Débora Motta

Em 2014, a força-tarefa composta pela Polícia Federal, Receita Federal, Ministério Público Federal e Justiça Federal materializava na <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lava-jato/page/2">Operação Lava Jato</a> a sanha anticorrupção e antilavagem de dinheiro, em meio aos primeiros indicativos de que o compliance seria uma realidade no cenário empresarial brasileiro.
Com um certo atraso, mas seguindo as tendências mundiais, havíamos recém-editado a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-anticorrupcao">Lei Anticorrupção</a> (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm">Lei 12.846/2013</a>) e pela primeira vez o Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>), no <a href="https://www.jota.info/blog/paredes-sao-de-vidro-podcast-fala-sobre-os-efeitos-do-mensalao-e-lava-jato-no-stf-08092021">julgamento da ação penal 470 (mensalão)</a>, havia condenado por lavagem de dinheiro o compliance officer de um banco por omissão em seus deveres de prevenção ao crime.
O dever de atuar conforme às leis e normas, realidade até então restrita ao regulado setor das instituições financeiras, precursor nos programas de compliance, e às multinacionais americanas, submissas às leis de seu país mesmo fora de seus limites territoriais, começava a chamar a atenção dos demais setores empresariais.
Se de um lado havia uma mensagem clara de que o Judiciário se preocupava com a causalidade na omissão quando se tratava de corrupção e lavagem de dinheiro, de outro a nova lei demonstrava que medidas mais rígidas passariam a ser aplicadas às empresas que praticassem atos lesivos contra a administração pública. Assim, impulsionada por uma feliz coincidência, a operação serviu como um divisor de águas que fez refletir a vontade da população em abandonar o “jeitinho brasileiro” em prol da valorização e da credibilidade das empresas nacionais.
O grande trunfo da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lava-jato">Lava Jato</a>, ao lado da colaboração premiada, largamente utilizada como meio de obtenção de prova no processo penal, foi o emprego dos acordos de leniência, uma espécie de delação premiada para pessoas jurídicas, que ao admitirem voluntariamente sua responsabilidade em atos ilícitos, mantinham assegurada a possibilidade de seguir concorrendo em licitações públicas, em troca, naturalmente, do compromisso de colaborar com as investigações de improbidade administrativa e da implementação ou aperfeiçoamento de programas de integridade corporativa capazes de prevenir a ocorrência de novos crimes.
De tal modo, com os desdobramentos da operação, e na medida em que os seus dois alvos centrais, a Odebrecht e a Petrobras, viram suas reputações se esvaírem com notícias diárias envolvendo seus diretores em crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, a única alternativa para tentar reconstruir suas imagens era assumir o compromisso público de abandono das práticas ilícitas e a adoção de programas de compliance. Diga-se de passagem, as duas gigantes adotaram estratégias muito parecidas na condução dos seus programas: afastaram altos executivos do comando da empresa, reavaliaram seus fornecedores, investiram em programas de compliance, revisaram procedimentos internos, implantaram canais de denúncia e criaram comitês independentes para apuração de casos de desvio de conduta.
Não se pode duvidar que o impacto cultural da Lava Jato foi sentido no cenário empresarial brasileiro, que partindo de exemplos concretos compreendeu que a credibilidade de seus negócios dependia diretamente da ética e da transparência. O fenômeno construído em terras estadunidenses se popularizou, tornando cada vez mais isoladas as vozes daqueles que acreditavam que a figura não passaria de uma figura decorativa, ou pior, da institucionalização do “laranja”.
A despeito de todas as merecidas críticas que a operação sofreu ao longo dos seus sete anos de existência, não se pode negar o ganho havido no que tange à integridade. Se a retidão, a ética, a transparência, a gestão de riscos, enfim, a conformidade tornaram-se condição indispensável para uma boa reputação de mercado, a Lava Jato contribuiu para isso.
O fim da operação viu minguar o imenso apoio público que a impulsionou a princípio, ao mesmo tempo que expôs uma série de erros do Judiciário. Afinal, algumas sentenças condenatórias foram anuladas pelo STF, enquanto outras aguardam julgamento podendo ter o mesmo destino. Disso tudo, a amarga lição que ficou para os lavajatistas é a de que podemos construir o combate da corrupção sem recorrer a um modelo autoritário, a medidas abusivas e a métodos contrários à Constituição. Mas e quanto ao compliance, teria ele sofrido o mesmo revés?
De acordo com a quinta edição da pesquisa de maturidade do compliance no Brasil, produzida em 2021 pela empresa de auditoria KPMG, para 64% dos participantes a função é predominantemente executada pela área específica e para 75% dos respondentes, os executivos sêniores reforçam periodicamente que a governança e a cultura são essenciais para o sucesso da estratégia da empresa.
Muito embora ainda seja visto como um desafio, já que 85% dos participantes afirmaram que uma das maiores dificuldades em se tratando de compliance é identificar, avaliar e monitorar os aspectos de conformidade e regulatório, pelo posicionamento dos entrevistados a cultura do instituto parece ter sido consolidada entre nós. Daí porque não nos parece que este legado se mostre ameaçado pelo pós-Lava Jato, ainda que esteja igualmente claro que há ainda muito espaço para seu aprimoramento.
Enfim, o objetivo maior deste artigo é demonstrar quais foram os impactos causados pela Lava Jato nos programas de integridade, situando o compliance em um novo capítulo do cenário jurídico-empresarial brasileiro. Com isso, foi dado o pontapé inicial para uma série de artigos que procurará abordar o assunto das mais variadas formas, sem qualquer preocupação com a academia, mas com a única pretensão de tornar cada vez mais acessível e palatável um tema tão caro à sociedade.

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JOTA

Instituto se consolidou no cenário jurídico-empresarial brasileiro depois da operação e não parece ameaçado

O compliance para além da Lava Jato

Instituto do compliance parece ter se consolidado no cenário jurídico-empresarial brasileiro depois da Operação Lava Jato