Thiago Gomes Anastácio

1.
Tenho queridos amigos desembargadores e alguns ministros conhecidos, tuteio os mestres da minha profissão e não estou escrevendo isso para aparecer e gerar que digam: “Veja aí o Thiago querendo parecer importante”. Não vejo muita diferença entre autoridades e garçons – embora os últimos me pareçam mais úteis.
Para mim importante mesmo é a Ruth Manus, advogada e professora da PUC. Dizem-na uma excelente profissional, mas ela vai ganhando fama por ser uma escritora que faz lembrar a Clarice. E isso não é pouca coisa. Devemos ter a mesma idade e mal sabe ela que há poucos dias salvou uma meia dúzia diante da fúria de alguém inexoravelmente calmo, que em momentos de estresse se torna cínico e calculista (abaixo explicarei o que aconteceu).
Não tivesse saído do Tribunal e dado de cara com seu livro exposto, e logo entrado no táxi com minhas colegas de trabalho não tivesse começado a ler seus dois primeiros textos (primorosos), eu teria voltado ao Tribunal e perdido a cabeça.
Ela é importante porque salvou vidas? Não, claro que não. Ela é importante porque se tocou que o mundo vai ser salvo pela leveza das palavras e por textos simples sobre o amor.
Ruth, na boa: parabéns.
2.
Caso de roubo. Só essa informação já vale aos criminalistas a certeza sobre o tratamento despendido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo ao caso (descaso?). Ideologias e decisões são sempre aceitáveis, mesmo as mais reacionárias. Por que aceitáveis? Contra elas, recorre-se. É o nosso dia a dia embora seja esse o grande problema dos abarrotamentos nos Tribunais Superiores.
Obviamente o Tribunal de São Paulo é como querem alguns nominar, conservador. Eu diria que ele é, em verdade, desobediente às posições da Corte Suprema e da Constituição da República. Julgam-se os crimes, não os casos criminais. Se o caso é de roubo, não há presunção de inocência. Casos de tráfico também não. Os mais graves como homicídios e sequestros, nem se diga.
Se o réu é inocente, azar. Ficou preso por cautela. Sim, é a subversão da cautela constitucional. O cuidado não é mais para proteger o inocente, mas proteger a todos de um possível culpado.
No dia em que li o livro, aconteceu comigo. Uma empresária abastada me procurou. O filho de uma funcionária, cursando a faculdade de jornalismo, foi preso acusado de roubo. Semana das boas. Sustentação oral de Operação da PF em Porto Alegre em caso de lavagem de dinheiro e evasão, madrugada com uma menina acusada de embriaguez que “bateu” o carro na blitz (parece piada, mas não é) e para fechar, roubo e TJSP.
Tudo em controle até aparecer, no meio do julgamento, uma mentira descarada. Contra ela... Que recurso?
3.
Quatorze (14) dias depois do fato criminoso a Polícia embosca o acusado. Leva-o a força à Delegacia, pratica o interrogatório, chama a vítima para reconhecê-lo e quando o reconhecimento é positivo, requer-se mandado de prisão temporária à Justiça.
O juiz não se apercebe do erro. A Constituição é abstrata, está suspensa no ar, como a casa no Beco de Manuel Bandeira (a expressão é de Buarque – vide “A casa do Oscar”).
Ou seja: o acusado é preso ilegalmente (sem mandado de prisão e sem estado de flagrância), os elementos colhidos são abominavelmente nulos, mas mesmo assim são base para se prender temporariamente e depois, preventivamente.
Pressupostos contaminados: indícios de autoria angariados em quase estado de sequestro. Prova, portanto, ilegal.
Alegação do Habeas: ato de prisão ilegal, contaminação das decisões ulteriores, ausência de elementos sobre a autoria válidos.
Era sabido que o Tribunal não enfrentaria essas questões e se ateria, pois calar é mais inteligente, apenas à análise do fato criminoso – claro, com o cuidado de afirmar se “tratar apenas de uma análise preliminar”. É a desculpa de sempre.
Como vocês perceberam a alma da questão é: o acusado foi levado à força para a Delegacia, para sofrer atos de produção de indícios.
Isso é correto sob a luz da Constituição?
Evidente que não.
Aos que sonham em morar em Miami: se isso acontecesse lá o juiz estaria suspenso, o policial de férias forçadas (sem vencimentos, como dizem nos filmes)...
Sustentação oral feita, com a palavra o procurador de Justiça.
O que se imaginou? Que falaria do crime de roubo, da sociedade pacífica e ordeira, da moral e dos bons costumes etc. Ou seja, mais do mesmo que funciona no Tribunal de São Paulo e como elementos de cativo nos linchamentos populares.
Mas não. Pior que não.
O procurador de Justiça assoma a tribuna e afirma, letra por letra, que as alegações da defesa não poderiam prosperar, pois, O ACUSADO COMPARECEU ESPONTANEAMENTE À DELEGACIA.
Susto! Susto que não nasce por força de posições adversas ou interpretações medievais do direito constitucional contemporâneo, mas susto por ser MENTIRA.
E diga-se: não mentira concluída pela análise interpretativa, mas mentira porque o relatório policial afirmou o contrário, que o acusado foi preso ardilosamente e levado sem estado de flagrância (afinal, eram passados 14 dias) e sem ordem prisional judicial.
Pela ordem Senhor Presidente! Levantou-se esse escriba. Aqui não se admitem apartes Doutor Anastácio. Senhor Presidente, não é um aparte, mas uma questão de ordem afeita aos fatos! Sem apartes Doutor.
E o Ministério Público, por aquele procurador, continua a lançar mentiras que influenciam o espírito de quem já não é muito espirituoso. Faço o descalabro constar da ata.
E atônito, saio. Os advogados se aglomeram e me parabenizam. Não ouço ninguém.
O processo será anulado. Cedo ou tarde. Mais uns seis recursos para os gabinetes de Brasília. Sou chicaneiro? Ou estou reclamando garantias constitucionais?
Interpretem-me. No Brasil todos fazem interpretações de acordo com seus interesses. E agora, para meu susto, até mentir é possível.
Se não fosse a Ruth, eu deixaria de acreditar na Justiça.
E, assim, virei a página do dia, com o livro dela na mão.

alckmin tj

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JOTA

Quando meu dia foi salvo por um livro da Ruth Manus

Uma escritora, uma mentira e uma verdade sobre o TJSP

Quando meu dia foi salvo por um livro da Ruth Manus