Marília Ferraz Teixeira

Há limites para a aplicação de uma súmula? É possível estender, por analogia, o entendimento de um órgão do Poder Judiciário para caso distinto julgado por colegiado administrativo? O enunciado da Súmula 554, do STJ, pode ser utilizado pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional?
Essas perguntas surgiram inevitavelmente quando o Conselhinho, em três oportunidades ao longo de duas sessões no segundo semestre de 2016, decidiu seguir o entendimento da Procuradoria da Fazenda Nacional de que o enunciado da súmula 554, do Superior Tribunal de Justiça, seria aplicável às instituições financeiras no âmbito do processo administrativo sancionador.
A súmula em questão, de caráter tributário, publicada em dezembro de 2015, confirmou a responsabilização de empresa sucessora quanto aos tributos devidos pela empresa sucedida e, ainda, pacificou a exigência de cobrança das multas moratórias e punitivas referentes a fatos geradores ocorridos até à data da sucessão.
De acordo com os seus fundamentos, a cobrança da sucessora se dará a fim de evitar a mora e o descumprimento da obrigação, bem como a evasão do pagamento com a alteração do tipo societário.
Ela ratifica, então, o disposto no artigo 132, do Código Tributário Nacional, que trata dos casos de incorporação de pessoa jurídica de direito privado de modo específico. Para ele, “a pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas”.
Vale ressaltar que o CTN prevê diversas hipóteses de atribuição de pagamento a terceiros, como no artigo 128, ao admitir a possibilidade de atribuir a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação. Ele concebe também a existência de responsabilidade solidária de terceiros que intervierem ou se omitirem nos atos que forem responsáveis, quando impossibilitada a exigência da obrigação principal pelo contribuinte (artigo 134, CTN).
Essas circunstâncias não existem no Direito Administrativo Sancionador, para o qual cada um deverá ser responsabilizado na exata medida de sua contribuição, comissiva ou omissiva, para a configuração do ilícito administrativo.
No campo tributário, a multa ocorre quando o contribuinte descumpre obrigação acessória, conforme dispõe o § 2º do artigo 113, do CTN.
Saber disso é importante para a análise, porque o posicionamento adotado pela maioria dos membros do Conselhinho serviu para condenar três cooperativas financeiras incorporadoras à pena de multa pelos atos praticados por instituições incorporadas antes da ocorrência do processo de incorporação e, em dois dos casos, antes que houvesse a autuação, pelo Banco Central do Brasil, das cooperativas em função da prática de irregularidades.
Significa dizer que a incorporadora foi condenada a pagar por irregularidade de que nem mesmo o Banco Central tinha conhecimento no momento exato da transação entre as duas sociedades.
E por que, afinal, a súmula 554, do STJ, não poderia ser aplicada como fundamento para os casos citados?
Porque a multa, como sanção no direito administrativo sancionador, tem funções distintas daquelas conferidas às multas tributárias, estando muito mais ligada às características penais do que fiscais. Ela decorre de ações ou omissões imputáveis pela não observação de normas relativas à Administração Pública e apenas pode existir caso verificada a ocorrência de conduta típica, antijurídica e culpável.
Assim, enquanto a súmula 554 justifica-se pela necessidade de evitar a mora e o descumprimento da obrigação, bem como a evasão do pagamento com a alteração do tipo societário, como citado anteriormente, a multa imposta aos administradores de instituições financeiras na segunda instância administrativa objetiva, precipuamente, retribuir o mal causado ao Sistema Financeiro Nacional.
Desse modo, é importante perceber que, para o §2º do artigo 926, do Código de Processo Civil, é mandatório que os tribunais se atenham às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram a criação da súmula. No mesmo sentido, o enunciado nº 166, do Fórum Permanente de Processualistas Civis, acrescenta que a aplicação dos enunciados das súmulas deve ser realizada a partir dos precedentes que os formaram e dos que os aplicaram posteriormente.
Se o precedente que deu origem à Súmula 554, do STJ, refere-se à matéria tributária, sendo nesses casos aplicada pelo tribunal, não há que se falar na imposição dela aos casos de Direito Administrativo Sancionador, já que a ampliação da hipótese de cabimento é inadmissível processualmente.
Depois, a súmula nada mais é do que a expressão do posicionamento de um colegiado a respeito de um assunto submetido a julgamento reiteradas vezes. O próprio Conselhinho pode, por força do disposto no Capítulo VI do seu Regimento Interno, editar súmulas. Para o CPC, ela é uma forma de uniformizar a jurisprudência dos tribunais e mantê-la estável, íntegra e coerente.
O que não significa que elas tenham que ser adotadas pelos demais órgãos julgadores. A imperiosidade cabe à súmula vinculante que, diferentemente da outra, deve cumprir a função que o adjetivo lhe atribui: a de sujeitar as instâncias inferiores ao entendimento do STF.
Nesse sentido, o artigo 927, do CPC, obriga os juízes e tribunais a observar súmulas, sejam elas vinculantes ou não, orientações do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados, decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade e os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos.
No entanto, não sujeita órgãos administrativos aos posicionamentos judiciais, visto que há independência entre as instâncias. De acordo com o Enunciado nº 170, do FPPC, as decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do artigo 927 são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a eles submetidos.
Se os colegiados administrativos não exercem jurisdição, não se encaixam no previsto pelo CPC ou pelo enunciado. Além do mais, ainda que não fosse esse o argumento, o Conselhinho é vinculado ao Ministério da Fazenda, o que o afastaria da obrigatoriedade de seguir as decisões e precedentes do artigo 927.
Rechaçar o emprego da súmula 554, do STJ, não traduz que, em hipótese alguma, a incorporadora será responsabilizada por ilícitos administrativos cometidos pela instituição financeira incorporada. Há casos em que o processo administrativo sancionador já se encontrava em curso quando da realização da operação entre as sociedades, por exemplo, e, nessa circunstância, a incorporadora teria ciência do suposto cometimento de atos irregulares pela gestão da incorporada, assumindo o risco de ter de pagar por eles no futuro.
O que não deve ser admitido é o emprego inadequado, sem a devida observância das normas e orientações processuais, que ceifa a discussão, de fato, relevante: quando e por que as instituições financeiras incorporadoras devem ser responsabilizadas por atos das incorporadas.

banco central do brasil

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JOTA

Texto confirma responsabilização empresa sucessora quanto aos tributos devidos

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