Roger Stiefelmann Leal

Há pouco mais de quatro anos, <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/toffoli-inquerito-criticas-14032019">decidiu o STF abrir de ofício inquérito</a>, com base no artigo 43 do seu Regimento Interno, em face da “existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi, diffamandi e injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”. Outros inquéritos, desde então, foram instaurados de forma similar.  
Durante todo esse período, inúmeras críticas e contestações foram lançadas contra tais investigações, abertas e conduzidas diretamente pela Corte. Cumpre salientar, nesse particular, a veemente desaprovação contida em manifestações emitidas por vários membros ilustres do Congresso Nacional. <a href="https://jovempan.com.br/noticias/politica/marcel-van-hattem-culpa-ministros-do-stf-e-tse-por-ruptura-institucional-do-brasil-continuam-incentivando.html">Para um deles</a>, entre “muitos fatos graves” praticados no âmbito do STF, destaca-se “a criação do inquérito do fim do mundo, tudo em uma pretensa defesa da democracia, prejudicando o Estado Democrático de Direito”. <a href="https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/06/02/interna_politica,860468/deputados-bolsonaristas-afirmam-que-nao-vao-depor-em-inquerito-do-stf.shtml">Outro</a>, por sua vez, declarou que “há vários vícios nesse inquérito, há várias ilegalidades, e não só no mérito, porque a gente nem sabe qual crime esse cara está querendo investigar, mas também na forma, sendo descumprido diversos requisitos exigidos pelo nosso sistema processual”. Em discurso proferido da tribuna do Senado Federal, <a href="https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/03/30/girao-critica-inquerito-das-fake-news-no-stf">outro digno representante da sociedade brasileira</a> afirmou que “a manutenção desse inquérito sem fixação de prazo para término, sem objeto definido e com a participação acanhada do Ministério Público só encontra paralelo com situações vividas no Brasil durante as ditaduras”.  
As ácidas críticas, contudo, não resultaram na aprovação de medidas legislativas voltadas a alterar o quadro jurídico-normativo que dá suporte a tais inquéritos. O discurso político inconformado não foi suficiente para que se articulasse a deliberação de proposta legislativa consequente que impedisse a continuidade desses procedimentos.   
<h3> Inquéritos e legislação</h3>
Ainda em junho de 2020, <a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=755791517">apreciou o STF</a> ação movida contra a Portaria GP n.º 69, de 14 de março de 2019, que determinou a instauração de ofício do chamado inquérito das fake news. Naturalmente, o julgamento acabou por incluir a análise do preceito regimental que amparou a abertura da investigação. 
Ao examinar a questão, em face da ADPF n° 572/DF, reconheceu o ministro Alexandre de Moraes que “importantes razões de segurança jurídica conduzem ao debate do tema e à reafirmação da constitucionalidade integral do artigo 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, recepcionado pela Constituição Federal de 1988 com status de lei ordinária”. Nessa mesma linha, manifestou-se a ministra Cármen Lúcia, em seu voto, pela “validade, primeiro, do artigo 43 do Regimento Interno, que, na forma da jurisprudência já assentada até aqui no Supremo Tribunal, tem-se por recepcionado pela Constituição de 1988”. O mesmo entendimento foi, também, seguido pelo ministro Ricardo Lewandowski ao ponderar que “a decisão do presidente desta Corte e o inquérito dele decorrente encontram-se amparados em dispositivos regimentais recepcionados pela Constituição vigente e com força de lei”.  
Fica claro, portanto, que, ao julgar a constitucionalidade da disposição regimental que ampara a excepcional abertura de ofício de inquéritos pelo STF, a própria Corte admitiu sua recepção pela ordem constitucional como lei ordinária federal sobre matéria processual. Ou seja, seu reconhecido status normativo legitima plenamente que nova lei aprovada, em âmbito federal, mediante regular processo legislativo, encontra-se apta a modificar seu conteúdo. Outro diploma legal, segundo o entendimento sufragado nesse julgamento, poderia, em linha de princípio, obstar que o STF, por intermédio do seu presidente ou de outro ministro, instaure e conduza de ofício inquéritos em caso de “infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal”, determinando formas e procedimentos diversos.   
<h3> Iniciativas legislativas</h3>
Pesquisa realizada no portal da Câmara dos Deputados na internet apontou que, ainda em 2020, foi apresentada proposição voltada a modificar o aludido quadro normativo. Cuida-se do <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao/?idProposicao=2255425">PL 3.383</a>, de autoria do deputado Paulo Eduardo Martins (PSC/PR). Seu texto estabelece que, no caso de “infração à lei penal na sede ou dependência do Supremo Tribunal Federal ou contra qualquer de seus membros, o presidente do Tribunal requisitará a instauração de inquérito ao Procurador-Geral da República, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou requisitará a instauração de inquérito à autoridade competente, nos demais casos”[1].
Mais recentemente, proposta com teor semelhante foi oferecida pelo deputado José Medeiros (PL/MT). Trata-se do <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2349911">PL 843</a>, de 2023. Estabelece que “nos casos de crimes cometidos nas dependências do Supremo Tribunal Federal, de tribunal superior, ou contra qualquer de seus membros, o presidente do respectivo tribunal deverá requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente, sendo vedada a sua instauração de ofício”. Tal proposição, nesses termos, pretende a) definir, a exemplo do PL 3.383/2020, procedimento diverso para os casos a que se refere o artigo 43 do RISTF e, além disso, b) vedar a instauração de ofício, nesses mesmos casos, de inquéritos pelo STF ou outro órgão judicial.  
De modo a tornar tais proposições ainda mais claras e objetivas, não seria descabido cogitar da introdução de cláusula que expressamente revogue o artigo 43 do RISTF, dado que se trata, como decidido pelo STF, de disposição recepcionada como lei ordinária. Também parece viável, nesse mesmo sentido, aventar de preceito transitório voltado a – ante a aplicação imediata da nova lei processual aos procedimentos em curso – direcionar os inquéritos em andamento para que sejam conduzidos e concluídos pelas autoridades policiais competentes.  
O pouco interesse despertado por essas iniciativas, no entanto, tem marcado o destino de sua tramitação legislativa. Foram ambas apensadas a proposição legislativa de escopo mais amplo e abrangente: o PL 8.045, de 2010, que estabelece o novo Código de Processo Penal. É matéria oriunda do Senado Federal que tramita há mais de 12 anos na Câmara dos Deputados, com mais de 400 propostas em apenso e cerca de 320 emendas parlamentares ao texto. Não parece alta a probabilidade de que o projeto do novo Código seja pautado com brevidade e, principalmente, os apensos referentes aos inquéritos de ofício sejam lembrados, destacados e incluídos no texto final. 
A mesma pesquisa detectou, ainda, propostas de decreto legislativo com o objetivo de sustar o suporte normativo das investigações abertas ex officio, a exemplo do <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2263229">PDL 406</a>, de 2020, de autoria do deputado General Girão. No entanto, a orientação assentada na ADPF 572/DF insinua seu descabimento ante a alegação de exorbitância de poder normativo, que fundamentaria o exercício das competências do Congresso Nacional estatuídas no artigo 49, V e XI, da Constituição. Em razão disso, foi o PDL 406/2020 <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_depachos?idProposicao=2263229">devolvido ao seu autor pela Mesa Diretora da Câmara</a>. 
<h3>O sentido da ação legislativa</h3>
Conforme a clássica lição de Carlos Maximiliano, “o direito positivo é o resultado de ação lenta e reação oportuna”[2]. Enquanto não ocorre a reação oportuna e eficaz na esfera legislativa, cumpre presumir o apoio popular ao ordenamento em vigor. Em outras palavras, a ausência de efetiva articulação parlamentar para levar à votação determinadas proposições indicia real sustentação política às leis que tencionam alterar. 
Na prática, a falta de ação legislativa efetiva que corresponda às enérgicas críticas proclamadas por diversos e destacados parlamentares sugere verdadeira aprovação aos inquéritos de ofício levados a efeito no âmbito do STF. O reconhecimento pela própria Corte de que a base normativa dessas investigações admite alteração por lei ordinária e a pouca atenção dedicada às proposições oferecidas com esse intuito insinuam peculiar distanciamento entre o discurso e a ação política. 
Enquanto as manifestações públicas veiculam contundente contestação, a inocorrência de eficiente coordenação política para votar tais propostas reflete comportamento que tolera, favorece ou respalda o status quo e, portanto, a continuidade das investigações abertas e conduzidas ex officio pelo STF. Denota, de fato, que o número de representantes eleitos realmente contrários a tais inquéritos é consideravelmente menor do que muitos supunham.  
<hr />
&nbsp;
1 Texto semelhante foi apresentado perante o Senado Federal. Trata-se do <a class="Hyperlink SCXW80011600 BCX0" href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/142673" target="_blank" rel="noreferrer noopener">PL n° 3451, de 2020</a>, de autoria do Senador Alessandro Vieira (CIDADANIA/SE). 
2 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 20ª edição, 2011, p. 17.

52564384949_b240ec3e61_c

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

A falta de ação legislativa efetiva que corresponda às críticas de diversos parlamentares sugere verdadeira aprovação aos inquéritos do STF

O apoio legislativo aos inquéritos de ofício no STF

A falta de ação legislativa efetiva que corresponda às críticas de diversos parlamentares sugere verdadeira aprovação aos inquéritos do STF