Ludmila Douettes

Publicada no ano de 2018 e com entrada em vigor, quase à fórceps, em 2020, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) enrobustece o direito fundamental à proteção de dados pessoais no ordenamento jurídico brasileiro.
Para além do que este direito reflete na vida dos cidadãos, há um ponto que precisa ser, particularmente, enfrentado pela sociedade, na perspectiva do direito à proteção de dados pessoais e da aplicabilidade da LGPD: a violência contra as mulheres.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>De forma geral, este tipo de violência, seja ela praticada no âmbito físico, seja no digital, continua sendo um fator de atenção e preocupação por parte da sociedade civil organizada e todas as esferas de governo<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Não obstante o Brasil esteja engatinhando quando o assunto é proteção de dados pessoais, algumas agendas são prioritárias, fazendo com que o desafio de conferir efetividade à LGPD torne-se ainda maior.
Como é consabido, o aparecimento contínuo de novas tecnologias da informação e comunicação, bem como a sua difusão, ensejam o aparecimento de violência contra mulheres, de maneira mais intensa e veloz, como se permite que seja no mundo digital, repercutindo e refletindo um problema tão conhecido e combatido no mundo analógico.
Segundo pesquisa da ONG Plan Internacional Brasil<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, publicada em outubro de 2020, no que concerne ao uso de redes sociais pelas adolescentes e jovens mulheres, constatou-se que 99% delas usam redes sociais e 90% afirmaram que frequentemente ou muito frequentemente postam nestas redes.
<blockquote class="jota-article__eye">No universo da pesquisa, chama atenção o fato de que 77% das entrevistadas tenham afirmado que já foram assediadas nas redes sociais, sendo observado que a maioria começou a sofrer este tipo de violência a partir dos 12 anos.</blockquote>
Na verdade, há múltiplas formas de manifestação de violência contra mulheres adultas, adolescentes e crianças, que podem – e devem, a partir de agora – ser avaliadas utilizando-se a lupa da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
Algumas delas são realizadas através da exposição e compartilhamento de fotos e vídeos de mulheres, jovens e crianças, de maneira indevida e sem consentimento, podendo, ou não, ter conteúdo violento ou sexual, bem como de seus dados pessoais de contato, tais como telefone e endereço, que possam facilitar a perseguição e o assédio.
Além destas, destaca-se o acesso não autorizado a informações pessoais relativas ao seu patrimônio, através de dispositivos como celular e computador que pertencem às vítimas, ou até mesmo a dados sobre sua saúde, em ambientes laborais, utilizados de forma discriminatória.
Estas são apenas algumas situações em que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais se torna uma norma central na discussão jurídica, porquanto dispõe, de maneira clara, os direitos que são assegurados às titulares dos dados, no caso, às vítimas de violência.
Mas não apenas isto.
A criação de uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais permite que sua atuação auxilie no Plano Nacional para Enfrentamento da Violência Contra a Mulher. Aliás, este é um tema que apenas pode ser combatido com o olhar transversal e unindo forças tanto da sociedade, quanto do governo.
No dia 4 de março de 2021, a Red Iberoamericana de Protección de Datos Personales publicou a Declaração Contra a Violência Digital em Mulheres e Meninas<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, onde a entidade assume o compromisso de combatê-la de maneira ativa.
No documento, a instituição reconhece que são elas as mais afetadas e que sofrem, em maior medida, as consequências deste fenômeno, sobretudo quando se consideram os estereótipos de gênero arraigados nos países ibero-americanos.
Por fim, conclama os Estados para impulsionar instrumentos e ferramentas que permitam que suas Autoridades de Proteção de Dados combatam de forma efetiva estas condutas na internet e, igualmente,
Há alguns exemplos que podem nos inspirar nesta tarefa, como a atuação da Agencia Española de Protección de Datos (AEPD), que criou o denominado “canal prioritário<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>” com o objetivo de evitar a difusão massiva de conteúdos (fotografias ou vídeos) sexuais ou que exibam atos de agressão e coloquem em risco direitos e liberdades de cidadãos espanhóis.
Ainda que não seja um canal exclusivo para mulheres, foi criado a partir da reflexão da necessidade de auxílio às mulheres, que são as principais vítimas deste tipo de violência no ambiente digital, tornando-se um mecanismo de extrema importância neste contexto.
Outro enfoque, igualmente importante, sobre a incidência e aplicabilidade da LGPD no âmbito do tema em pauta. Referimo-nos ao tratamento de dados pessoais de vítimas de violência contra a mulher, em todas as instituições de acolhimento ou apoio a estas.
Excetuando-se as hipóteses em que os dados são tratados para segurança pública, defesa nacional, segurança do Estado ou atividades de investigação e repressão de infrações penais, ou para fins exclusivamente jornalístico, artísticos e acadêmicos, não resta dúvida que todo tratamento de dados pessoais, realizados por pessoa física ou jurídica, deve observância à LGPD (art. 4º).
Sendo assim, é necessário que os abrigos de acolhimento ou instituições de apoio que não estejam enquadrados em nenhuma das situações acima especificadas, respeitem e adequem-se ao disposto na lei.
É absolutamente imprescindível preservar as informações das mulheres que buscam auxílio nestas entidades. Aliás, é um direito fundamental que deve ser preservado de maneira prioritária.
Vale lembrar, por oportuno, que os dispositivos legais que tratam sobre a proteção de dados, longe de objetivar o engessamento de qualquer serviço público ou privado, exigem que o tratamento dos dados pessoais seja feito de forma responsável e transparente.
E neste ponto, em particular, a preocupação inicial deve estar concentrada na capacitação daqueles funcionários que tratam dados pessoais de mulheres vítimas de violência, para que possam compreender a dimensão e a importância da norma.
Afinal, temos dito sempre que não há como trabalhar com dados pessoais, sem conhecer a LGPD, em nenhuma perspectiva. E, no caso desta norma e sua forte incidência nos mais diversos setores, aqueles que não precisam se adequar, ou conhecê-la, serão a exceção.
Isto posto, há a imprescindível necessidade de conferir transparência à mulher, desde o momento em que são acolhidas nestas instituições, recebendo informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre o tratamento de seus dados pessoais.
Além disso, a coleta dos dados deve ser tão só daqueles necessários, pertinentes, proporcionais e não excessivos, em definitiva, que sejam suficientes para atingir a finalidade desejada (art. 6º, III).
Sobre esta questão, a LGPD estabelece que o tratamento de dados pessoais deve ser realizado para finalidade legítima, específica, explícita e sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades (art. 6º, I e II).
A instituição também deve verificar com quais entidades pode compartilhar os dados pessoais, bem como cumprir com o prazo de conservação em seus bancos de dados. Finalmente, é fundamental que a instituição garanta o exercício dos direitos das mulheres titulares dos dados pessoais, em todo ciclo de vida destes dados (art. 17 e ss).
Outra questão importante é a segurança da informação. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais exige que sejam tomadas todas as “medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito” (art. 46).
Se refletirmos sobre a natureza dos dados, a finalidade do seu tratamento e as situações delicadas e excepcionais nas quais são coletados, podemos afirmar que há sobradas razões para que a segurança da informação seja um ponto crucial, principalmente para evitar a exposição da vítima.
O enfoque nas medidas de segurança pode ser feito em três perspectivas: medidas físicas (que se relacionam com o ambiente físico onde se encontram as informações); as medidas técnicas (aquelas relacionadas aos sistemas, programas, etc.) e medidas administrativas ou organizacionais (aquelas que se referem à organização do trabalho e dos processos internos, divisão de responsabilidade de pessoal, etc.).
A aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais é realizada em uma via de mão dupla. Estabelece direitos e liberdades dos titulares dos dados, ao mesmo tempo em que estrutura um corpo normativo obrigacional àqueles que tratam dados pessoais, que fortalece a sua efetividade.
Em suma, no caso de situações de violência contra as mulheres, a garantia do Direito à proteção de dados pessoais e à privacidade é um elemento fulcral para o êxito no processo de acolhimento, acompanhamento e reinserção social da vítima, para que se evite discriminação ou sua estigmatização, sendo a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais uma ferramenta indispensável nesta missão.
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O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:
https://youtu.be/b9z7dDRHnrg
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Encontra-se no Senado o projeto de Lei nº 4287, de 2020, oriundo da Câmara dos Deputados, que cria o Plano Nacional de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra a Mulher, para que seja incluído e implementado na Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Liberdade Online. Plan Internacional Brasil. Disponível em: &lt;https://cdn.plan.org.br/wp-content/uploads/2020/10/LIBERDADE-ON-LINE-20201002.pdf&gt;. Acesso em 05 de março de 2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Red Iberoamericana de Protección de Datos Personales. Disponível em: &lt;https://www.redipd.org/sites/default/files/2021-03/declaracion-RIPD-contra-violencia-digital.pdf&gt;. Acesso em 05 de março de 2021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em: &lt;https://www.aepd.es/canalprioritario/&gt;.

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JOTA

Como a LGPD pode ajudar no enfrentamento da violência contra a mulher?

O combate à violência contra mulheres na perspectiva da LGPD

Como a LGPD pode ajudar no enfrentamento da violência contra a mulher?