Paulo Fernando Pinheiro Machado

<blockquote class="jota-article__quote">“Pratica a verdade reconhecendo também os pecados que se consideram menos graves… e vem à luz cumprindo obras dignas. Também os pecados menos graves, se forem descuidados, proliferam e causam a morte.”
<footer class="jota-article__quote-cite">Santo Agostinho de Hipona</footer>
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<footer>O carnaval é uma das festas mais populares e antigas do mundo. O termo deriva do latim “carne vale”, isto é, “adeus à carne”, significando um breve período de alegria e festividades antes da Quaresma, o período de jejum, penitência e reflexão espiritual que marca os 40 dias antes da Páscoa. Trata-se de um momento de distensão e exuberância que precede um período de reflexão profunda.</footer>
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A tradição patrística e escolástica não condenava o carnaval, muito pelo contrário. Santo Agostinho, por exemplo, já ensinava que o bem-estar e a alegria eram dons divinos, e que a diversão e as festas eram maneiras saudáveis e legítimas de se celebrar a vida e a graça divina. O bispo de Hipona alertava, contudo, contra os excessos: a moderação e o equilíbrio são a chave do sucesso em todas as coisas.O período de reflexão que se inicia a partir desta Quarta-Feira de Cinzas se presta a um exercício de confissão tanto individual quanto coletivo. É o período do ano mais apto a reconhecermos nossos erros passados e encontrar forma de corrigi-los no futuro. E, para isso, é preciso nos despirmos de todas as máscaras e fantasias, como recomendava o Papa Pio V em sua bula “In Coena Domini” de 1567, para podermos encarar nossas fragilidades de frente. Face a face.E uma das maiores fragilidades coletivas de que padece o nosso país, como já alertamos diversas vezes <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-deglobalizacao-e-o-renascimento-do-lloyd-brasileiro-08042022">aqui nesta coluna</a>, foi o erro de termos abandonado o nosso passado marítimo e nos transformado na única nação de dimensões continentais 100% cargo do mundo, isto é, o único grande exportador de commodities que não dispõe de capacidade de transporte marítimo própria para dar suporte ao seu comércio exterior.
A decisão de extinguir o <a href="http://mapa.an.gov.br/index.php/dicionario-primeira-republica/1077-lloyd-brasileiro">Lloyd Brasileiro</a>, companhia estatal de navegação que já teve a segunda maior frota mercante do mundo, no final dos anos 1990, representou não apenas a maior transformação cultural que nosso país já passou em toda a sua história, desde os tempos coloniais, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/geopolitica-maritima-e-identidade-nacional-09072021">conforme já analisamos aqui nesta coluna</a>, mas também foi a origem de nossa maior fragilidade externa. O Brasil encontra-se hoje isolado e dependente de agentes externos para se conectar ao mundo.
Nosso comércio exterior é profundamente afetado por essa decisão política, dado que nossos importadores e exportadores pagam preços mais elevados para o transporte de suas cargas, com menor flexibilidade para responder às mudanças nas condições do mercado. Além disso, a dependência estrutural de empresas de transporte marítimo estrangeiras deixa o país vulnerável a interrupções no suprimento ou a flutuações nos preços dos fretes marítimos.
Tome-se, por exemplo, o setor florestal na pauta de exportações brasileiras. Trata-se do terceiro maior complexo de produtos de exportação do agronegócio brasileiro, atrás apenas dos complexos da soja e das carnes. Nosso país, além disso, é o maior exportador de celulose do mundo. Apesar de toda essa pujança, contudo, nossa participação no mercado internacional ainda está muito aquém do nosso potencial.
Em 2021, <a href="https://iba.org/datafiles/publicacoes/relatorios/relatorio-anual-iba2022-compactado.pdf">segundo o último relatório da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ),</a> o setor florestal registrou um saldo positivo na balança comercial de 10,7 bilhões de dólares, um aumento de cerca de 20% em relação ao ano de 2020 (8,9 bilhões de dólares), mas ainda abaixo dos números registrados em 2018, de 11,3 bilhões de dólares. Esse patamar provavelmente terá sido recuperado no ano de 2022, mas esses números demonstram uma clara perda de competitividade nos últimos 5 anos.
Sem dúvida os efeitos das medidas econômicas para fazer face à pandemia da Covid-19 e a desestruturação das cadeias globais de fornecimento tiveram um impacto grande nesse desempenho. No momento atual de retomada, contudo, o principal tem se demonstrado ser a falta de navios para transportar as nossas mercadorias e os fretes exorbitantes que têm sido cobrados nos portos brasileiros, fazendo com que o volume exportado do Brasil esteja caindo.
Para que a leitora tenha uma ideia do problema, antes da pandemia, em janeiro de 2020, o custo médio do frete marítimo internacional para um contêiner era de cerca de US$ 1.500. No auge da pandemia, em setembro de 2021, o preço médio do frete chegou ao patamar alucinante de cerca de US$ 11 mil, e, no momento atual, tem se estabilizado em torno de US$ 3.500, bem acima da média registrada antes da pandemia. Com a reabertura da economia chinesa, a demanda poderá se elevar rapidamente, jogando o frete marítimo novamente nas alturas, com o risco mesmo de inviabilizar a exportação dos produtos de muitas empresas brasileiras.
<a href="https://trademap.com.br/agencia/mercados/preco-do-frete-maritimo-despenca-em-2022-mas-ainda-esta-alto-e-pode-subir-de-novo">Segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI),</a> a quase totalidade das empresas envolvidas no comércio exterior brasileiro já foi afetada. Para 92% dos exportadores e 95% dos importadores, o alto preço dos fretes marítimos é simplesmente o principal problema a ser enfrentado neste momento.
Isso tudo é uma consequência da decisão tomada no final dos anos 1990 de extinguir o Lloyd Brasileiro e deixar o país dependente de armadores estrangeiros. Nosso comercio exterior é tomador de preços líquido no mercado internacional de fretes marítimos e não tem influência alguma na formação dos preços.
A única solução para essa fragilidade estrutural da inserção da economia brasileira no mundo é o investimento em capacidade de transporte própria. <a href="https://www.portosenavios.com.br/artigos/artigos-de-opiniao/a-importancia-estrategica-da-amazonia-azul-para-o-rio-grande-do-sul">Como viemos defendendo pelo menos desde 2019 na imprensa nacional</a>, o Brasil precisa urgentemente reconstruir o Lloyd Brasileiro, para dotar o país de tonelagem estratégica para participar de forma altiva no comércio global. A reconstrução do Lloyd Brasileiro deve se dar na modalidade de uma empresa estatal, não voltada para a contabilização de lucros trimestrais, mas sim para a consecução de objetivos de desenvolvimento econômico e segurança nacionais.
Como a leitora bem pode apreciar, a falta de capacidade de transporte marítimo e a dependência de agentes externos é simplesmente o maior gargalo do comércio exterior brasileiro. Que a exuberância deste carnaval nos leve a um período de profunda reflexão sobre o maior erro estratégico cometido no último meio-século em nosso país, que foi termos virado as costas para o mar, em um movimento de abandono de nossa tradição marítima, cujo ápice foi a extinção do Lloyd Brasileiro. A Quaresma é um tempo de reflexão e de penitência pelos erros passados. E o preço dos fretes marítimos não nos deixarão esquecer disso. Ne quid expectes amicos, quod tute agere possis.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
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<a style="font-weight: 300;" href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Não espere dos amigos aquilo que você pode fazer com segurança.

comércio exterior

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JOTA

Uma reflexão profunda sobre o principal gargalo estratégico do nosso comércio exterior

O Carnaval, a Quaresma e o mar

Uma reflexão profunda sobre o principal gargalo estratégico do nosso comércio exterior