Janaína Penalva

Quando você me abraçar, vou sentir o seu perfume. Tomara que você possa escolher qual perfume usar. O olfato é um sentido muito forte para que você seja obrigado a emanar uma essência que não gosta ou abraçar alguém que tem um cheiro que não te agrada. Ainda bem que não há uma lei dos perfumes, uma norma que punisse mulheres que usam perfumes de ervas, homens que cheirassem a flores e, principalmente, quem fizesse alquimia com os cheiros. Uma lei assim só funcionaria com fiscalização.
Segundo a lei dos perfumes, todos podem ser fiscais do cheiro. Eles atuam sem restrições, você não os conhece, eles não estão identificados, mas têm o poder de polícia. Os perfumes viriam com maior capacidade de fixação de forma que você não pudesse trocar de perfume no decorrer da sua vida. Sim, uma vez escolhida a essência não se pode mais trocar. É lei. Se seu olfato mudar no decorrer da sua vida ou se você escolheu o aroma errado pressionado por seu pai, que adora aquele perfume e usou a vida inteira, só podemos lamentar. Se você arriscar qualquer mudança, é melhor estar preparado para as punições que vão desde narizes tortos até assassinato. O cheiro de alguém é uma questão pública, temos que manter a ordem natural dos aromas.
No parlamento, a bancada dos boticários estuda aprimorar a lei, querem ampliá‐la para um Estatuto dos Cinco Sentidos que regule todas as escolhas sobre o sentir, de forma que não tenhamos uma babilônia na sociedade. No capítulo Fragrância, a bancada quer incluir a pena do ostracismo. Em Atenas, o ostracismo era uma punição que representava o desterro do indivíduo por 10 anos. Quem decidia se o infrator receberia essa pena era a maioria dos cidadãos atenienses. Na proposta dos parlamentares, a maioria também zela pela ordem natural dos sentidos. Se há acusações sobre escolhas ilegais, convoca‐se um plebiscito. No caso das fragrâncias, se a sociedade for liberal, pode ser que a liberdade de cheiro siga intacta e que ninguém seja excluído nos plebiscitos. Mas se os votantes forem conservadores, então mulheres devem cheirar a jasmim, baunilha, gardênia, pera e homens podem cheirar a pimenta, canela, noz‐moscada, gengibre, sândalo. Um plebiscito pode parecer democrático, mas certamente não é justo nesse caso. A maioria não é o melhor juiz de nossas escolhas privadas.
Felizmente, não há uma lei dos perfumes tampouco a pena de ostracismo. Podemos escolher o aroma que mais nos agrada e podemos escolher nossas parceiras e parceiros pelo cheiro que têm. Toda alquimia é permitida. O cheiro do outro, aquele que nos arrebata, é da ordem das emoções. É comum olharmos para o perfume que está na bancada de quem nos rodeia e tentar usar, por repetição. Mas o aroma é algo tão forte que não há como gostar de um cheiro que não emociona. Mesmo que minha mãe tenha me ensinado que a madeira é cheiro bom porque nos remete à força física dos homens, ela sabe que não pode interferir. Sabe que se eu não suportar o peso da madeira, posso escolher estar perto de quem cheira a rosas.
A lei do cheiro nos lembra de Grenouille, o personagem principal do livroO Perfume. Grenouille é um assassino que não tem cheiro. Seu objetivo é formular um perfume perfeito para submeter o mundo. A ausência de limites éticos é representada no livro pela falta de cheiro. Quem não tem cheiro, não tem fronteiras e assim não tem diferença. Sem se diferenciar, não é possível estranhar o outro e assim encontrá‐lo. Relacionando o olfato com a  sensibilidade, a obra é brilhante em mostrar como até um perfume pode ser um dispositivo de dominação.
Há um cheiro de perfume no ar. Deixemos que esse frescor de liberdade sufoque os fiscais dos sentidos. Aumente a dose do seu cheiro no dia do amor, brinque de alquimista e mostre que só você sabe o que te faz suspirar.

Fingers painted featuring a gay couple on Valentines Day

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JOTA

Tomara que você possa escolher qual perfume usar.

O Boticário

Tomara que você possa escolher qual perfume usar.