Vivian Rocha

José Augusto Fontoura Costa

Naquele ano, o governo Collor fez o confisco das poupanças e as duas Alemanhas se unificaram. No cinema Ghost, Esqueceram de Mim e Uma Linda Mulher fizeram as maiores bilheterias, ao mesmo tempo em que Banda Mel e Kaoma ressoavam nos autofalantes dos Apolos, Monzas e Veronas do ano.
Trata-se de 1990, quando o Brasil promulgou o Código de Defesa do Consumidor (CDC). A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), até então apenas um clube de países ricos, levaria mais quatro anos para iniciar sua abertura a países em desenvolvimento, ao aceitar a adesão do México, mais de 20 anos depois da Nova Zelândia, admitida em 1973.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Muita coisa mudou nos pouco mais de 30 anos que nos separam desse ano, em que a telefonia celular estreou no Rio de Janeiro, mas ainda não havia internet no Brasil. A revolução das tecnologias de informação e a redução dos custos de transporte viriam a impactar profundamente nas relações de consumo, sobretudo à medida em que o comércio eletrônico crescia e tornava cada vez mais normais as operações em escala nacional e internacional.
O CDC não passou imune às três últimas décadas. Há três principais aspectos que apontam para as fragilidades que surgiram:
1) a fragmentação em inúmeras Fundações de Proteção e Defesa do Consumidor (Procons) estaduais e municipais e com pouca participação de órgãos nacionais, como o Comissão Nacional Permanente de Defesa do Consumidor (CNDC) e a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), gerou diferenças de tratamento e sobreposição de competências, de modo a semear insegurança jurídica;
2) a relativa fragilidade estrutural e a fragmentação do sistema dificultam a integração com órgãos de outros países para favorecer a proteção do consumidor transfronteiriço; e
3) a concentração na atribuição de direitos judicialmente exigíveis e a centralidade do Ministério Público na atuação em defesa do consumidor terminaram por elevar sobremaneira o número de casos levados aos tribunais, sem favorecer formas alternativas de solução de controvérsias, assim como aquelas oferecidas pelos próprios fornecedores.
Nesse sentido, as regras da OCDE a respeito de consumo representam uma boa oportunidade de modernização do Direito do Consumidor brasileiro. São sete documentos jurídicos bem elaborados sobre temas como tomada de decisões, solução de litígios, indenizações, segurança de produtos, spam e comércio eletrônico.
Nesses instrumentos se destaca a necessidade de uma maior harmonização e coordenação em âmbito nacional e a abertura para as sinergias internacionais, mediante participação em foros e relacionamento com os órgãos estrangeiros de proteção do consumidor para troca de informações e facilitação de acesso a solução de disputas e ressarcimento. O Brasil aderiu a todos eles (cinco deles só em 2020) e, ademais, é participante do Comitê de Políticas do Consumidor.
<blockquote class="jota-article__eye">Deve-se ter em conta que as normas da OCDE em matéria de consumo estão, principalmente, em recomendações, as quais não têm caráter vinculante conforme o próprio tratado constitutivo da Organização.</blockquote>
Sem embargo é impreciso simplesmente rotular tais documentos como soft law, pois:
1) a própria OCDE reserva esse termo para instrumentos diversos dos previstos no tratado, como diretrizes, códigos de conduta e peer reviews; e
2) a própria expressão soft law é extremamente flexível, podendo ser atrelada a instrumentos insuficientes para gerar efeitos jurídicos, o que não é o caso.
Ainda que as recomendações não possam ensejar, per se, o surgimento de obrigações internacionais, a desatenção a seu conteúdo – com o qual o Estado se comprometeu formal e expressamente – pode gerar formas de responsabilização em razão do princípio conforme o qual não se deve agir contra fato próprio (venire contra factum proprium).
Além disso, há óbvios prejuízos à reputação nacional e impactos negativos sobre a adesão integral à Organização, a qual o Brasil vem pleiteando com maior intensidade desde 2019.
Ainda assim, há espaço de determinação de políticas públicas para o país decidir a velocidade e a profundidade das transformações necessárias para a plena adequação às normas da OCDE.
Em particular, não é possível uma implementação plena sem algumas alterações no sistema brasileiro de modo a possibilitar a harmonização nacional e a representatividade internacional, bem como maior participação para as formas não judicias de proteção do consumidor (métodos alternativos de solução de conflitos e soluções administrativas) e promoção de um mercado de consumo hígido. Nesse contexto, é necessária a atribuição de novas competências à SENACON, acompanhadas de um fortalecimento orgânico e institucional
É certo que a adesão brasileira à OCDE não deve ser convertida em um fim em si mesmo: ela é importante na medida em que representa um fortalecimento do Brasil, de suas capacidades de agir internacionalmente, de formular regras (e não apenas ser um mero expectador enquanto outros atores as elaboram de acordo com seus interesses) e de sua capacidade de desenhar e implementar políticas públicas.
No caso das regras sobre consumo, a adesão aos documentos abre uma janela de oportunidades para uma modernização da proteção ao consumidor no Brasil, inclusive por meio da abertura de canais internacionais importantes para um tempo em que as relações de consumo se internacionalizam e, especialmente, com o irreversível aprofundamento do e-commerce na pandemia de Covid-19.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE

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JOTA

Diretrizes da OCDE devem ser vistas como oportunidade para a modernização do Direito do Consumidor no Brasil

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