Alexandre Barreto

No mês de setembro, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a Resolução n° 21/2018, que regulamenta o acesso a informações e documentos constantes de processos de investigação em andamento na autarquia. Essas informações e documentos são provenientes principalmente dos Acordos de Leniência, dos Termos de Compromisso de Cessação (TCC) e de buscas e apreensões.
O principal objetivo da norma é o fomento às ações civis de reparação por danos concorrenciais (ACRDC). Para tanto, houve intensos debates no Cade ao longo de meses, posteriormente complementados com as sugestões da sociedade civil, especialmente dos advogados que atuam no direito concorrencial. Em suma, foram estabelecidas regras mais claras sobre o que pode e o que não pode ser disponibilizado nas situações em que a autarquia recebe pedidos de cópias de processos, resultado que está em linha com as melhores práticas internacionais, obviamente adaptadas à sociedade e ao direito brasileiro.
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O maior desafio foi encontrar o equilíbrio mais eficiente entre o fomento às ações privadas de ressarcimento por danos concorrenciais, o chamado enforcement privado, e a necessidade de preservar a atratividade das colaborações voluntárias com as investigações em andamento.
Por melhor que seja o funcionamento de um ente público, sua interação eficiente com outras entidades e com a sociedade tende a apresentar melhores resultados. O insulamento burocrático tende a produzir resultados sub-ótimos. A experiência do Cade comprova que a cultura dos participantes da defesa da concorrência no país, do setor público e do setor privado, é de criação de uma sinergia muito positiva. 
Em função disso e de outros fatores, o Cade é reconhecido no plano internacional como uma das melhores agências antitruste do mundo, e, no plano interno, como exemplo de efetividade, eficiência e transparência na administração pública. De forma mais específica, a autarquia criou institutos que possuem notável credibilidade, como o Termo de Compromisso de Cessação de Condutas, o Acordo de Leniência e o sistema de proteção da confidencialidade das informações e documentos recebidos dos entes privados. Além disso, destaca-se a transparência na atuação da autarquia, por meio de constantes reuniões com as partes e a publicização dos julgamentos e das decisões.
 Com tudo isso, o grau de confiabilidade da sociedade civil na atuação do Cade é elevado, refletindo em respeito, adesão e colaboração. Posto de forma simples, possuímos um sistema que funciona muito bem, que permite sinergia positiva e que gera um ciclo muito virtuoso.
Ocorre que qualquer pessoa, instituto ou organização, incluindo o Cade, naturalmente possui suas limitações, das quais pode-se citar, como exemplo, uma estrutura bastante enxuta para lidar com atos de concentração e infrações que ocorrem por todo o país. No entanto, como dito, ainda que tivesse uma estrutura bem maior, em geral o Estado funciona melhor quando trabalha de forma cooperativa com a sociedade.
Assim, a partir da complementariedade entre as atuações do Cade e do setor privado, é possível um maior enforcement da lei concorrencial e um aumento dos benefícios sociais dele decorrentes. O compartilhamento de informações sobre infrações à ordem econômica, a fim de facilitar a atuação das vítimas ou seus representantes na busca pelo ressarcimento dos danos sofridos, caminha nesse sentido.
De um ponto de vista privado, é justo que as vítimas sejam indenizadas pelos infratores. Essa iniciativa, ainda que privada, também é importante de um ponto de vista público, pois reforça um ambiente de negócios em que o mais lucrativo é atuar dentro das regras do jogo. O Cade, por meio dos processos sancionadores, busca isso, mas os instrumentos à sua disposição podem e devem ser complementados com outro instrumento jurídico, operado pela própria sociedade, quando busca ressarcimento civil decorrente de danos concorrenciais.
Como já mencionado, o grande obstáculo na construção da Resolução n° 21/2018 foi encontrar o equilíbrio mais eficiente entre a atuação estatal punitiva e a atuação privada indenizatória. Regras que favoreçam excessivamente a persecução privada, por exemplo, disponibilizando todas e quaisquer informações e documentos dos beneficiários da leniência e dos compromissários de TCC reduziriam os incentivos para esses acordos, no limite inviabilizando esses institutos. Por outro lado, regras de compartilhamento excessivamente restritivas poderiam ser um empecilho no sucesso das vítimas para a obtenção do seu devido ressarcimento.
Desse modo, uma preocupação que tivemos foi que a Resolução n° 21/2018 não ferisse nossa “regra de ouro”, especialmente no Programa de Leniência: a empresa que busca o Cade para colaborar, especialmente em sede de leniência, não pode sair do processo em situação pior em comparação com as demais envolvidas na conduta investigada.
Em suma, o objetivo da Resolução é chegar o mais próximo possível de um equilíbrio ideal entre o que é útil e necessário à atuação do Cade e o que é útil e necessário ao enforcement privado. Com isso, buscamos alcançar a maximização da efetividade total do combate às infrações contra a ordem econômica. 
<h3 align="justify">Conteúdo da Resolução n° 21/2018</h3>
A regra geral estabelecida na referida Resolução, logo em seu artigo 1º, é que todos os documentos constantes em processos no Cade são públicos. Aliás, esse é o princípio que deve reger todos os processos administrativos, conforme previsto na Lei n° 12.527/2011, também conhecida como Lei de Acesso à Informação. No entanto, de modo a preservar o andamento das investigações e aa informações de caráter sigiloso, sua divulgação, se devida, deverá observar o momento processual adequado e a própria natureza das informações.
Assim, o artigo 2º da Resolução traz um rol de documentos que serão disponibilizados apenas em situações específicas, como, por exemplo, o Histórico da Conduta, que é um documento elaborado pelo Cade e que contém a descrição detalhada da conduta anticompetitiva, com base nas informações e documentos apresentados pelo proponente do acordo de leniência. Sua divulgação ocorrerá apenas nos casos especificados no artigo 3º da Resolução, como, por exemplo, determinação judicial ou autorização do signatário do acordo de leniência.
 Há ainda um segundo grupo de informações, cujo sigilo poderá ser preservado para assegurar a elucidação dos fatos em investigação, a critério da Superintendência-Geral do Cade. Tais informações permanecerão restritas até o julgamento do caso, após o qual serão automaticamente publicizadas, conforme os artigos 10 e 11 da Resolução.
 Uma inovação interessante trazida pela Resolução em seu artigo 12 consiste na possibilidade de ressarcimentos efetuados no âmbito de ações de reparação por danos concorrenciais serem considerados como circunstância atenuante para a aplicação de multas ou contribuições pecuniárias negociadas pelo Cade. Trata-se de mais uma medida de incentivo ao enforcement privado. A Resolução não disciplina, propositalmente, o percentual de desconto que será concedido em cada caso. Optou-se por aguardar casos concretos para que a medida seja avaliada, e, posteriormente, regulamentada, quando da revisão do Guia de TCCs, o que deverá ocorrer em breve. 
Com isso, faço aqui um convite aos profissionais e pesquisadores, do setor público ou privado: reflitam sobre o tema.
Para concluir, gostaria de ressaltar, como apontei acima, que todos os institutos, organizações e pessoas podem ser aperfeiçoados. Nada nasce pronto e perfeito, e dificilmente algo chega à perfeição. Embora a Resolução seja um passo relevante na defesa da concorrência no país, críticas construtivas são muito bem-vindas, e o Cade continuará aberto para tudo que possa ser positivo para sua atuação em prol da sociedade.

Cade

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JOTA

Nada nasce pronto e perfeito, e dificilmente algo chega à perfeição

O Cade e o compartilhamento de informações e documentos

Nada nasce pronto e perfeito, e dificilmente algo chega à perfeição