Ricardo Andrade Magro

Gustavo O. De Sá e Benevides

No ano de 2017, o governo brasileiro parecia estar bem posicionado no cenário internacional ao criar um título a ser negociado que serviria como forma de aproximar o Brasil do <a href="https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/sirene/publicacoes/acordo-de-paris-e-ndc/arquivos/pdf/acordo_paris.pdf">cumprimento das metas assumidas pelo país</a> dois anos antes no Acordo de Paris, para controle da emissão de gases do efeito estufa pela cadeia do setor de combustíveis fósseis.
Tinha tudo para ser um grande impulso para um esforço moderno nesse sentido, sem esquecer da lógica geral de mercado. No entanto, o que vemos agora, cinco anos depois, é uma grande oportunidade desperdiçada por falhas graves na regulamentação do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/mercado-de-carbono">mercado de Créditos de Descarbonização (CBIOs)</a>.
O que temos hoje na prática é um desequilíbrio grave nesse balcão de trocas, no qual produtores e importadores de biocombustíveis (renováveis, portanto) emitem esses CBIOs, que devem ser adquiridos, de forma obrigatória, pelas importadoras e distribuidoras de combustíveis fósseis.
O cerne dessa falha é que as distribuidoras são obrigadas a comprar os CBIOs, mas as produtoras e importadoras de biocombustíveis não são obrigadas a emiti-los. Assim, esses títulos ficam sujeitos a variações bruscas de valor, a partir da maior escassez ou disponibilidade dos créditos – houve uma <a href="https://www.novacana.com/n/etanol/mercado/preco-cbios-supera-marca-r-200-segunda-quinzena-junho-040722">alta de quase 230%</a> no intervalo de apenas um ano.
Não há política de subsídio ou renúncia fiscal do governo que consiga dar conta dessa disparidade. Para efeito de comparação, a variação da inflação (IPCA) no período foi de 12,5%. Ou seja, o custo dos créditos foi 17 vezes superior à inflação – isso, claro, onera lá na ponta o consumidor no preço do combustível.
Uma das falhas estruturais mais importantes, no entanto, é percebida quando se compara práticas internacionais com o sistema adotado no Brasil. Nosso país é o único cujo modelo não prevê nenhuma alternativa para o cumprimento das metas individuais por parte das distribuidoras e importadoras de combustíveis fósseis. A única opção é a aquisição forçada dos CBIOs.
Nos Estados Unidos, foi criado um programa (Renewable Fuel Standard, RFS) no qual metas anuais e crescentes de percentual de mistura de combustíveis renováveis com os derivados de petróleo. Diante da alta do preço do petróleo, contudo, o <a href="https://www.moneytimes.com.br/eua-definem-mandato-de-biocombustiveis-para-2022-abaixo-do-proposto-2/">governo americano fez adaptações a essas metas</a>, de forma a atenuar o impacto das obrigações no preço final dos combustíveis nos postos.
A experiência específica da Califórnia deixa mais claro como é possível estabelecer um programa alinhado com as metas do Acordo de Paris, mas ao mesmo tempo com flexibilidade para os agentes de mercado envolvidos no cumprimento desses marcos. Lá, as emissões totais de refinarias e importadoras de combustíveis fósseis devem ser compensadas com créditos.
A diferença em relação ao Brasil, além de não envolver as distribuidoras como parte obrigada, é que esses créditos podem ser comprados ou, alternativamente, a compensação pode se dar por uma maior mistura dos biocombustíveis à gasolina e ao diesel. Ou seja, não há obrigação de compra dos créditos. Além disso, no modelo californiano, não apenas os produtores de biocombustíveis têm o poder de gerar créditos, mas também outros produtores de combustíveis limpos, como hidrogênio e eletricidade. Um cenário de muito mais opções, portanto, e que tem como consequência direta uma natural redução nos valores envolvidos em razão da maior competição.
Na União Europeia, o modelo adotado traz ainda outra perspectiva não contemplada no nosso modelo: o estímulo concreto para que haja maior produção de biocombustíveis, com a definição de metas de participação de fontes renováveis avançadas (ou seja, biocombustíveis produzidos a partir de fontes não-alimentares) no setor de transportes.
No Brasil, pelo contrário, prevaleceu a perspectiva punitivista. O cumprimento obrigatório das metas, independentemente do custo do CBIOs e da variação de seu custo no mercado decorrente do problema estrutural que estimula a escassez de créditos disponíveis, traz como punição a aplicação de multas que podem chegar a R$ 50 milhões. As distribuidoras ainda correm risco de terem suas atividades suspensas, como previsto no artigo 9º da Lei 13.576/2017, artigo 6º do Decreto nº 9.888/2018 e artigo 10 da Resolução ANP nº 791/2019.
Talvez ainda mais preocupante em termos ambientais, o modelo brasileiro se limita a estabelecer compensações para o volume de combustível fóssil já comercializado. É importante deixar sublinhado o setor de combustíveis deve (e dá sinais de que quer) fazer parte do esforço nacional e global de redução dos gases que provocam o efeito estufa. É uma agenda mais que urgente. Mas uma agenda com esse peso para o futuro da humanidade deve contar com uma regulamentação igualmente cuidadosa.
O que se vê no Brasil parece um sistema feito às pressas, uma resposta protocolar a um esforço que deveria ser prioridade zero, e que poderia ser muito aprimorado a partir de uma simples observação sobre sistemas adotados em outros países de alto consumo de combustíveis e que estão no centro dos esforços globais nesse mesmo sentido.<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a>

carbono

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JOTA

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