Paulo Fernando Pinheiro Machado

<blockquote class="jota-article__quote">“What's past is prologue.” 
<footer class="jota-article__quote-cite">William Shakespeare, 'The Tempest'</footer>
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A vida nesta terra é uma sucessão de desafios. Nem bem saíram os resultados do 2º turno da eleição, e o presidente eleito já tem de se preparar para enfrentar os impactos do que talvez seja uma das maiores crises financeiras da história conhecida. Estamos singrando mares nunca dantes navegados e sem bússola.
Há algumas semanas o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) <a style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit;" href="https://www.nytimes.com/2022/10/11/business/imf-world-economy-forecast.html">anunciou que o pior ainda está por vir</a>, antecipando uma recessão global no início de 2023, pior do que a Grande Depressão dos anos 1930. O fundo reconhece que a economia mundial está entrando em uma espiral inflacionária persistente e inercial, na qual os prospectos de crescimento se veem drasticamente reduzidos pela combinação da crise do custo de vida, do esgotamento fiscal em uma série de países, do conflito no leste europeu e dos efeitos prolongados da pandemia da Covid-19.
<a style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit;" href="https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2022/10/11/world-economic-outlook-october-2022">O receituário proposto pelo FMI</a>, contudo, é uma esfinge conhecida por estas plagas: uma política monetária consistente que restaure a estabilidade dos preços e uma política fiscal que alivie a crise do custo de vida, mas não tanto, para que não se dissocie da política fiscal. Em outras palavras, cara leitora, o fundo recomenda um baita aperto de cintos, com alguma flexibilidade para evitar convulsão social. Reformas estruturais, segundo o FMI, também podem ajudar. Já vimos esse filme antes.
O que a análise do fundo ignora é o fato de que estamos em uma era completamente nova, na qual o receituário brutal que já havia falhado nos anos 1980 não apresenta indício algum de que vá funcionar agora. Como procuramos demonstrar em nosso último livro, <a style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit;" href="https://www.amazon.com.br/Centelhas-Tempestade-Diplomacia-Mundo-Transformação-ebook/dp/B09W42TTL4/ref=sr_1_1?keywords=centelhas+de+tempestade+a+diplomacia+em+um+mundo+em+transformação&amp;qid=1667261150&amp;qu=eyJxc2MiOiIwLjAwIiwicXNhIjoiMC4wMCIsInFzcCI6IjAuMDAifQ%3D%3D&amp;sprefix=centelhas+de+tem%2Caps%2C201&amp;sr=8-1">“Centelhas de Tempestade: a diplomacia em um mundo em transformação” (Saraiva)</a>, o próprio sistema econômico internacional erigido no pós-Segunda Guerra Mundial entrou em colapso já na crise financeira de 2008 e somente persiste agora respirando artificialmente pelos aparelhos da maior injeção de liquidez da história da humanidade. Dito de outra forma, a economia mundial só não entrou ainda em colapso porque os governos ao redor do mundo injetaram, desde 2020, mais de US$ 11 trilhões, via estímulos para enfrentar os efeitos da pandemia. O resultado será necessariamente um processo inflacionário secular.
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O colapso do sistema econômico global se deu por uma dissociação quase completa entre a economia real e a economia financeira, isto é, entre a realidade de quem trabalha e de quem produz e a realidade de quem investe com crédito subsidiado, fazendo com que bens e ativos se valorizem desproporcionalmente ao rendimento do labor humano. Esse fenômeno é mais visível no inchaço do mercado imobiliário, cujos preços exorbitam em muito aos níveis de renda de possíveis compradores, jogando a classe média literalmente para fora do mercado. Nas grandes cidades brasileiras já se pode mesmo verificar o fenômeno de inúmeras novas construções ao lado de espaços fantasmagoricamente vazios. Isso obviamente não pode acabar bem.
O primeiro grande desafio econômico do novo governo, então, não será apenas o de valorizar o trabalho e a produção em detrimento da especulação pela aplicação de um receituário velho e batido. Situações novas exigem não apenas soluções novas, mas, antes delas, uma concepção nova de um novo modelo econômico global, que compreenda um período de transição entre o sistema moribundo e o novo sistema. A chave está em encontrar meios de se trazer a economia financeira para dentro da economia real, por um ajuste em preços e salários que será muito doloroso e cujo risco de erro é o do colapso total do sistema.
A tarefa, cara leitora, é sem dúvida hercúlea. Mas se o novo governo for capaz de articular uma nova concepção de funcionamento da economia global que não seja mera elucubração teórica e que inclua os meios práticos para se fazer o ajuste na realidade, então o Brasil terá dado uma contribuição significativa para o bem-estar e a sobrevivência global da humanidade. Conhecimento técnico sobre inflação e capacidade criativa nosso país tem de sobra. Precisamos, agora, de uma liderança sábia e firme para conduzir o processo. Sic itur ad astra.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
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<a style="font-weight: 300;" href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Assim se caminha até as estrelas.

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JOTA

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