Matheus Valerio Barbosa

Benedito Villela

Fora <a href="https://www.metropoles.com/colunas/rodrigo-rangel/exclusivo-superquebra-de-sigilo-ordenada-por-alexandre-de-moraes-mira-o-coracao-do-bolsonarismo">noticiado na imprensa</a> que o ministro do STF Alexandre de Moraes teria determinado uma “superquebra” de sigilos, com a interceptação de dados de oito integrantes do núcleo estratégico ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro e que seriam responsáveis pela organização e financiamento de atos que, por não aceitarem o resultado das últimas eleições presidenciais, propunham um golpe de Estado a princípio para impedir o presidente eleito de tomar posse, desaguando no <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/ao-vivo-investigacoes-e-prisoes-pela-invasao-do-congresso-do-stf-e-do-planalto-11012023">caos e depredação da praça dos Três Poderes</a> e das sedes do Executivo, Legislativo e especialmente do Judiciário que foi mundialmente divulgado no último fim de semana.
O superlativo utilizado para qualificar o ato do ministro decorre do fato de que a decisão teria autorizado a quebra de sigilo não só dos alvos nela especificados, mas de pessoas que tenham mantido contato de qualquer natureza com eles. Ou seja, a medida extrapola o âmbito dos investigados no inquérito, atingindo um sem-número de outras pessoas (ainda que não tomem parte nos fatos apurados), permitindo assim um cascateamento de acesso sem critérios objetivos claros.
Essa postura implica na ocorrência de uma fishing expedition, jargão utilizado no meio jurídico para qualificar medidas investigativas genéricas, indiscriminadas, estendidas e especulativas, que sem um objetivo definido ou um aspecto específico, busca provas e indícios quaisquer que subsidiem a investigação, sendo que o fato relevante é que há muito se decidiu que medidas dessa natureza não são compatíveis com as normas brasileiras, por violar direitos e garantias individuais: em situações nas quais discutia-se a possibilidade de cumprimento de busca e apreensão estendida (em locais além daqueles que eram mencionados expressamente na ordem judicial), e quebra de sigilo telefônico com base em uma lista ampla e não individualizada de alvos, por exemplo, o próprio STF e o STJ firmaram entendimento de que a produção de provas deve ser produzida sempre respeitando os direitos e garantias dos investigados, dentro da proporcionalidade e razoabilidade e sem abusos, sob pena de tais provas serem consideradas ilegais. Curioso que parta do próprio STF, ainda que monocraticamente, uma medida tão descabidamente ampla.
Não se nega a importância da atuação do TSE e do STF na condução do atribulado e complexo pleito presidencial de 2022 e de seus capítulos subsequentes, que desaguaram na versão tupiniquim da invasão ao Capitólio. No que pese seus (muitos) excessos, a condução do ministro Alexandre de Moraes vem sendo essencial em momentos-chave, no qual se atingiu o limiar entre uma República com instituições em funcionamento e um caos generalizado e autoritarismo, senão guerra civil, que vem tendo suas sementes semeadas e já em início de colheita.
Porém, tão importante para um Estado democrático de Direito quanto eleições livres e limpas (como ocorreu) é o respeito às garantias e direitos de todo cidadão, ainda que ele mesmo atue contra o sistema que lhe concede tais direitos e garantias. Os excessos por parte de um dos Três Poderes ou de uma parcela minoritária de celerados dentre os cidadãos brasileiros jamais pode ser justificativa para outros excessos em contrapartida, especialmente por parte do Poder responsável por ser o último defensor da Constituição Cidadã, como é conhecida a Constituição Federal de 1988.
Além disso, como já criticado anteriormente quando da <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/daniel-silveira-usou-mandato-como-escudo-protetivo-diz-moraes-ao-votar-por-condenacao-20042022">prisão do então deputado federal Daniel Silveira</a>, decisões como essa representam, a depender da forma em que foram expedidas (leia-se, se tomada de ofício, sem provocação de quem de direito e sem respaldo da coletividade julgadora), um ativismo judicial que, igualmente, fere danosamente a democracia como um todo.
O sistema de freios e contrapesos entre os Poderes é essencial para o Estado democrático de Direito, na medida em que eventual excesso de um Poder é coibido pela atuação do outro – sendo que na perversão constitucional vivida neste início de 2023, de coibido o excesso passou a ser cobiçado. Ora, mas e se de fato a decisão se enquadra na hipótese levantada, e sendo oriunda da Suprema Corte do país, como e por quem eventual abuso será coibido? E no caso de uma decisão unilateral vinda do último tribunal, caberá a quem rever, revivendo o imortal brocado de Juvenal: Quis custodiet ipsos custodes? Quem vigia os vigilantes?
Alguns argumentam que a onda de depredação provocada pelos "patriblocks" – uma vez que se autointitulam patriotas mas que agem como black blocks, em toda sua covardia típica de revolucionários de final de semana, afinal invadiram prédios fechados e sem nenhuma autoridade presente ao contrário da tão aclamada tomada de poder na posse do ex-condenado e ainda réu presidente eleito – teria sido provocada pelos já citados excessos do aludido ministro, o que somente se justifica pelo escalonamento constante e evidente de tensões de egos inflamados à frente de dois dos Três Poderes da República há pelo menos dois anos.
Contudo o que é um fato é que o Brasil vive uma era de extremos e de excessos constitucionais, jurídicos e fáticos: sem uma resposta imediata rápida do Judiciário, essa paquidérmica tentativa de golpe teria chance de sucesso, de forma que o STF no ápice histórico de seu ativismo judicial passou a andar de braços dados com o chefe do Executivo por eles condenado e recentemente descondenado contra o vandalismo coordenado, que agora é condenado inclusive por um presidenciável que se tornou notório por organizá-los.
Importante que se apure e, uma vez provadas as condutas criminosas e identificados seus autores, que se puna os autores intelectuais e materiais do gravíssimo atentado ocorrido contra a República, inclusive e em especial as figuras públicas e políticas.
Aqueles que se alojaram em frente a quartéis e, ao final, não tiveram pudor de levar a cabo seu anseio golpista por não se conformarem com o resultado das eleições gerais de 2022, performando o vexame do Capitólio tupiniquim, foram alimentados intelectualmente (?) por narrativas mentirosas diuturnamente veiculadas por pessoas conhecidas das autoridades, que lucraram com os cliques e views em seus vídeos e postagens em redes sociais com conteúdo claramente falso, manipulado e golpista; materialmente, receberam farto suporte não só para manter por mais de dois meses seus acampamentos em frente a quartéis, mas também para se deslocar em dezenas de ônibus para a capital federal e depredar o patrimônio público, causando danos incalculáveis.
Essa pesca fisgará muitos peixes grandes, certamente, mas deve se dar dentro do que o ordenamento vigente permite. Por pior que seja a intenção de quem está nesse mar de lodo, nada justifica que se apele para a pesca proibida, nem mesmo o grave e inédito ataque às instituições realizado no último dia 8 de janeiro, especialmente para fins de vendeta pessoal e uma queda de braço de egos erroneamente institucionalizados. Somente assim essa tentativa de golpe, bem como o tão alardeado possível contragolpe do outro lado, que por ora está no poder, poderão ser evitados, e as sementes de uma improvável, porém crescente, chance de uma guerra civil, destruídas.

Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto.

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JOTA

STF e STJ firmaram entendimento de que produção de provas deve ser produzida respeitando direitos e garantias dos investigados

O Brasil na era dos extremos: da pescaria de Moraes ao vandalismo dos 'patriblocks'

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