políticas públicas visceralmente correlacionadas a partir de espaços de poder distintos.
Não sem razão, Louk Hulsman há décadas já defendia, dentre outras medidas, a necessidade de estudos orçamentários concomitante e previamente à propositura de novas leis penais, pontuando, com perplexidade, que o único setor da rotina administrativa que dispensava essa responsabilidade prévia seria o penal. Era uma crítica a essa autonomização exagerada, pelo vetor do orçamento. Sistema de justiça, pesquisa, orçamento, prevenção, repressão racional e segurança pública devem estar enlaçados na perspectiva de fazer prevalecer o Estado de Direito, em detrimento do Estado de polícia.
Não sem razão, Baratta há décadas já defendia um conceito – de “segurança dos direitos” – que fosse capaz de compreender as limitações inerentes às demandas típicas de “segurança pública”, por sua natureza antidemocráticas, irrefletidas e reducionistas, recorrentemente utilizadas para justificar a ampliação do controle social incidente sobre os consumidores falhos da nova economia, como nos lembra a prof. Vera Malaguti Batista.
O Ministério da Justiça preservado na sua essência original é um órgão político central para gestão eficiente dos temas ligados ao sistema de justiça. Sua competência deve abarcar o protagonismo na elaboração legislativa, sobretudo acerca da questão criminal, da política penitenciária e de drogas, do desencarceramento, das medidas de descriminalização e da gestão e controle das polícias.
A responsabilidade pela Justiça há de ser concentrada na pasta de quem cuida da “segurança” justamente para que nunca se perca de vista que a gestão da questão criminal deve perseguir obstinadamente a valorização dos direitos humanos e restabelecimento mínimo dos patamares de justiça. Assim, subordinar atividades típicas de repressão e contenção do poder punitivo à mesma pasta parece condição para a produção de políticas públicas mais garantistas do que repressoras e, por consequência, mais democráticas do que autoritárias.