José Eduardo Faria

<p>A ofensiva do procurador-geral da República contra um professor de direito constitucional da Faculdade de Direito da USP, Conrado Hübner Mendes, acusando-o de “tomar para si o prestígio da universidade a fim de conferir maior seriedade ou veracidade a suas críticas infundadas”, deixa claro o método que vem sendo aplicado por Bolsonaro, seu entorno e áulicos com o objetivo de provocar uma regressão democrática.</p>
<p>Quando candidato, Bolsonaro afirmava que bastavam um soldado e um cabo para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF). Eleito, passou a dizer que “a Constituição sou eu” e a estimular manifestações regulares, nos fins de semana, contra o Poder Judiciário. Na campanha, Bolsonaro criticava o que chamava de “velha política”. Depois de alguns meses de gestão desastrosa, para afastar o risco de impeachment, converteu o “Centrão” em condômino no exercício do poder e até aplaudiu que os partidos a ele filiados mudassem o regimento da Câmara dos Deputados, diminuindo os mecanismos utilizados pela oposição para tentar brecar a aprovação de projetos. Antes de assumir a presidência, Bolsonaro prometia indicar para os tribunais superiores bacharéis conservadores ou terrivelmente evangélicos, independentemente de não terem currículo nem biografia. Uma vez no Palácio do Planalto, estimulou uma competição entre candidatos que se rastejem, fazendo coisas absurdas para cortejá-lo. A ponto de, no caso de virem a ser escolhidos, aceitarem ser convocados nos fins de semana para “tomar tubaína” com o chefe do Executivo” – uma forma nada sutil deste dizer que será ele quem determinará como os escolhidos deverão julgar e votar.</p>
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<p>Isoladamente, cada um desses casos parece inconsequente, como se a vida útil das bobagens do presidente e das humilhações sofridas por quem aceita rastejar para tentar chegar ao STF fosse curta. Em princípio, esses casos são demonstrações de vulgaridade e demagogia que, à primeira vista não envolveriam violações jurídicas nem comprometeriam a ordem constitucional. Analisados de modo cuidadoso, porém, vê-se que o problema não está no impacto pontual de cada ato bizarro e de cada fala canhestra, mas em seus efeitos cumulativos.</p>
<p>Vistos nesta perspectiva, esses casos deixam claro que o método bolsonarista de afronta institucional banaliza o esvaziamento de direitos e garantias fundamentais. Naturaliza a utilização de mecanismos legais com o objetivo de aprovar medidas antidemocráticas. Trivializando o uso de uma Lei de Segurança Nacional repleta de tipos penais abertos, herdada dos tempos da ditadura militar, para intimidar críticos, desestimulando-os de se valer do direito de expressão e da liberdade de opinião. Propicia o recurso a normas constitucionais para enfraquecer as instituições estabelecias pela redemocratização do país, desrespeitando as minorias e neutralizando os órgãos de controle.</p>
<p>Banalização, trivialização, naturalização constituem assim uma estratégia dissimulada para, sem mudanças abruptas, abrir caminho para a substituição da democracia liberal para um autoritarismo furtivo e dissimulado, no qual os governantes tentam minar possíveis resistências de partidos, da mídia e de tribunais. Como lembra o cientista político Adam Przeworski, professor da New York University, os executores dessa estratégia são autocratas que tentam ampliar seus poderes recorrendo a instrumentos do próprio regime democrático, o que lhes conferiria um verniz de legitimidade.  “Essa perspectiva é grave porque o processo não precisa envolver violações de constitucionalidade; por sua vez, quando o retrocesso segue um caminho constitucional e o governo tem o cuidado de preservar as aparências de legalidade, os cidadãos não dispõem de meios para coordenar sua resistência”, diz ele. Numa situação-limite, quando situações como essa se prolongam por muito tempo, a ordem democrática e constitucional tende a entrar em colapso, a vida apolítica cotidiana tende a se paralisar e a violência tende a crescer, conclui.</p>
<p>Por isso, a iniciativa do procurador-geral da República de pedir à USP que submeta ao Conselho de Ética o professor Conrado Hübner Mendes, apenas pelo fato de tê-lo criticado de modo “ácido”, não deve ser visto como um fato isolado ou caso de excesso. Nem muito menos, como uma simples, porém moralmente condenável, demonstração de aulicismo de quem corteja Bolsonaro para ascender ao STF. Como o procurador chefia, justamente, o órgão encarregado pela Constituição de defender a ordem jurídica e o regime democrático, sua investida contra a liberdade de cátedra, opinião e expressão de um constitucionalista de uma das principais escolas de direito dá a dimensão da importância das palavras de Przeworski. Dá assim a medida da regressão institucional que o país está sofrendo.</p>
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augusto aras pgr

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JOTA

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