Rubens Quaresma Santos

Thiago Luís Eiras da Silveira

Os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança são considerados elementos constitutivos do Estado de Direito. Nas clássicas palavras de Canotilho<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, o homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Partindo dessa premissa, como se falar em segurança jurídica em um ambiente tributário cercado de litigiosidade e instabilidade normativa como no caso do Brasil?
De fato, um sistema tributário que se torna disfuncional e litigioso, afastando-se de uma distribuição justa e equitativa dos encargos fiscais, enfraquece os laços de solidariedade social e afeta substancialmente, a implementação de valores, objetivos e direitos.
Com um sistema ineficiente, complexo, e instável, as relações tributárias no Brasil são um terreno fértil para a instauração de disputas administrativas e judicias. Pode-se apontar como fatores decisivos para esse cenário, a complexidade do sistema tributário, a ineficiência da administração tributária na constituição dos créditos, e a duração do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/contencioso-tributario">contencioso tributário</a>, seja no âmbito administrativo ou no Poder Judiciário.
Na esfera administrativa, a possibilidade de procrastinação e debates excessivos estimulam a longa duração dos litígios sem que o encerramento desta fase efetivamente ponha fim ao debate. Por outro lado, na esfera judicial, a excessiva dispersão da jurisprudência nacional fomenta a intranquilidade social e o crescente descrédito popular em relação à prestação jurisdicional. Trata-se de um panorama com colapso iminente que requer uma convergência de esforços entre os agentes envolvidos, visando melhorar o contencioso tributário nacional com a modernização do processo tributário e a utilização de mecanismos administrativos que viabilizem a resolução das controvérsias.
Assim como em outras frentes, o órgão de representação judicial da Fazenda Nacional (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pgfn">PGFN</a>) se mostra na vanguarda, promovendo uma reestruturação interna para a utilização de mecanismos que simplifiquem e reduzam os pontos de litígio, favorecendo a construção de um ambiente de compliance cooperativo entre a administração e o contribuinte. Notadamente, merecem destaque a regulamentação e utilização de institutos como o “negócio jurídico processual – NJP”, a “transação na cobrança tributária”, e “transação no contencioso tributário”.
O NJP, medida que possibilita às partes convencionar determinados pontos da marcha processual, traz uma especificidade ao rito, acelerando por vezes a solução da lide sem que as partes disponham efetivamente acerca do mérito controvertido. Valendo-se do art. 190 do CPC/15, e das Portarias PGFN 360 e 742, ambas de 2018, a Procuradoria tem buscado a otimização do procedimento a que o processo judicial estaria regularmente submetido, proporcionando um ganho de eficiência e objetividade no trâmite processual.
Diferentemente do escopo procedimental do NJP, o instituto da transação tributária tem por finalidade botar um ponto final ao litígio instaurado. Através de composições recíprocas, as partes dispõem sobre o próprio mérito da controvérsia acelerando o término da relação litigiosa. No âmbito federal, a regulamentação trazida pela Lei 13.988/2020, com as alterações introduzidas pelas Leis 14.375/2022 e 14.689/2023, trouxe consequências salutares no plano judicial e administrativo, se mostrando como importante mecanismo para a redução da litigiosidade.
As recentes alterações legislativas que viabilizaram a utilização do instituto da transação na seara tributária tiveram como ponto de partida a percepção sobre a insuficiência do sistema judicial para a resolução dos conflitos tributários. A necessidade de se buscar mecanismos que facilitem a resolução de disputas tributárias, levou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a editar diversos atos normativos instituindo um novo modelo de cobrança do crédito tributário federal, não apenas voltado a tornar a cobrança de créditos tributários mais eficiente, mas, também, aderindo à tendência mundial de fomento ao diálogo entre a administração tributária e os contribuintes.
No âmbito da cobrança dos créditos tributários, o manejo do instituto da transação se notabiliza pela aferição da capacidade de pagamento do contribuinte (Capag), como elemento norteador da extensão das concessões a serem apresentadas caso a caso. O principal motivador da celebração dessa modalidade de transação é a possibilidade de aumento de arrecadação com o ingresso de valores de difícil recuperabilidade pelos meios exacionais típicos.
Aqui não se está diante de uma remissão ou privilegio a inadimplentes, o que se busca é a possibilidade e se chegar à conformidade fiscal para contribuintes que se apresentam em uma situação individual de crise econômico-financeira, em respeito à capacidade contributiva, prevista no art. 145, §1º, da Constituição Federal.
Já na modalidade da transação no contencioso tributário, também denominada de transação antiexacional, não se tem a inadimplência como o objeto principal, mas sim a irresignação do contribuinte com a exigibilidade do crédito tributário. Ou seja, neste caso, a transação tem o escopo dirimir controvérsias acerca da exigibilidade da incidência tributária, e não sobre o inadimplemento do crédito tributário. Nesta hipótese, a transação produz o efeito sobre a relação jurídico-tributária, individualizando a norma a ser seguida pelos sujeitos envolvidos, e um segundo efeito de cunho processual que tem o condão de afastar o estado conflituoso da relação jurídica original.
A apesar da contribuição para melhoria do ambiente tributário, evidente que a utilização isolada dos mecanismos citados não proporcionará, por si só, um ajuste no cenário do contencioso tributário no Brasil. A concretização de uma reforma pautada pela prevenção de conflitos e a disseminação de métodos alternativos de solução de litígios tributários deve ser prioridade para melhoria do ambiente fiscal.
A comunidade jurídica segue atenta às proposições legislativas que visam atualizar, uniformizar, e dar mais coesão ao processo administrativo e ao processo judicial tributário. Neste ponto, ganham destaque o projeto de lei que reforma a Lei de Processo Administrativo (PL 2481/2022); o PL 2483/2022, que trata do processo tributário federal; o PL 2484/2022, que dispõe sobre o processo de consulta quanto à aplicação da legislação tributária e aduaneira federal; o PL 2485/2022, que trata da mediação tributária da União; e, por fim, o PL 2486/2022, que dispõe sobre a arbitragem em matéria tributária e aduaneira.
Espera-se que as mudanças proporcionem uma integridade ao sistema tributário brasileiro, disponibilizando aos contribuintes meios modernos e eficazes para o cumprimento de suas obrigações de forma justa e célere, e viabilize à administração tributária agir eficientemente como um agente fiduciário da comunidade fiscal.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO. Direito constitucional e teoria da constituição. Almedina: Coimbra, 2000, p. 256.
AGÊNCIA SENADO. Projetos de atualização do processo administrativo e tributário já têm relatórios. Senado Notícias, Brasília, 15 maio 2024. Disponível em: &lt;https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/05/15/projetos-de-atualizacao-do-processo-administrativo-e-tributario-ja-tem-relatorios&gt;. Acesso em: 11 jul. 2024.
ALMEIDA, Carlos Otavio Ferreira de. Notas sobre litigiosidade tributária e compliance cooperativo no brasil. RDTA 40. São Paulo: IBDT.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra, Edições Almedina. 2000
CONRADO, Paulo Cesar. Negócio jurídico processual em matéria tributária e as Portarias PGFN 33/2018 (art. 38) e 360/2018 (alterada pela 515/2018). In: Juliana Furtado Costa Araujo, Paulo Cesar Conrado (Coord.). Inovações na cobrança do crédito tributário. 2ª ed. São Paulo: RT Thomson Reuters. 2021.
ARAUJO, Juliana Furtado Costa. Negócio jurídico processual e transação tributária como instrumentos de conformidade fiscal. In: Paulo Cesar Conrado e Juliana Furtado Costa Araujo (Coord). Transação Tributária na prática da Lei n° 13.988/2020. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2022.
OLIVEIRA, Phelippe Toledo Pires de Oliveira. A transação em matéria tributária. Série Doutrina tributária Vol. XVIII. São Paulo: Quartier Latin, 2015.
PINHO, Mariana Correa de Andrade. Capacidade de pagamento como expressão do princípio da igualdade na transação tributária. In: Juliana Furtado Costa Araujo, Paulo Cesar Conrado (Coord.). Transação tributária na prática da lei nº 13.988/2020. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022.

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