Beatriz Saks Hahne

Danielle Tsuchida

Rodrigo Pereira

No início de setembro, adolescentes da classe média invadiram e roubavam apartamentos de alto padrão em São Paulo. Esse episódio tomou conta dos diversos canais midiáticos, que destacaram o fato de os infratores não encontrarem dificuldades para entrar nos edifícios por se passarem por moradores, serem brancos e estarem “bem vestidos”. Em matéria sobre um desses casos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, é afirmado que, como não eram violentos e possuíam família, os adolescentes não seriam responsabilizados judicialmente. A notícia chamou a atenção, pelo menos, para dois pontos: 1) Quem são os adolescentes dos quais se “deve” desconfiar? e 2) De que forma estamos olhando para os jovens? Para todos eles.
O modo como a imprensa deu a notícia foi similar ao ocorrido nos edifícios, uma vez que o uso da palavra adolescente é, geralmente, utilizado para referir a jovens da classe média, em oposição ao termo “menor”. Fossem eles aqueles de quem se “deve” desconfiar, a manchete grifaria “menores infratores”. Outro exemplo foi a mídia marcar o contexto familiar sem conhecer a realidade, pois a maior parte dos adolescentes internos na Fundação CASA tem família ou pessoas responsáveis por eles. A questão é em que condições sociais essas famílias estão vivendo e quais as políticas públicas que chegam a elas. Essa construção simbólica e subjetiva de quem são os criminosos cria estereótipos como este, pois é notório que, em sua maioria, eles são negros, pobres e moradores das periferias.
Ainda que nos marcos legais esteja prevista a igualdade de direitos a todo e qualquer cidadão, vide artigo 5º da Constituição Federal, é para este público, pobre, negro e periférico que a opinião pública pede recrudescimento penal. Nos últimos anos vimos acompanhando um retrocesso de direitos sociais que haviam sido garantidos por lei e o que parece ser uma espécie de endurecimento que dificulta o debate sobre temas que nos têm ocupado, como a violência. A pressão para a revogação do Estatuto do Desarmamento, a chamada “cura gay” e os linchamentos são alguns exemplos das recentes alternativas criadas como promessa para resolver o que vem sendo apontado como problemas sociais. Esses exemplos têm em comum o fato de defenderem um aspecto bastante individual dos “problemas”: é sempre possível que eu resolva ou “ajude” o outro a resolver. Por trás deles se esconde o fato de que nada que se dê na sociedade não é fruto, exatamente, dela.
Em relação aos adolescentes, têm aparecido poucas propostas políticas para melhoria de sua qualidade de vida, inserção no mundo do trabalho, conclusão do ensino formal e superior, entre outros. Ainda falamos muito pouco sobre o Estatuto da Juventude<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, por exemplo. A pauta da redução da maioridade penal permanece em constante ameaça no Congresso Nacional, agora, com a possibilidade de inclusão para votação na Comissão de Constituição e Justiça da PEC 33/2012, que defende que adolescentes a partir de 16 anos que cometam ato infracional devem ser julgados pelo sistema adulto. Aparentemente, isso não nos diz respeito. Aparentemente. Quando se defende que a internação é saída para a criminalidade, deixa-se de olhar para o que produz esta criminalidade. Como nos dão o que parece ser um remédio, a causa fica escondida e não precisa ser debatida com seriedade. Ou seja, quando a redução da maioridade penal aparece como solução, compramos gato por lebre e nos permitimos viver o dia a dia numa tranquilidade que, mais tarde, cobrará seu preço. É importante lembrar que o Estado de São Paulo já não sustenta o número de presos no sistema carcerário, nem o avanço progressivo da desigualdade social. Como sustentará a ampliação de vagas para estes adolescentes?
De acordo com o sociólogo José de Souza Martins<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> não há “exclusão social”. O que acontece é uma inclusão perversa de parte da população: são “formas pobres, insuficientes e, às vezes, até indecentes de inclusão”. É para estas pessoas que se pede o recrudescimento do poder punitivo: aquelas que vivem em condições limites, moram em regiões distantes do centro econômico das grandes cidades ou não podem consumir.
Uma nota técnica do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de 2015, sobre o perfil do adolescente em conflito com a lei no Brasil<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, aponta, mais uma vez, o que já se sabe há bastante tempo – são os negros os que mais sofrem privações materiais, violências de diferentes formas e que estão encarcerados. Quando a nota foi lançada, mais de 60% dos adolescentes privados de liberdade eram negros, 51% não frequentavam a escola, 49% não trabalhavam quando cometeram o delito e 66% viviam em famílias consideradas extremamente pobres.
Outra informação importante desta pesquisa diz respeito ao acesso à justiça pelo jovem negro. Ainda segundo a nota técnica, entre os negros que sofreram algum tipo de violência (dentro e fora de casa), a maior parte optava por não fazer qualquer denúncia pelos seguintes motivos: “não queria envolver a polícia”; “não era importante”; “medo de represália” e “a polícia não quis fazer o registro”. Entre os jovens brancos, os motivos para não fazer denúncia eram dois: “a polícia não quis fazer o registro” e “não acreditava na polícia”.
As respostas destes jovens apontam para um dado que precisamos olhar: o acesso à justiça, por grande parte dos jovens brasileiros, vem se dando apenas na condição de violentador. O fato de estes jovens sofrerem diferentes formas de violência e não se verem respaldados pelo Estado, certamente, influencia suas relações sociais. São jovens que sofrem, a cada dia, física e psiquicamente (medo, preconceito e estigma) e que não estão encontrando recursos e apoio institucional para lidar com essa condição. Que juventude estamos criando nesse contexto?
Segundo o Atlas da Violência 2017<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, mais de 318 mil jovens brasileiros foram assassinados no período entre 2005 e 2015; no ano de 2015, foram 31.264 homicídios de jovens entre 15 e 29 anos. No Brasil, ainda segundo o Atlas 2017, de cada 100 pessoas assassinadas, 71 eram negras. De saída – em razão da cor de sua pele - os negros têm mais chances (23,5%) de serem assassinados. Além disso, são esses os jovens que encontram maior dificuldade (por conta da baixa qualidade da escolarização básica) e resistência (em razão do preconceito) para se inserirem no mercado de trabalho. No quadro de crescimento econômico dos anos anteriores, e como o mercado de trabalho foi sendo qualificado, esses jovens, muitas vezes, se veem “sobrando”. Não conseguindo fazer parte são, com frequência, classificados como desinteressados, tornando para eles bastante difícil alguma participação social.
Considerando os dados apresentados, o adolescente desaparece enquanto alguém que se desenvolve, inclusive, socialmente. Como as políticas sociais vêm sendo construídas para que este adolescente apenas não infracione, não estamos conseguindo oferecer alternativas para que, além de não infracionar, ele tenha o que comer, o que vestir, como se deslocar pela cidade, um bom lugar para estudar e um trabalho de sua escolha. Parece difícil que esse adolescente tenha expectativa de vida. Esse é um dos preços que pagaremos: sem esperança e sem o reconhecimento do valor da vida, como esperar outra sociedade?
Parece que uma marca dessas soluções fáceis atuais – basta ter uma arma para se defender, é possível mudar o desejo do outro por alguém do mesmo sexo ou, se a justiça não resolve, resolvo eu – é que caímos sempre naquilo que o indivíduo pode, sozinho, fazer. A ideia parece ser: como vivemos em um mundo egoísta e violento, precisamos nos defender de toda forma e a qualquer custo. Uma das respostas que poderíamos dar para essa lógica é: enquanto um pode matar, todos podemos ser mortos. Não há fim para esse tipo de pensamento reducionista e vingativo. Neste sentido, essas saídas que têm “boa aparência” continuam a nos enganar da situação central. Abrimos a porta para um abismo, assim como fez o preconceito do qual o porteiro foi vítima, o fazendo abrir a porta para os “adolescentes bem vestidos”.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Garotos entre 11 e 15 anos se especializam em furtos de apartamentos em SP <a href="http://cbn.globoradio.globo.com/editorias/policia/2017/09/05/GAROTOS-ENTRE-11-E-15-ANOS-SE-ESPECIALIZAM-EM-FURTOS-DE-APARTAMENTOS-EM-SP.htm">http://cbn.globoradio.globo.com/editorias/policia/2017/09/05/GAROTOS-ENTRE-11-E-15-ANOS-SE-ESPECIALIZAM-EM-FURTOS-DE-APARTAMENTOS-EM-SP.htm</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> <a href="http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2012.852-2013?OpenDocument">LEI Nº 12.852, DE 5 DE AGOSTO DE 2013.</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> MARTINS, J. de S. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus, 1997.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> IPEA. Nota Técnica - O Adolescente em Conflito com a Lei e o Debate sobre a Redução da Maioridade Penal: esclarecimentos necessários. Brasília, 2015.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a><a href=" http://www.ipea.gov.br/portal/images/170602_atlas_da_violencia_2017.pdf."> http://www.ipea.gov.br/portal/images/170602_atlas_da_violencia_2017.pdf.</a><a href="#_ftnref5" name="_ftn5"></a>

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JOTA

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