Adriano Silvério

Isabel Cristina Maluf

O Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n° 13.105/15 (“CPC”), está em vigor há mais de um ano e vem mudando a feição do contencioso judicial, trazendo-o auspícios mais democráticos e republicanos. Isto fica evidente, por exemplo, na imposição de que o mérito deve ser decidido em prazo razoável (artigo 4º), na necessidade de o juiz sempre ouvir a parte contrária antes de proferir uma decisão (artigos 7º, 9º e 10º), no dever de decidir sobre todos os argumentos deduzidos no processo (artigo 489, § 1º, inciso IV), etc.
Em seu Capítulo II, o CPC prevê a aplicação de suas normas ao processo administrativo de forma supletiva e subsidiária<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, o que leva à conclusão inequívoca de que se estende aos processos administrativos quando seu regramento não contemplar a norma especial que os regulamente ou quando complemente dispositivo legal já existente.
É inegável, portanto, que os julgadores administrativos deverão aplicar o CPC, tal como determinado, de modo a emprestar ao processo administrativo fiscal (“PAF”) maior transparência, dialeticidade, eficiência, de modo a concretizar ao máximo os princípios insculpidos no artigo 37<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> da Constituição Federal. E o presente artigo busca trazer situações práticas em que a aplicação, supletiva e subsidiária, da novel legislação processual poderá trazer benesses ao PAF e, consequentemente, à administração e aos administrados.
O Decreto n° 70.235/72, que regulamenta o processo administrativo fiscal federal, em que pese tenha sido atualizado ao longo dos anos, nem de perto e por razões óbvias abarca as garantias e os valores trazidos pelo CPC.
Importante mencionar, inicialmente, que o artigo 10<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> do CPC o qual versa sobre o contraditório efetivo, impede que o juiz decida determinada questão, ainda que possa conhecer de ofício, sobre a qual as partes não tenham tido a oportunidade de se manifestar.
Existem situações, no curso do processo administrativo fiscal federal, em que há prolação de decisão sem a observância temporal do contraditório efetivo. Em outras palavras, a decisão é lavrada sem a devida manifestação prévia de todas as partes envolvidas no processo, a qual ocorrerá em momento posterior.
Veja-se, a título exemplificativo, o rito dos embargos de declaração no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”). Após a prolação do acórdão, a União é intimada antes do contribuinte e poderá, com fulcro no artigo 65 do Regimento Interno do CARF (“RICARF”), opor embargos declaração. Ao receber os embargos e com fundamento no artigo 10 do CPC deveria o órgão julgador, antes mesmo da pronúncia sobre a sua admissibilidade (artigo 65, §2º do RICARF), intimar o contribuinte, tanto do acórdão prolatado, quanto dos embargos opostos para (i) interpor o recurso cabível, se for o caso e (ii) manifestar-se sobre os esclarecimentos da União.
Nesse cenário haveria o contraditório efetivo antes mesmo (i) da decisão que admite ou não os embargos; e (ii) no caso da admissão dos embargos, do acórdão que o acolheu ou o rejeitou. Ocorre que, na prática, seguindo o exemplo paradigma o contribuinte é intimado, no mesmo ato, (i) do acórdão, (ii) dos embargos opostos pela União e, no caso de admissão dos referidos embargos, (iii) do acórdão que os proveu ou rejeitou e, não raras vezes, (iv) de eventual recurso especial interposto pela União para, nesse momento, opor ou não embargos de declaração, eventual recurso especial e contrarrazões ao recurso especial da União.
A figura do domicílio tributário eletrônico no âmbito do e-CAC, atualmente existente e cada vez mais utilizada pelos contribuintes, favorece uma intimação célere, e pode, com a devida regulamentação, evitar a remessa do PAF para que somente a Delegacia de jurisdição do contribuinte efetue a sua intimação. Há ferramental tecnológico, portanto, para se por em prática o contraditório prévio requerido pelo CPC.
Outra modernização do CPC é o artigo 489, § 1º e incisos, os quais impõem ao julgador regras proibitivas de conduta que conduzem à ausência de fundamentação adequada da decisão prolatada. Uma evolução relevantíssima no âmbito do Codex foi a inserção da obrigatoriedade da decisão ter de enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo.
Não basta, atualmente, citar determinado posicionamento doutrinário, jurisprudencial ou sumular sem justificar o motivo pelo qual se inserem ao caso analisado, o que pode contribuir para um PAF muito mais claro e aberto para as partes, bem como faz com que os julgadores administrativos exarem decisões cada vez mais técnicas e precisas.
Ademais, se tais regras forem observadas no âmbito do PAF poderão evitar a anulação das decisões administrativas. Frequentemente verificam-se nos julgados do CARF a declaração de nulidade de decisões de primeira instância administrativa, as quais não se debruçaram, na totalidade, sobre as provas e argumentos trazidos pelo contribuinte. Reflexo disso é o retorno dos autos à instância de origem e a necessidade da prolação de nova decisão, obrigando-se a efetuar novas intimações e abrir prazo para os recursos cabíveis e nova apreciação pelo CARF, o que torna o PAF moroso e ineficiente na busca pela solução do litígio em tempo razoável.
Em paralelo ao regramento acima, deveria ser aplicado o CPC para que a figura dos embargos de declaração fosse admitida face às decisões de primeira instância administrativa<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, por meio dos quais, fisco e contribuinte, poderiam suscitar a obscuridade, contrariedade ou omissão, sendo proferida nova decisão, evitando ao máximo o “vai e volta CARF-DRJ”, permitindo a interposição de recurso cabível (voluntário ou de ofício) em face de uma decisão integralmente fundamentada.
A aplicação do CPC, portanto, evitaria maiores delongas no processo administrativo, o tornaria mais participativo e traria maior segurança para as decisões, evitando um contencioso administrativo desnecessário, e respeitando o princípio da eficiência da administração.
O novo regramento processual pátrio veio com a ideia de se estabelecer um processo muito mais democrático, republicano e célere, pilares estes que devem ser aproveitados ao PAF, conforme ditames do artigo 15 do CPC, de modo que a decisão final administrativa seja construída com o mais alto grau de legitimidade, evitando que em momento posterior o Poder Judiciário, se provocado pelo contribuinte em homenagem ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º XXXV, da CF/88), seja instigado a decidir sobre nulidades ou inobservâncias processuais do PAF, o que certamente conduziria seu retorno ao âmbito da administração, colocando em xeque a solução definitiva do litígio.
&nbsp;
-----------------------------------
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> “Art. 15.  Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.”
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> “Art. 10.  O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.”
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Previstos no âmbito do CARF contra as decisões de mérito (artigos 65 e 66 do RICARF)

Law concept

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Aplicação do CPC evitaria maiores delongas no processo administrativo

O CPC/15 e o processo administrativo fiscal federal

Aplicação do CPC evitaria maiores delongas no processo administrativo