Wagner Menezes

Como resultado de dez anos de negociações internacionais desenvolvidas a partir da década de 70, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar foi finalizada no dia 10 de dezembro de 1982, delimitando espaços jurídicos, exploração econômica dos recursos do mar, pesca, proteção do meio ambiente, transferência de tecnologia e investigação científica marinha, bem como mecanismos de solução de controvérsias entre os Estados.
O Tratado conta hoje com a adesão expressiva de mais de 165 Estados e representa consciência coletiva universal que estabeleceu uma ordem jurídica para o uso compartilhado dos espaços marítimos, como instrumento de relações de paz entre Estados e povos, colocando fim a um ambiente anárquico e potencialmente sujeito a hegemonia que marcou, ao longo da história, as relações entre Estados e povos no mar, muitas vezes definindo sua sorte e destino.
No contexto dos seus 320 artigos, a Convenção regulamenta uma gama de temas que se complementam e dialogam, caracterizando-se como um documento transdisciplinar, multifacetado e complexo, envolvendo preocupação com a utilização eficiente dos recursos do mar, conservação dos recursos vivos, estudo, proteção e preservação do meio ambiente marinho, regime jurídico dos navios, proteção de espécies migratórias e sedentárias, uso comum do alto mar e dos fundos oceânicos, regime jurídico das ilhas e estreitos, direitos de navegação, instalação de cabos e dutos submarinos e ilhas artificiais, combate à pirataria, tráfico de drogas e armas no mar, entre outros temas.
Para o Brasil, que conta com uma costa com 7,4 mil quilômetros, a Convenção deu contribuição fundamental para o reconhecimento dos seus contornos geográficos, amplificando o território nacional, seus espaços de exercício de jurisdição, garantindo a exploração econômica em zonas que poderiam ser contestadas internacionalmente antes de sua negociação. Além disso, com fundamento em dispositivos do tratado, existem espaços que podem ainda ser reconhecidos e que possuem fontes de riquezas e recursos naturais e que, sob liderança da Marinha do Brasil, têm sido reclamados em foros internacionais como a <a href="https://brasil.un.org/">ONU</a> na Comissão dos Limites da Plataforma Continental, compondo discurso político institucional da “Amazônia Azul”.
A Convenção consolidou entendimento sobre a dimensão do “mar territorial” a partir de linhas de base que partem da costa e seguem ao longo de 12 milhas náuticas, permitindo ao Estado brasileiro o exercício pleno de sua jurisdição, regulamentação de portos e tráfego de navios, controle administrativo, fiscal e sanitário com aplicação de suas leis. Ao mesmo tempo reconheceu uma zona contígua de 12 milhas, adjacente ao mar territorial onde pode exercer controle de suas regras aduaneiras, fiscais, migratórias e sanitárias.
De forma inédita a Convenção criou o Conceito de “Zona Econômica Exclusiva”, como espaço marítimo de 200 milhas náuticas medidas a partir das linhas de base da costa, onde o Estado brasileiro pode exercer direitos de soberania para exploração e, aproveitamento e conservação dos recursos naturais, das águas sobrejacentes ao leito do mar e seu subsolo, com vista a exploração para fins econômicos como a produção de energia e, além disso, poder de jurisdição para regular a instalação de ilhas artificiais e estruturas, investigação científica marinha, proteção e preservação do meio marinho, especialmente os estoques de espécie e regulamentação da pesca.
Outro espaço atribuído ao Brasil pela Convenção foi o direito soberano sobre a utilização da “Plataforma Continental”, espaço geológico submerso constituído pelo leito e subsolo e que compreende prolongamento natural de seu território terrestre chegando até 200 milhas náuticas, ou mais, sendo espaço onde podem ser encontrados diversos recursos minerais, pedras preciosas, mas também envolve direitos de perfuração para obtenção de petróleo e gás, aliás, onde são extraídas quase a totalidade da produção brasileira atualmente, sendo economicamente estratégico e fundamental para o Estado brasileiro.
A Convenção disciplinou ainda o uso coletivo do “alto mar” como espaço comum da humanidade e os “fundos oceânicos” como “patrimônio comum da humanidade” de onde a exploração econômica de minérios só pode ser feita por intermédio da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos e com distribuição equitativa para todos os povos. Atualmente na ONU os Estados discutem a proteção, aproveitamento e distribuição dos recursos derivados da biodiversidade marinha, e o Brasil, sob liderança do Itamaraty, tem sido um partícipe altivo e dinâmico.
Com o avanço das tecnologias, nos últimos anos o espaço marinho tem sido redescoberto com grande potencial econômico que não pode ser ignorado pelos Estados. Os diferentes tipos de energia eólica e ondomotriz tem grande potencial, especialmente no quadro de busca de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/energia-renovavel">energia renovável</a>; a mineração no mar deve ser acelerada com o estabelecimento de espaços ricos em minérios e tecnologia de extração; o mapeamento genético de plantas, espécies e algas deve abrir novo mercado para laboratórios e empresas de cosméticos com impacto em propriedade intelectual; a pesca a partir de embarcações com maiores recursos tecnológicos e, por conseguinte, o controle de estoques deve ser adotado como mecanismo de segurança alimentar pelos Estados, o avanço da ciência e o desenvolvimento de novas tecnologias levará a aprimoramento do transporte de cargas, serviços de portos e dinamização do comércio, impactando na renovação e atualização do setor.
A partir da consolidação da Convenção, o desafio para o Estado brasileiro é utilizar seus dispositivos como mecanismo de afirmação de sua soberania e estratégia para desenvolvimento econômico e social, compreendendo o mar como espaço que deve ser melhor aproveitado, havendo grandes possibilidades de aprimoramento de seu potencial energético e da economia do mar.
O Brasil é essencialmente um Estado marítimo, mas parece ignorar suas potencialidades. Agora, com a celebração dos 40 anos da Convenção, é preciso que incorpore definitivamente a “mentalidade marítima” e, a exemplo de outros países, desenvolva iniciativas voltadas a dar tratamento político adequado ao mar para além de um espaço de defesa de soberania e, mais que isso, como espaço geográfico territorial, ambiente dos recursos econômicos fundamentais que potencialmente representa avanço para o desenvolvimento econômico e social da sociedade brasileira.

Navio petroleiro em porto

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JOTA

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