Marcilio Braz Jr

Em setembro do ano passado, em meio às merecidas comemorações pela entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), alertei para um verdadeiro “cavalo de Tróia” escondido no art. 19 da lei, mais precisamente, o que determina que empresas e órgãos públicos assegurem aos titulares os direitos à informação e ao acesso dos dados destes de modo imediato ou em 15 dias, a depender do nível de detalhamento solicitado.
Quase seis meses depois do artigo e da entrada em vigor da lei, o assunto é retomado com o objetivo de ratificar o alerta, e agora de modo sustentado por dados obtidos nesse quase meio ano de vigência da lei.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Muito embora os holofotes estejam quase totalmente voltados nos últimos tempos aos recorrentes e cada vez maiores vazamentos de dados, a realidade com relação aos direitos dos titulares de dados tem mostrado um lado ainda mais preocupante.
Não sem surpresa, empresas de fora do Brasil que atuam em nosso mercado mostram-se bastante apreensivas quanto à impraticabilidade de atender os pleitos dos titulares em exíguos 15 dias. Senão vejamos alguns exemplos:
Adriana Antunes Winkler, gerente de governança e proteção de dados na Reyes Holdings LLC – 8a. maior empresa dos EUA –, que lida diariamente com legislações de Proteção de Dados que vão desde a europeia GDPR ao CCPA californiano, passando por leis da Ásia, Oriente Médio e África, relatou-me preocupação em como, de fato, atender aos nossos prazos.
<blockquote class="jota-article__eye">Se uma empresa deste porte vê isso como um problema, o que dizer da grande maioria das empresas brasileiras, a mesma maioria que sequer sabe ainda sobre a existência da lei?</blockquote>
Some-se a isso um outro aspecto relevante dessas requisições: de onde elas partem. É natural pensar num primeiro momento nos clientes externos, porém, no mesmo estudo da Sapio referido no artigo de setembro último, a quantidade de demandas oriundas de funcionários em face às suas empresas é num volume quase equivalente ao dos clientes destas.
Um Data Protection Officer (DPO) com atuação numa grande empresa europeia relatou que houve um aumento de 5 vezes, entre 2019 e 2020, no volume de demandas dessa natureza por parte dos funcionários (e ex-funcionários) por lá.
Atravessando o Atlântico e olhando para dentro de casa, outra profissional de uma empresa multinacional na área de serviços de tecnologia reporta o mesmo fenômeno, mas desta vez com seus colaboradores no Brasil.
Considerado o “dilema” que existe entre garantir que o nível de conscientização por parte dos colaboradores quanto à LGPD seja elevado de modo a mitigar o risco de inobservância à lei por parte da organização e estar receoso quanto ao empoderamento desses mesmos colaboradores que se reflete no aumento de DSARs (Data Subject Access Requests) contra a própria empresa, resta evidente que o mínimo que pode ser feito é uma revisão urgente com relação aos prazos de nossa lei.
Em meio a tantos desafios naturais para uma legislação nova, ainda desconhecida em existência e conteúdo pela maioria somado aos “fabricados”, como o mito do consentimento como única forma de legitimação do tratamento de dados pessoais ou da interpretação de conceitos basilares e simples como o de agentes de tratamento (controlador/operador) baseada no conceito russo do ostranenie – explicar o desconhecido pelo conhecido, no caso, tomar equivocadamente um conceito inédito em nosso ordenamento por um existente, o da relação hierárquica – uma reforma legislativa urgente se faz necessária.
Pensando na viabilidade do objeto do art. 19, ao menos uma dilatação daquele prazo, talvez espelhando a lei europeia, para 30 dias com possibilidade de prorrogação por mais 60, seria a decisão mais acertada.
Cabe agora aos nossos legisladores, ao invés de se preocupar quanto à data de início das sanções como observamos recentemente, atentar para algo mais relevante, fundamental em qualquer lei: que os beneficiários dessas tenham seus direitos assegurados, mas que os são obrigados a provê-los, tenham condições de fato de assim fazê-lo.
<hr />
O episódio 52 do podcast Sem Precedentes discute os bastidores e as desconfianças envolvendo o caso Lula no Supremo Tribunal Federal. Ouça:
https://youtu.be/1T8EYyNCQeM

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JOTA

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