Karine Lemos Gomes Ribeiro

Laura Lelis Pascoal

Verber Alves de Souza

Gabriela de Moura Pereira Câmara

O risco de implementação do prazo prescricional para ajuizamento de ações individuais de reparação civil tem assombrado as pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG).<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a> Afinal, já há quase seis anos rompeu-se a estrutura de contenção, despejando cerca de 56 milhões de metros cúbicos de rejeito na Bacia do Rio Doce e causando profundos e incontáveis danos sociais, econômicos, ambientais em mais de 39 municípios mineiros e capixabas. Apesar do longo transcurso temporal, no entanto, as famílias atingidas seguem em busca de reparação e justiça.
Segundo o Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), já são mais de 85 mil ações judiciais relativas ao caso, sendo que na comarca de Mariana grande parte das medidas vêm sendo requeridas no âmbito de Ações Civis Públicas.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Tratar das dúvidas que circundam o instituto da prescrição neste caso é, portanto, enfrentar debate acalorado acerca da relação entre o processo coletivo e as pretensões individuais, mas, acima de tudo, um imperativo de justiça para milhões de atingidos e atingidas pelo desastre de 05 de novembro de 2015.
Em julgado ainda recente, o Supremo Tribunal Federal (STF) enfrentou questão relativa à prescrição em sede de repercussão geral no RE nº 654833, publicado em 24 de junho de 2020, que trata sobre a reparação civil decorrente de dano ambiental, oportunidade em que fixou a seguinte tese: “É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental.”<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a>
O caso analisado pela Suprema Corte tratou de analisar Ação Civil Pública intentada pelo Ministério Público Federal (MPF), objetivando pretensão indenizatória por danos materiais, morais e ambientais decorrentes de invasões em área indígena ocupada pela comunidade Ashaninka-Kampa do Rio Amônia, no estado do Acre, nos anos de 1981 a 1987, com a finalidade de extrair ilegalmente madeira de elevado valor de mercado.
A tese em questão é emblemática e possui impacto direto na questão relacionada à tragédia ambiental e humanitária decorrente do rompimento da barragem do Fundão, tendo em vista que fundamentou-se no direito ao meio ambiente equilibrado como direito humano fundamental, bem como, na compreensão de que os danos decorrentes deste, dada a complexidade de seus reflexos nas mais diversas searas, muitas vezes não são passíveis de serem medidos/mensurados logo quando da ocorrência do dano, projetando-se para o futuro.
Diante deste entendimento, necessário se faz compreender a expressão “reparação civil por dano ambiental” sob uma perspectiva ampla, abarcando todos os reflexos decorrentes do rompimento da barragem, uma vez que o direito ao meio ambiente equilibrado trata-se de direito humano fundamental, imprescindível para a realização sadia da qualidade de vida e da dignidade humana.<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>
No caso do rompimento da barragem, os danos ocasionados envolvem a violação sistemática de direitos humanos, de modo que não se sabe, mesmo após quase 6 anos do fato, a exata extensão dos danos ocasionados às pessoas atingidas, motivo pelo qual o Estado não deve se eximir de garantir a reparação integral, sob a utilização de qualquer dispositivo legal que diga respeito a prescrição da pretensão indenizatória.
Dessa forma, é evidente que a reparação civil decorrente de dano ambiental fixada na Tese nº 999 do STF é aplicável às famílias atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão em Mariana/MG, o que implica diretamente na imprescritibilidade de suas pretensões indenizatórias. O reconhecimento público e notório de tal tese, no caso concreto, certamente colocaria fim a um cenário de pânico e incerteza ao longo de toda a Bacia do Rio Doce.
<blockquote class="jota-article__eye">Mas, para além do precedente mencionado, em análise subsidiária, há que se considerar em cada caso as hipóteses de interrupção ou de suspensão do prazo prescricional.</blockquote>
Ilustrativamente, com relação às comunidades atingidas na região de Mariana-MG, prevaleceu a competência de Ação Civil Pública própria (Autos nº 0043356-50.2015.8.13.0400) até sua extinção em 02 de outubro de 2018, com a homologação de Termo de Transação e Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e as empresas responsáveis pela barragem, Samarco, Vale S.A e BHP Billiton.
Nesse TTAC foi pactuado, dentre outras diretrizes, a interrupção do prazo prescricional para a pretensão indenizatória individual dos atingidos. Ato contínuo, em 23 de julho de 2019, foram pactuadas diretrizes para criação da denominada Fase de Negociação Extrajudicial (FNE) com vistas à indenização extrajudicial dos danos às pessoas atingidas por meio do procedimento da mediação de conflitos (Lei 13.140/2015), o qual se inicia a partir da manifestação de interesse da família atingida em participar da FNE, com o envio de seu cadastro à Fundação Renova que, a partir de então, fica responsável por entrar em contato com a família para agendar uma sessão de mediação e oferecer a proposta indenizatória.
Também por esse motivo é de se considerar que a Lei de Mediação, em seu artigo 17, parágrafo único, é clara quanto à suspensão do prazo prescricional enquanto transcorrer o procedimento de mediação, de forma que a manifestação de interesse da pessoa atingida em submeter-se à FNE não pode ser interpretada de forma diversa que não a de que esta possua o condão de suspender o prazo prescricional até o desfecho das negociações.
Em caso de entendimento contrário, o atingido, ao optar pela via extrajudicial, estaria colocando em risco o seu próprio direito à reparação, uma vez que toda a gestão metodológica da FNE é realizada unicamente pela Fundação Renova<a href="#_edn4" name="_ednref4">[4]</a>.
Ainda na eventualidade de se considerar a prescritibilidade das pretensões indenizatórias individuais, imperioso considerar que o prazo quinquenal deveria ser o aplicado in casu. Com base na Lei de Ação Popular (Lei 4.717/1965), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui precedente recente<a href="#_edn5" name="_ednref5">[5]</a> neste sentido quando se tratar de execução de sentença relativa a direitos individuais homogêneos, como é justamente o caso da pretensão indenizatória das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem em Mariana.
O mesmo prazo é o disposto no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), referência no regramento jurídico do microssistema das ações coletivas. Em sendo, portanto, o dano suportado pelas pessoas atingidas equiparável à pretensão de reparação por fato do produto ou serviço, uma vez que advindo de atividade econômica, determinante a aplicação da prescrição quinquenal.
Fato é que o silêncio que impera em relação a qual o prazo prescricional aplicável à espécie das ações em Mariana, abre margem para possibilidade de aplicação do prazo trienal do Código Civil – o que beira ao absurdo, dada a incomparabilidade deste que foi o maior desastre socioambiental do país, a uma simples ação indenizatória comum.
<hr />
<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1]</a> Vide mais informações em: &lt;https://jornalasirene.com.br/justica/2021/05/23/ameaca-de-prescricao-gera-incertezas-sobre-indenizacoes-as-pessoas-atingidas&gt;. Acesso em: 16 de setembro de 2021.
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[2]</a> BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Recurso Extraordinário nº 654833/AC. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tema 999. Constitucional. Dano ambiental. Reparação. Imprescritibilidade. 1. Debate-se nestes autos se deve prevalecer o princípio da segurança jurídica, que beneficia o autor do dano ambiental diante da inércia do Poder Público; ou se devem prevalecer os princípios constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente, que beneficiam toda a coletividade. [...]. Recorrente: Oleir Messias Cameli e outros. Recorrido: Ministério Público Federal. Relator: min. Alexandre de Moraes, 24 de junho de 2020. Brasília: STF, 2020. Disponível em: &lt;https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22RE%20654833%22&amp;base=acordaos&amp;sinonimo=true&amp;plural=true&amp;page=1&amp;pageSize=10&amp;sort=_score&amp;sortBy=desc&amp;isAdvanced=true&gt;. Acesso em: 16 de agosto de 2021.
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[3]</a> DERANI, Cristiane; VIEIRA, Lígia Ribeiro. Os Direitos Humanos e a Emergência das Catástrofes Ambientais: Uma Relação Necessária. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 11, nº 22, p. 163- 164, 2014. Disponível em: &lt;https://egov.ufsc.br/portal/conteudo/os-direitos-humanos-e-emerg%C3%AAncia-das-cat%C3%A1strofes-ambientais-uma-rela%C3%A7%C3%A3o-necess%C3%A1ria&gt;. Acesso em: 03 de setembro de 2021.
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[4]</a> Em 02 de março de 2016, diversos entes federativos e órgãos do poder público celebraram com as empresas responsáveis pelo rompimento da barragem (Vale, BHP e Samarco) o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC). No contexto do referido acordo, foi desenhada a criação da Fundação Renova, entidade sem fins lucrativos, com estrutura própria de governança, fiscalização e controle, instituída pela Samarco e suas acionistas, e que teve como justificativa para a sua criação tornar mais eficiente a reparação e compensação dos danos decorrentes da tragédia por meio da elaboração e execução de medidas e programas socioambientais e socioeconômicos.
<a href="#_ednref5" name="_edn5">[5]</a> BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (4. Turma). Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.807.990/SP. Processo civil. Agravo interno. Razões que não enfrentam O fundamento da decisão agravada. Dissídio Jurisprudencial. Cotejo analítico e similitude fática. Ausência. Ação civil pública. Plano de saúde. Demanda coletiva. Execução individual. Prazo prescricional específico. Prescrição quinquenal. Precedentes. Não provimento. 1. As razões do agravo interno não enfrentam adequadamente o fundamento da decisão agravada. [...]. Recorrente: Unimed de Presidente Prudente Cooperativa de Trabalho Médico. Recorrida: Olga Silva Abrahao. Relatora: min. Maria Isabel Gallotti, 24 de abril de 2020. Brasília: STJ, 2020. Disponível em: &lt;https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=Resp+1807990&amp;aplicacao=processos.ea&amp;tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&amp;chkordem=DESC&amp;chkMorto=MORTO&gt;. Acesso em: 16 de agosto de 2021.

barragens_mariana_MG_08112015_001

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Como o Tema 999 do STF pode assegurar a imprescritibilidade na reparação dos danos para milhões de atingidos

O caso da Barragem de Mariana: há que se falar em prescrição?

Como o Tema 999 do STF pode assegurar a imprescritibilidade na reparação dos danos para milhões de atingidos