Hernani Zanin Junior

No ano de 2017, foi de mais de R$ 1.200.000,00 o custo imediato do Judiciário paulista com a mão de obra dos Desembargadores para dizer 800 vezes o que o STJ já disse em fevereiro de 2015 quanto à impossibilidade de novação da empresa em recuperação judicial se estender para os devedores solidários e demais garantidores. Foram cerca de 750 acórdãos e 50 decisões monocráticas. Não há no TJSP nenhum acórdão ou decisão monocrática que tenha julgado de forma diferente do que já foi firmado em 2/2/2015 pelo Recurso Repetitivo n. 1.333.349/SP, bem como em setembro de 2016 pela súmula 581 do STJ.
E essa conta é simples. Um desembargador do TJSP recebe em média 30 mil reais de remuneração pelo trabalho e, acrescido de férias, décimo terceiro, gratificações legais, chegaremos a um custo aproximado de aproximadamente 50 mil reais por mês para a população paulista ter um desembargador da Justiça estadual à sua disposição, valor esse que não representa nenhuma exorbitância, especialmente considerando a qualificação e o trabalho extenuante dos desembargadores.
Tomando esse número bastante enxuto como parâmetro, imaginemos que, ainda em uma estimativa bem conservadora e otimista, um desembargador gaste para julgar um recurso sem grandes complexidades cerca de 2 horas (já considerando aqui a leitura dos autos, redação ou revisão da minuta do voto, atendimento do advogado em gabinete, comparecimento na sessão de julgamento etc.). 
Isso significa que, fazendo o cálculo do custo por hora de trabalho, um desembargador para julgar um recurso sem grandes complexidades custaria à população o valor aproximado de R$ 1.000,00. Se considerarmos mais metade desse valor como o custo dos outros 2 desembargadores que terão que votar, teremos o valor de R$ 1.500,00 como custo do julgamento de um recurso sem grandes complexidades. Sim, R$ 1.500,00 como custo apenas e tão somente da “mão de obra” dos desembargadores.
<a name="_GoBack"></a> Isso sem calcular o custo dos juízes de primeiro grau que também tiveram que decidir essa questão e nem o custo dos assessores de gabinete, dos demais serventuários, dos funcionários terceirizados, das instalações físicas e afins, que não são nada baratos, especialmente considerando que, de acordo com a lei orçamentária para o ano de 2018 (Lei Estadual n. 16.646/2018), o custo do Judiciário será em 2018 de no mínimo R$ 11.666.448.408,00. Isso mesmo, mais de onze bilhões, seiscentos e sessenta e seis milhões de reais.
E esse custo bastante alto para julgar o que já foi decidido de forma repetitiva ou em repercussão geral e multiplica exponencialmente no âmbito nacional, com os 27 Tribunais de Justiça e (até mesmo o) Superior Tribunal de Justiça, que recebem diariamente muitos recursos aventando teses já superadas. É muito dinheiro obrigatoriamente utilizado para decidir exatamente os mesmos argumentos que já foram decididos com trânsito em julgado por tema repetitivo ou em repercussão geral.
O ponto é que o Brasil tem se tornado um país com respeito aos precedentes justamente para inibir não apenas essa cultura do litígio infundado que o Brasil, mas também os gastos públicos que essa cultura idiossincrática gera, almejando com o respeito aos precedentes se ganhar em segurança jurídica, estabilidade, agilidade das decisões judiciais e eficiência nos gastos públicos.
Ocorre que há uma contramaré da comunidade jurídica, que não tem se conformado com o conteúdo dos precedentes e continua litigando sobre temas absolutamente pacificados, como é o caso da impossibilidade de extensão dos efeitos da novação da Recuperação Judicial aos devedores solidários e garantidores.
Em análise de 20% dos recursos julgados pelo TJSP, nota-se que em nenhum deles foi levantando qualquer critério de distinguishing pelos advogados dos devedores, no sentido de tentarem demonstrar eventual ponto não julgado pelo recurso repetitivo do STJ. Não... A tese levantada nos casos é exatamente a mesma rechaçada pelo STJ em repetitivo no ano de 2015.
E nem se argumente que essa questão ainda teria alguma possibilidade de reviravolta no STJ em razão do REsp 1.532.943/MT, tendo em vista que nele ficou decidido que é lícita a exclusão das garantias fidejussórias ou reais prestadas pela recuperanda quando constante de plano de recuperação judicial aprovado pela maioria dos credores. Exatamente, nesse REsp ficou claríssimo, especialmente depois dos julgamentos dos embargos de declaração, que a liberação é da garantia pessoal ou real prestada pela recuperanda (e não por terceiros em favor da recuperanda). Segue abaixo o trecho do acórdão que julgou os aclaratórios para que não reste dúvida:
Anote-se, por oportuno, que o plano de recuperação judicial, como assentado, vincula, apenas, devedor e credores. De igual modo, as decisões prolatadas no bojo da ação de recuperação judicial produzem efeitos em relação às partes envolvidas, é dizer, a recuperanda e aos credores. Não há, assim, que se proceder a nenhum acréscimo na parte dispositiva da decisão embargada, remanescendo incólumes as garantias dos credores contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, com a possibilidade de ajuizamento ou o de prosseguimento das execuções e ações contra estes terceiros. 
Aliás, a despeito desse REsp 1.532.943/MT ainda estar pendente de julgamento de Embargos de Divergência, é certo que embargantes são apenas as instituições financeiras porque discordam que essa supressão das garantias prestadas pela recuperanda atinja os credores que tenham votado contra o plano de recuperação.
Ou seja, não há nos embargos de divergência pendentes de julgamento nada que possa beneficiar os terceiros devedores solidários e garantidores da recuperanda. Por isso, restou mantido de forma intacta o Recurso Repetitivo n. 1.333.349/SP e a súmula 581 do STJ, segundo os quais a aprovação da recuperação judicial não pode excluir nem a solidariedade e nem as garantias prestadas por terceiros. 
O fato de não ter sido acolhido pelo TJSP nenhum dos 800 casos julgados em 2017 revela sintoma grave de litigância aventureira e procrastinatória, que não vem sendo suficientemente desestimulada. Nem o Recurso Repetitivo de fevereiro de 2015 e nem a súmula 581 foram suficientes para dissuadir esse tipo de demanda por tese natimorta. 
Aliás, o tema da novação em recuperação judicial é um exemplo apenas. Dezenas de outros assuntos já resolvidos por recurso repetitivo ou repercussão geral continuam ainda diariamente sendo submetidos ao Judiciário, sem nenhum argumento fático ou jurídico que diferencie o caso particular do que já foi solucionado pelos tribunais superiores. 
O problema é que que o custo para julgamento desse tema e de todos os outros continuará existindo enquanto não houver a implementação pelo Judiciário de uma cultura de desestímulo. E a melhor maneira de coibir o ilícito é sancionando quem o pratica. O direito de ação não é um dogma e nem admite abuso. 
Evidente que se alguém tiver algum argumento jurídico ou fático que não tenha sido enfrentado pelo precedente obrigatório, sem dúvida que tem o direito de que o Judiciário se pronuncie sobre aquele argumento não enfrentado.
Contudo, se em nada se diferenciar, esse tipo peculiar de lide contra teses exaustivamente rechaçadas são aquelas subsumíveis à litigância de má-fé, seja por contrariar texto expresso de lei e precedente de observância obrigatória (art. 80, I, do CPC), seja por opor resistência injustificada ao prosseguimento do feito (art. 80, IV, do CPC), seja por interpor recurso manifestamente protelatório (art. 80, VII, do CPC). Também se considera esse tipo de lide como atentatória à dignidade da justiça, por apresentar se defesa ciente de que é destituída de fundamento jurídico (art. 77, II, do CPC); inútil à defesa do que se pretende (art. 77, III, do CPC); criar embaraços à efetividade das decisões judiciais (art. 77, IV, in fine, do CPC).
O fato é que não existe a cultura do desestímulo. Tanto não há qualquer movimento de desestímulo que em nenhum dos 800 casos julgados pelo TJSP houve intimação da parte para que ela esclarecesse no que aquele recurso se diferenciava da tese contrária já firmada pelo STJ em repetitivo, sob pena de, não havendo diferença fática ou jurídica que possibilitasse a diferenciação do caso particular ao tratado no precedente, ser apenada por litigância de má-fé ou ato atentatório à dignidade da justiça.
No caso específico da novação em recuperação judicial, os devedores solidários e garantidores continuam demandando querendo se beneficiar dessa novação operada em favor da recuperanda, tudo contra texto expresso de lei arts. 6º; 49, §1º; 52, III; 59; da Lei 11.101/2005, bem como contra tese firmada no Recurso Repetitivo n. 1.333.349 e súmula n. 581 do STJ. E continuarão demandando, enquanto não houver consequência. 
O que falta é a sanção. Essa é a forma pela qual se cria cultura no Brasil, de cima para baixo<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>. Enquanto Estado não começar a punir quem mal usa o Judiciário de forma tão onerosa e inútil, não logrará êxito em no futuro poupar os seus recursos tão exíguos e, menos ainda, conseguirá a cultura de obediência ao que já foi decido de forma repetitiva ou em repercussão geral. Só com a punição de quem age de forma inadequada é que poderá o Estado criar um ambiente de racionalidade dos gastos, eficiência de gestão, estabilidade jurídica e prestígio aos precedentes vinculantes.
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<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> Para usar aqui feliz constatação do historiador José Murilo de Carvalho, no seu estudo “Cidadania: tipos e percursos, disponível em: <a href="https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/163397/mod_resource/content/1/Cidadania%20-%20Tipos%20e%20Percursos.pdf">https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/163397/mod_resource/content/1/Cidadania%20-%20Tipos%20e%20Percursos.pdf</a>
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Golden Lady Justice, Bruges, Belgium

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JOTA

A recuperação judicial e o devedor solidário

O custo da litigância aventureira

A recuperação judicial e o devedor solidário