Galtiênio da Cruz Paulino

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 21 de maio de 2019, que o acordo de colaboração premiada celebrado pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, é inválido.
Os principiais pontos discutidos foram: a) a previsão em uma das cláusulas do pacto da possibilidade de o colaborador confessar outros fatos que tenha participado em até 120 dias após a assinatura do acordo; b) indícios de ocultação de produto do crime durante a negociação do acordo; c) possibilidade de celebração e homologação de acordo de colaboração premiada pela polícia sem a concordância do Ministério Público<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>O primeiro ponto discutido no caso impossibilita a celebração de qualquer acordo de colaboração premiada, devendo ser considerada uma cláusula ilegal. O art. 3A da Lei nº 12.850/2013 é claro ao estabelecer que “O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos.“
Os aspectos utilidade e interesse público devem ser observados e aferidos nos momentos da celebração e da homologação de todos os acordos de colaboração premiada. Essa aferição só será possível se a outra parte celebrante, Ministério Público ou autoridade policial, e o juízo homologador tomarem ciência nos referidos momentos de todos os eventos delitivos que o colaborador tenha participado e/ou tenha conhecimento, bem como ciência de todos os elementos de corroboração.
Essa obrigação é necessária inclusive para que o órgão público pactuante verifique se o colaborador está de fato relatando tudo que tem conhecimento ou se está omitindo alguma informação<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
O segundo tópico, “indícios de ocultação de produto do crime”, é uma barreira intransponível para a celebração de um acordo de colaboração premiada. Cessar a atividade delitiva, que inclui a não ocultação de produto do crime, é um dever indiscutível do pretenso colaborador para que possa celebrar um acordo de colaboração<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
O terceiro tópico merece maiores considerações, pois envolve a discussão sobre a legitimidade da autoridade policial para a celebração de acordo de colaboração premiada e, em caso positivo, a necessidade de participação e concordância do Ministério Público com o acordo celebrado com a autoridade policial.
No que diz respeito à legitimidade da autoridade policial, algumas considerações devem ser feitas. A legitimidade para a celebração do acordo de colaboração premiada pelo delegado de polícia teve a constitucionalidade questionada perante o Supremo Tribunal Federal no âmbito da ADI 5508<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Na ocasião, o Plenário da Corte Suprema considerou constitucional a possibilidade de delegados de polícia realizarem acordos de colaboração premiada na fase do inquérito policial.
Ficou definido que a formulação de proposta de colaboração premiada pela autoridade policial não atinge a atribuição constitucional do Ministério Público de titular da ação penal e de decidir sobre o conteúdo da denúncia. Mesmo que ocorra a propositura em favor do colaborador de redução da pena ou de perdão judicial, esses benefícios só serão concedidos judicialmente, por se tratar de ato privativo do Poder Judiciário.
Contudo, mesmo não sendo obrigatória a presença do Ministério Público em todas as fases da elaboração dos acordos entre a autoridade policial e o colaborador, o Ministério Público deve obrigatoriamente se manifestar sobre o pacto, como forma de aferir a legalidade do acordo e se o interesse público e a utilidade para a persecução penal estão presentes<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>. Ao juiz caberá a decisão de homologar ou não o acordo.
A legitimidade do delegado de polícia para celebrar acordo de colaboração premiada é decorrente da sistemática do favor pena. Explico.
Vigora nas leis que antecedem a Lei nº 12.850/2013 o sistema do favor estatal, por meio do qual se atribui um prêmio em favor do colaborador, na maioria das vezes no momento da condenação, por meio de uma redução de pena ou mesmo do perdão judicial.
A Lei nº 12.850/2013 manteve a sistemática colaborativa do favor estatal prevista nas leis que a antecederam, porém inaugurou o sistema de colaboração baseado no limite sancionatório, com protagonismo para o órgão de acusação.
A sistemática do favor estatal configura-se quando o colaborador resolve colaborar com a persecução penal do evento específico de que ele está sendo acusado. Para que sejam estabelecidos benefícios nesse caso, prescinde-se de um prévio acordo, necessitando apenas que o Ministério Público se posicione favoravelmente à colaboração, em razão de entender que as informações prestadas e as provas apresentadas foram importantes para a persecução penal.
Em seguida, caberá ao juiz, no momento da sentença, após a manifestação do Ministério Público, aferir se a colaboração do acusado foi efetiva e será cabível, desse modo, a concessão de um benefício, aplicando uma causa de diminuição de pena prevista na lei, o perdão judicial ou admitir a incidência de um regime de pena mais brando.
Na sistemática do favor pena não se necessita da formalização de um acordo. Este, porém, poderá ser celebrado com o Ministério Público, sem a vinculação do juízo, ou com a polícia, sem a fixação dos benefícios (hipótese que se enquadra os acordos de colaboração celebrados com a polícia).
Já na nova sistemática inaugurada pela Lei nº 12850/2013 (limite sancionatório), o Ministério Público (atribuição exclusiva) celebra um acordo com o colaborador, que entregou diversos eventos delitivos de que tem conhecimento, e estabelece um limite sancionatório.
Ou seja, caso o colaborador venha a ser condenado em razão dos eventos delitivos de que tenha participado e estejam englobados pelo acordo de colaboração premiada, só cumprirá a sanção imposta em consonância com os limites sancionatórios acordados e homologados pelo juízo<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Com a legitimação do delegado de polícia para celebrar acordo de colaboração, impossibilitado de fixar benefícios em favor do colaborador, retoma-se a sistemática do favor da pena, passando a ser tarefa exclusiva do juiz conceder algum benefício ao colaborador no momento da decisão condenatória. O favor da pena, inclusive, não depende, repita-se, de negociação de acordo de colaboração, podendo ser aplicado pelo juiz no momento da dosimetria da pena.
<blockquote class="jota-article__eye">Essa sistemática difere da inaugurada pela Lei nº 12.850/2013, por meio da qual se autoriza às partes, colaborador e Ministério Público, negociar os limites sancionatórios da persecução penal.</blockquote>
Observa-se, portanto, que a legitimidade do delegado de polícia para celebrar acordo é centrada na sistemática do favor pena, que, inclusive, dispensa a celebração de um acordo propriamente dito.
Por fim, algumas considerações serão feitas sobre a segunda parte do terceiro tópico, referente à necessidade de participação e concordância do Ministério Público com o acordo celebrado com a autoridade policial.
A atuação do Ministério Público nos acordos de colaboração celebrados perante a autoridade policial ocorre em duas etapas, antes da homologação e antes de ser proferida a sentença na ação penal do caso que tenha resultado do acordo.
Na primeira etapa, conforme acima exposto, o Ministério Público irá se manifestar sobre a legalidade do acordo e se o interesse público e a utilidade para a persecução penal estão presentes (art. 4, §6º da Lei nº 12850/2013). Evita-se, desse modo, o que acontece em muitos casos de acordo de colaboração celebrado com a autoridade policial, a utilização da polícia como “soldado de reserva”.
Situação que se configura quando o colaborador não consegue a celebração de um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público, que é o único que pode estabelecer benefícios, e procura a autoridade policial para ter sua pretensão atendida.
A segunda etapa de participação do Ministério Público, ou seja, antes da sentença condenatória, está prevista no caput do art. 4.º, na parte que consta “a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados”<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
Ocorre a consagração do sistema do favor pena, que dispensa a celebração de acordo (opcional), é direcionado para eventos específicos, sendo o benefício premial concedido na sentença, nos termos do referido dispositivo, após a manifestação do Ministério Público sobre a efetividade da colaboração à persecução penal realizada.
Observa-se, portanto, a discussão de três tópicos sobre a colaboração premiada no Supremo Tribunal Federal, sendo os dois primeiros (ausência de apresentação de todos os fatos delitivos no momento da celebração do acordo; indícios de ocultação de produto do crime durante a negociação do acordo) totalmente impeditivos da celebração do acordo, e um terceiro (celebração de acordo de colaboração premiada pela autoridade policial) que se conclui pela legitimidade da polícia, porém pela necessidade de participação do Ministério Público em duas fases da conjuntura processual resultante/vinculada ao acordo.
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: &lt;https://www.conjur.com.br/2021-mai-24/direito-defesa-destino-delacao-premiada-cabral&gt;.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Lei 12.850/2013: “art. 4. (...) § 17. O acordo homologado poderá ser rescindido em caso de omissão dolosa sobre os fatos objeto da colaboração.     <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm#art14">(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)</a> (...)”.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Lei 12.850/2013: “Art. 4. (...) § 18. O acordo de colaboração premiada pressupõe que o colaborador cesse o envolvimento em conduta ilícita relacionada ao objeto da colaboração, sob pena de rescisão. <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm#art14">(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)</a>”
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Vide voto do relator na ADI 5508 – Disponível em: &lt;http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI5508MMA.pdf&gt;.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Lei 12.850/2013: “Art. 4. (...) §6. O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.”
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Para maior aprofundamento vide: &lt;https://www.conjur.com.br/2020-nov-11/paulino-colaboracao-premiada-sistemas-colaborativos&gt;.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> “Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
(...)”

Sérgio Cabral

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JOTA

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