Débora Motta

O recém-editado Decreto 11.129/22 conferiu uma versão atualizada à regulamentação da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-anticorrupcao">Lei Anticorrupção</a>, base dos programas de conformidade e, em linhas gerais, indica termos alcançado um estágio de maior maturidade nos programas de compliance. Acerca dos partidos políticos, no entanto, a revogação do inciso XVI, do artigo 42, descortina a hipótese de que pontualmente com relação ao sistema eleitoral, o tema pode estar na contramão desse movimento.
Isso porque na égide do revogado Decreto 8.240/15, ainda que de forma bastante modesta, havia uma menção às siglas partidárias recomendando como parâmetro para avaliação da existência e funcionamento dos programas de integridade das empresas a “transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos políticos”. De tal modo, indiretamente, já que a regra não estava dirigida às legendas e sim as pessoas jurídicas donatárias, vinha sendo atribuída aos partidos políticos alguma responsabilidade sobre a efetividade dos programas de compliance das empresas com quem possuíam interface de relacionamento.
Contudo, com a entrada em vigor do novo Decreto, repita-se, que globalmente nos trouxe progresso legislativo, nos resta lidar com o efeito rebote do rompimento do único vínculo até então existente entre os programas de conformidade e partidos. Sem pretender justificar ou tampouco criticar os motivos que levaram à revogação, até porque por anterior decisão do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>) a regra já havia se tornado inócua, o revés sofrido nos proporciona a oportunidade de refletir sobre a necessidade de irmos além.
Como se sabe, a teor do que dispõe a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-anticorrupcao">Lei 9.096/1995</a>, os partidos políticos são entidades livres e possuem autonomia para definir sua estrutura interna, governança e gestão, desde que respeitada a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana. A despeito, entretanto, de sua natureza de pessoa jurídica de direito privado, de sua sensível interface com o poder público, a quem se vê submetido por lidar diretamente com recursos públicos, e da obrigatória prestação de contas perante a Justiça Eleitoral, não estão submetidos à Lei Anticorrupção, em razão da absoluta ausência de previsão legal.
A clara omissão atribuída à lei tem produzido merecidas críticas, uma vez que é da essência da atuação das legendas o potencial risco de lesão à Administração Pública, o que torna injustificável o fato de que os partidos sejam tratados de forma anti-isonômica em relação a outros tipos de associações. Além do mais, os escândalos de corrupção protagonizados pelas siglas, ou por seus integrantes, têm sido corriqueiros em nosso país, nos parecendo que a submissão à Lei Anticorrupção, e consequentemente a obrigatoriedade da implementação de programas de integridade, comprometidos com a transparência e com o fortalecimento das regras de prevenção ao crime, proporcionariam aos partidos políticos, dentre outras coisas, o resgate social de sua desgastada credibilidade.
Nesse contexto nos parece providencial que as agremiações partidárias, a exemplo das demais pessoas jurídicas, respondam objetivamente em âmbito civil, administrativo e eleitoral, por atos atentatórios à administração pública, na forma prevista na Lei Anticorrupção. Nessa linha, importante mencionar a tramitação do <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/131429">PL 429/2017</a> propondo alterações na Lei dos Partidos Políticos, que se aprovado for, passará a exigir das siglas a adoção em seus estatutos de programas de integridade.
Segundo a proposta, deverão ser implantadas políticas internas com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados por seus dirigentes, filiados, colaboradores e administradores, independentemente do cargo ou função exercidos, sob pena da suspensão do recebimento do fundo partidário, se constatada a inefetividade ou inexistência do programa. Em paralelo, sem nenhuma sintonia com essa iniciativa, o projeto de Lei Complementar que deverá instituir o novo Código Eleitoral nada dispõe a esse respeito, o que se agrava diante da desalentadora falta de notícias sobre movimentos concretos que possam retirar o citado PL 429/2017 da inércia em que se encontra.
Por certo a obrigatoriedade da implantação de programas de compliance por si só não solucionará a questão da falta de transparência e confiabilidade nos partidos políticos. Por outro lado, não se pode negar que seria um instrumento importante para combater a crise de confiança entre nós estabelecida, na medida em que vincularia as legendas ao cumprimento obrigatório de práticas ligadas a valores éticos e morais voltadas a prevenção do mal uso de recursos públicos.
Pensando que o regime democrático brasileiro atribuiu aos partidos políticos condição fundamental para seu funcionamento, alçando-os à condição de exclusivos garantidores das candidaturas eleitorais, nada mais natural do que a exigência, em contrapartida, do seu comprometimento com um modelo de gestão regulado pela Lei Anticorrupção e comprometido com medidas de governança capazes de evitar a ocorrência de crimes, ou no caso de falhas, de identificar e responsabilizar com eficiência os envolvidos. O compliance eleitoral e partidário nos parece essencial se desejamos de fato inaugurar um novo capítulo na política brasileira.

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JOTA

A despeito de sua natureza de pessoa jurídica de direito privado, legendas não estão submetidas à Lei Anticorrupção

O compliance pode ajudar a solucionar a crise de confiança nos partidos?

O compliance aplicado aos partidos políticos nos parece essencial se desejamos de fato inaugurar um novo capítulo na política brasileira