Mauro Grinberg

Em situações nas quais pessoas jurídicas e físicas querem lutar contra (i) débitos que entendem ser indevidos ou (ii) cobranças que entendem abusivas, vão a Juízo e, para obter a inexigibilidade de tais supostas e/ou possíveis obrigações, oferecem garantias e com isso conseguem ordem judicial suspendendo a cobrança e a inscrição em cadastros negativos.
Tal é a situação das condenações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) por conta de infrações contra a ordem econômica que por vezes geram a aplicação de multas consideráveis. Por se tratar de matéria razoavelmente nova no direito brasileiro, com jurisprudência ainda incipiente nas esferas mais altas do Poder Judiciário, há ainda mais dúvidas do que certezas. Com efeito, a caracterização do cartel, da venda casada, do preço predatório, da discriminação, da fixação do preço de revenda, etc. é matéria que o Poder Judiciário ainda deve examinar à luz do direito brasileiro, já que em diversos casos temos conceitos “importados”, sobretudo do direito norte-americano.
Essa discussão das decisões do Cade no Brasil exige, para a suspensão da cobrança, a garantia do Juízo, conforme o art. 98 da Lei nº 12.529, de 2011: “O oferecimento de embargos ou o ajuizamento de qualquer outra ação que vise à desconstituição do título executivo não suspenderá a execução, se não for garantido o juízo no valor das multas aplicadas, para que se garanta o cumprimento da decisão final proferida nos autos, inclusive no que tange a multas diárias”.
Essa garantia pode ser constituída de depósito em dinheiro, fiança bancária, seguro de crédito, hipoteca ou penhor judicial, desde que suficiente para a sua finalidade. Historicamente o Cade tem insistido em que tal garantia seja o depósito em dinheiro mas a leitura do texto legal acima não admite tal interpretação pois fala em garantia de maneira ampla.
Além da vantagem de não imobilizar o valor necessário para a garantia do Juízo, o depósito em dinheiro encontra um outro problema, caracterizado no § 3º do art. 98 da Lei nº 12.529, de 2011: “O depósito em dinheiro não suspenderá a incidência de juros de mora e atualização monetária, podendo o Cade, na hipótese do § 2o deste artigo, promover a execução para cobrança da diferença entre o valor revertido ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos e o valor da multa atualizado, com os acréscimos legais, como se sua exigibilidade do crédito jamais tivesse sido suspensa” (§ 2º: “Revogada a liminar, o depósito do valor da multa converter-se-á em renda do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos”; sintomaticamente não existe previsão equivalente para a hipótese em que o questionador da decisão for vencedor, como se o legislador nem tenha pensado na possibilidade).
Ora, feito o depósito do valor atualizado, a contagem dos juros e da correção monetária deve cessar porque passa a ser de responsabilidade de quem gere tais depósitos (bancos oficiais designados pelo Poder Judiciário) e não mais do suposto devedor. Este cumpriu sua obrigação e não lhe cabe zelar pela boa aplicação do valor depositado, cuja atualização passa a ser de responsabilidade do banco oficial.
Isso fica ainda mais grave com a edição da Lei Complementar nº 151, de 2015, cujos arts. 2º e 3º estabelecem: “Os depósitos judiciais e administrativos em dinheiro referentes a processos judiciais ou administrativos, tributários ou não tributários, nos quais o Estado, o Distrito Federal ou os municípios sejam parte, deverão ser efetuados em instituição financeira oficial federal, estadual ou municipal”. “A instituição financeira oficial transferirá para a conta única do Tesouro do Estado, do Distrito Federal ou do Município 70% (setenta por cento) do valor atualizado dos depósitos referentes aos processos judiciais e administrativos de que trata o art. 2º, bem como os respectivos acessórios”.Com a utilização de tais valores pelo ente público, é possível imaginar que as partes vencedoras (cuja existência o legislador insiste em não contemplar) tenham dificuldade em receber os valores depositados.
É bem verdade que os dispositivos acima não incluem a União Federal e suas autarquias (entre as quais o Cade) mas os comentários indicam que isso é questão de tempo.
De qualquer sorte, devemos tirar desse dispositivo a lição do seu art. 10: “Encerrado o processo litigioso com ganho de causa para o ente federado, ser-lhe-á transferida a parcela do depósito mantida na instituição financeira (...) acrescida da remuneração que lhe foi originalmente atribuída” (novamente não existe previsão equivalente para a hipótese em que o questionador da decisão for vencedor). O que aqui se vê é a inexistência de qualquer acréscimo posterior quando o questionador da obrigação garante a dívida com um depósito, o que difere totalmente do § 3º do art. 98 da Lei nº 12.529, de 2011, que, por sua vez, vai contra o art. 884 do Código Civil: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”.
Pode ser dito aqui que, na hipótese acima prevista, o Cade não terá enriquecido, muito menos ilicitamente. Mas a proibição de enriquecimento ilícito também não pode proibir o empobrecimento ilícito de quem já cumpriu sua obrigação; se há enriquecimento, este é da instituição financeira oficial, indicada pelo Poder Judiciário e não decorrente da escolha do questionador da obrigação, pois a parte terá depositado os valores corretos e atualizados.
É possível entrar aqui no debate sobre conflito de leis no tempo (qual lei teria sido revogadora e qual lei teria sido revogada?), fiquemos com a ofensa ao princípio da proporcionalidade, previsto no art. 2º da Lei nº 9.784, de 1999: “A Administração Pública obedecerá, dentro outros, os princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”.
Para Odete Medauar, “o princípio da proporcionalidade, consiste, principalmente, no dever de não serem impostas, aos indivíduos em geral, obrigações, restrições ou sanções em medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público, segundo critério de razoável adequação dos meios aos fins” (“Direito Administrativo Moderno”, RT, São Paulo, 2012, pág. 143). Assim, se o valor da obrigação foi depositado com a devida atualização até o momento do depósito, é desproporcional a exigência de valores complementares para com a parte que fez tal depósito. Se a alguém pode ser exigida tal diferença, trata-se da instituição financeira oficial.
É importante mostrar que Celso Antonio Bandeira de Mello vê respaldo constitucional no princípio da proporcionalidade: “Assim, o respaldo do princípio da proporcionalidade não é outro senão o art. 37 da Lei Magna (...). O fato de ter que buscá-lo pela trilha assinalada não o faz menos amparado, nem menos certo ou verdadeiro, pois tudo aquilo que se encontra implicado em um princípio é tão certo e verdadeiro quanto ele” (“Curso de Direito Administrativo”, Malheiros, São Paulo,m 2003, pág. 102).
Do que vai acima exposto é forçoso concluir que:
(i) para garantir o Juízo em ações contra o Cade, visando desconstituir ou anular sanções monetárias impostas pela autarquia, não é obrigatório o depósito, podendo ser oferecidas outras garantias, desde que idôneas e suficientes; e
(ii) se realizado o depósito judicial no valor até então atualizado, é descabida a exigência posterior de complementação de juros e correção monetária.

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JOTA

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