Igor Pereira Oliveira

As <a href="https://www.jota.info/eleicoes">eleições presidenciais de 2022</a> se aproximam e a pauta dos possíveis candidatos sobre privatizações e concessões, prestação de um serviço público pelo setor privado, tem sido evidenciada regularmente na imprensa.
A propósito, em 2019 o Tribunal de Contas da União (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">TCU</a>) já havia registrado o “tamanho desafio” para o controle externo federal decorrente de um “movimento de privatização nunca visto no Brasil”<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a>.
A sistemática das fiscalizações das desestatizações está contida na Instrução Normativa (IN) TCU 81/2018<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a>, que instituiu o fim dos múltiplos estágios de acompanhamento, priorizando relevância, materialidade e oportunidade, ressaltando a perspectiva de risco e racionalizando todo o processo de auditoria em relação aos prazos de análise.
Embora na maioria dos casos a Corte de Contas considere atendidos os aspectos de tempestividade, completude e suficiência técnica dos elementos apresentados, excepcionalmente determina que não seja dado prosseguimento ao processo de desestatização, como ocorreu, por exemplo, no caso do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), em que não foram tratados devidamente riscos previamente identificados<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>:
<blockquote class="jota-article__citation">"Lembro que os aspectos examinados neste voto representam riscos que já haviam sido identificados no estudo que antecedeu a recomendação pela dissolução da empresa. Entretanto, seus impactos não foram devidamente quantificados à época da realização de tais estudos, para que se pudessem confrontar os benefícios com os verdadeiros custos da opção pela liquidação da empresa. O que se constata, neste estágio atual, são medidas extemporâneas para equacionar e para mitigar riscos cujos impactos não foram avaliados em momento oportuno, ou seja, antes de se optar pela dissolução da Ceitec". (grifos acrescidos)</blockquote>
Uma questão que pode prejudicar o exercício das competências do tribunal é o envio de informações desatualizadas, pendentes de decisões definitivas ou em versões diferentes daquelas disponibilizadas nos canais oficiais, como ocorreu, por exemplo, nas desestatizações avaliadas pelos Acórdãos 1.792/2019 e 352/2020, ambos do plenário e da área de infraestrutura portuária.
Diante disso, o TCU tem buscado minimizar ainda mais a probabilidade de uma decisão (atualmente excepcional) para o não prosseguimento ao processo de desestatização, valendo destacar 1) o levantamento relacionado à prorrogação antecipada da concessão da Malha Sudeste e à cessão da Ferrovia Interna do Porto de Santos (Acórdão 2.276/2021-Plenário) e 2) a realização de trabalhos transversais de caráter mais geral sobre os editais de leilões de transmissão de energia elétrica (Acórdão 2.637/2019-Plenário).
Dada a iminência de eventos de alta relevância na logística de todo o complexo portuário santista, o primeiro trabalho buscou identificar previamente ações de controle para mitigar possíveis deficiências e fragilidades. O segundo realizou análise de riscos e elaboração de questões e procedimentos de fiscalização que têm o condão de contribuir com futuros acompanhamentos de concessões de linhas de transmissão.
Além disso, a jurisprudência da Corte de Contas tem destacado sua atuação pela observância dos limites da discricionariedade dos entes reguladores, buscando atuar apenas quando houver descumprimento de normas, como foi ponderado no voto do Acórdão 4.037/2020-Plenário<a href="#_edn4" name="_ednref4">[4]</a>:
<blockquote class="jota-article__citation">"Tais medidas devem ser propostas com parcimônia, sob pena de, substituindo-se ao regulador, adentrar-se em atos praticados no exercício das competências discricionárias daqueles entes. Cumpre lembrar que uma das características fundamentais das agências é exatamente a liberdade para fazer escolhas lícitas, com as quais o TCU pode ou não concordar, mas deve sempre respeitar. (...) 
Assim sendo, no âmbito do controle objetivo, esta Corte deve pautar sua atuação pela observância dos limites da discricionariedade dos entes reguladores, devendo atuar apenas quando houver descumprimento de normas, abstendo-se, por outro lado, de sugerir alterações quando se tratar de escolhas lícitas". (grifos acrescidos)</blockquote>
Dessa perspectiva, as análises referentes aos trechos das rodovias federais BR-153/TO/GO e BR-080/414/GO, Acórdão 4.036/2020-Plenário, resultaram em determinação à ANTT para que fiscalizasse diretamente o cumprimento dos contratos de rodovias federais concedidas e/ou contratasse os serviços que considerar necessários para apoiá-la no exercício de atividades de sua competência legal, com o objetivo de evitar a contratação de relator independente<a href="#_edn5" name="_ednref5">[5]</a>.
Contudo, ao avaliar a previsão de contratação de organismo de avaliação de conformidade (OAC), figura similar ao relator independente, o TCU aprimorou sua jurisprudência com base nas seguintes ponderações<a href="#_edn6" name="_ednref6">[6]</a>:
<blockquote class="jota-article__citation">Sem dúvida, esta é a matéria mais sensível e complexa deste processo de acompanhamento, porquanto trata de questão cuja solução parece de intensa dificuldade.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">Se, por um lado, o sucesso das concessões rodoviárias depende da efetiva fiscalização, pela ANTT, do cumprimento das obrigações contratuais por parte das concessionárias, haja vista os exemplos desastrosos do passado, por outro lado, é sabido que a agência não detém e, como ela mesma afirma, não tem previsão de obter recursos humanos e orçamentários para exercer, diretamente ou mediante a contratação de terceiros, tal importante mister, sem falar nas situações relativamente recentes, em que as agências reguladoras eram entregues, no seu todo, a partidos políticos, que lhes indicavam, sem critérios técnicos, todos os dirigentes, como componente de barganhas políticas.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">"(...) determino à ANTT que estabeleça mecanismos para redução dos conflitos de interesse nas contratações dos OAC, (...) deixando assente que os documentos e pareceres elaborados por esses organismos de avaliação, para serem utilizados nas tomadas de decisão acerca do cumprimento das obrigações da concessionária, devem ser validados pelo órgão técnico do poder concedente, que não está vinculado às conclusões do OAC e responde solidariamente por eventuais irregularidades (...)".</blockquote>
Portanto, em um contexto de modificação da forma de atuação do governo Federal, aumentando, ano a ano, a quantidade de desestatizações – um reposicionamento na forma de prover a infraestrutura nacional –, o controle externo federal brasileiro tem buscado racionalizar os processos de auditoria, observar os limites da discricionariedade dos entes reguladores e fomentar o estabelecimento tempestivo de “mecanismos de incentivos que mais favoreçam a regular execução dos serviços em prol do usuário”<a href="#_edn7" name="_ednref7">[7]</a>.
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Eventuais opiniões são pessoais e não expressam posicionamento institucional do TCU.
<hr />
<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1]</a> Disponível na Ata TCU nº 38, de 2/10/2019.
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[2]</a> Ver <a href="https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/atuacao-do-tcu-em-desestatizacoes-e-regulacao-de-servicos-publicos-e-tema-de-debate.htm">https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/atuacao-do-tcu-em-desestatizacoes-e-regulacao-de-servicos-publicos-e-tema-de-debate.htm</a>
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[3]</a> Fundamentos da decisão podem ser encontrados no voto do Acórdão TCU 2.061/2021-Plenário. Item 9.1. do referido Acórdão: “determinar ao Ministério da Economia que se abstenha de dar prosseguimento ao processo de desestatização do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S.A. – Ceitec (...) até nova deliberação deste Tribunal”.
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[4]</a> Referente a processo de desestatização para acompanhar a concessão das rodovias BR-163/MT/PA e BR-230/PA. Outro exemplo com raciocínio similar pode ser encontrado no voto do Acórdão TCU 2.609/2021-Plenário.
<a href="#_ednref5" name="_edn5">[5]</a> pessoa jurídica contratada e remunerada pela Concessionária para atuar como avaliador independente com a finalidade de aferir o cumprimento do Contrato, cuja prestação de serviço se dá perante a ANTT
<a href="#_ednref6" name="_edn6">[6]</a> Ponderações do Voto do Acórdão 1.766/2021-Plenário, subseção “II.4 - Contratação de Organismo de Avaliação de Conformidade (OAC)”
<a href="#_ednref7" name="_edn7">[7]</a> Mais detalhes no Acórdão TCU 1.382/2018-Plenário, que contém os fundamentos para a confecção da IN TCU 81/2018.

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JOTA

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