Bárbara Helena Breda

Heloisa Caum

A sociedade não é mais a mesma de três anos atrás. Deparamo-nos, constantemente, com cicatrizes da pandemia que sequer conhecíamos. Essas, porém, não fazem jus ao que ainda pode vir. Em meio a momentos de mudanças, o setor da economia que toca essas autoras – como já percebido – também foi afetado. Apesar de termos enfrentado a crise mundial como o único setor com superávit econômico em termos nacionais, os impactos do fechamento de fronteiras, da diminuição do trânsito de pessoas e a crise sanitária instaurada ainda ecoam em alto e bom som e somam às enormes perdas sofridas.
Análise realizada pelo Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGV) aponta que, no estopim da contaminação mundial do vírus, foram sentidos impactos consideráveis na diminuição do consumo e oscilações elevadas do preço dos produtos agrícolas. A exportação brasileira se desestabilizou. Nem a soja, nosso principal produto exportado, passou ilesa. O cenário pandêmico, ainda, trouxe um problema que afeta, consideravelmente, o setor diretamente vinculado aos mercados internacionais: a alta do dólar. De cotação e, muitas vezes, origem internacional, os insumos à produção tiveram uma disparada em seus preços. A produção, consequentemente, ficou mais cara.
Ainda que mal recuperados – e temos dúvidas de que algum dia totalmente estejamos – das feridas deixadas pela pandemia, a sociedade se chocou com um novo problema: o enfrentamento militar entre Rússia e Ucrânia. Já tratamos, anteriormente, sobre a problemática que o embate ocasionou ao abastecimento de defensivos agrícolas. O impacto negativo, porém, a isso não se limita. Situações como a protagonizada pelos dois países europeus geram um efeito de pressão na economia mundial. O descompasso econômico, novamente, afetou a oferta de produtos de origem agrícola e pressionou os preços. A organização sistêmica do setor foi e continua sendo impactada. Mesmo a menor das ocorrências, o que não é o caso, é capaz de gerar verdadeiro efeito em cascata em um setor mundialmente integrado.
O pano de fundo estabelecido prenunciou uma crise alimentar mundial. Ainda que o agronegócio brasileiro não enfrente problemas quanto à disponibilidade de alimentos, a alta nos custos de produção alarma potencial retrocesso na curva da fome. Relatório elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) ainda nos direciona ao infortúnio de possível extensão dessa crise para o próximo ano. A ONU teme que o contínuo e descontrolado aumento dos preços possa culminar em falta de alimentos à subsistência populacional, uma vez que as exportações de cereais e fertilizantes dos países em guerras são ponto-chave do verdadeiro tabuleiro de xadrez que é o mercado mundial de alimentos.
Sabemos e, constantemente dizemos, porém, que temos todo o potencial para sairmos mais fortes dessa situação. Temos alinhado a produção alimentar a novas tecnologias e mecanismos de financiamento. O caminho a ser percorrido, todavia, ainda é longo. São diversas as variáveis a serem consideradas e muito bem coordenadas com a constante gestão de riscos e melhora no abastecimento.
Pensando no futuro do agronegócio nacional, no primeiro semestre desse ano a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/embrapa">Embrapa</a>) divulgou um <a href="https://www.embrapa.br/visao-de-futuro">plano de megatendências</a> – uma visão de futuro do agronegócio nacional. Diretamente relacionada à evolução do setor no país, a empresa vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) traz panorama que deve ser analisado e bem divulgado. Passemos, agora, à apresentação das tendências e nossas considerações sobre essas.
A primeira megatendência é, sem dúvida, e como deve ser, a sustentabilidade. As mudanças climáticas, uma realidade inegável, nos trazem a necessidade de aplicação efetiva de práticas de contingenciamento da crise ambiental que assola o mundo e se torna uma exigência aos players de mercado. Há uma pressão constante, em todos os ramos, mas, especialmente, sobre o agronegócio, de adequação de suas práticas aos aspectos de bioeconomia, agenda ESG (Environmental, Social and Governance), práticas verdes e o chamado serviço agroambiental. Já abordamos, outras vezes, a imagem de vilão que recai sobre o agronegócio brasileiro. Apontamos, também, que essa não faz jus ao aparato ambientalmente protetivo que permeia boa parte do setor. Inegável, porém, é que temos muito a evoluir e os movimentos trazidos pelas constantes discussões e posturas assumidas nas esferas pública e privada fornecem esperança. É o movimento dos Programas ABC+, Floresta+, iLPF e Pagamento por Serviços Ambientais.
No mesmo sentido, e seguindo a preocupação inerente aos aspectos ambientais, a megatendência adaptação à mudança do clima. O Brasil, ao longo das últimas décadas, assumiu compromissos mundiais sobre o clima que afetam, em suma, a exploração da atividade agroindustrial. Além dos aspectos vinculados à necessária preservação do meio ambiente, são notórios os reflexos sobre a economia e a segurança alimentar. Enquanto indústria a céu aberto, o setor depende do cumprimento de uma “ordem natural” dos ciclos biológicos e climáticos de forma às constantes alterações e inesperadas ocorrências – como as secas e geadas experimentadas nas últimas safras – trazerem reflexos preocupantes. A resiliência da produção é diretamente vinculada, assim, ao investimento em pesquisa e tecnologia, que devem ser alinhadas a estratégias de longo prazo capazes de corrigir o déficit com o qual já temos nos deparado.
Assumindo a terceira colocação, a megatendência de evolução tecnológica e inserção digital do setor. É, assim, o desenvolvimento do agrodigital. São diversas as forças tecnológicas que vêm moldando o agronegócio. O agronegócio tem se inserido, e deve assim permanecer, no mundo digital. Temos, hoje, diversos hubs de tecnologia vinculados ao setor que trazem soluções modernas e ágeis. Cabe, porém, especial atenção direcionada ao desafio de conectividade que ameaça o aumento do hiato existente na produção nacional que verifica, nas mesmas regiões, produtores altamente tecnificados e outros que são incapazes de aderirem a esse novo modelo.
Métodos como a computação quântica, inteligência artificial e blockchain estão sendo inseridos no processo que é comumente chamado de digitalização do agro, e consiste numa inovação do setor que vise, além da conectividade do meio rural, aprimoramento de técnicas e redução de custos, aumento de rendimento e facilidade para manejo das produções agrícolas.
Como quarta megatendência tem-se a intensificação tecnológica e concentração da produção, quase que um complemento à anterior. Isso consiste, basicamente, na contemplação dos sinais do agronegócio brasileiro quanto ao aumento das exportações e consequente acesso a novos mercados. Essa megatendência se relaciona com mudanças demográficas, processos migratórios e concentração da produção, visando, exatamente, facilitar os mecanismos de comercialização dos produtos agrícolas. Carece, todavia, de especial cautela quanto à profissionalização e força de trabalho no campo que deve ser especialmente estimulada para que sejamos capazes de atender às crescentes demandas, tudo isso aliado a maior variável do futuro: a sustentabilidade.
Entendendo as diversas mudanças a serem tomadas no âmbito produtivo, inevitável que elas englobem, em algum momento, o âmbito consumidor, e é nessa ideia que está pautada a quinta megatendência da Embrapa: transformações no consumo e agregação de valor. Essa previsão para o futuro do agronegócio brasileiro está atrelada às tendências internacionais de sustentabilidade e segurança dos alimentos. O consumidor tem buscado produtos que não apenas sigam procedimentos sanitários e produtivos adequados, mas que tenham, propriamente, uma adicionalidade verificável. Não há mais espaço à produção predatória, e a mudança no perfil de consumo tem passado por alterações que devem ser consideradas para a agenda do setor, especialmente no que concerne às fontes de proteína. Como bem asseverado pela própria Embrapa, o consumidor tem passado a considerar fatores como o meio ambiente, a saúde humana, a saúde e o bem-estar animal e as relações justas de trabalho em suas decisões de compra.
A sexta megatendência é a biorrevolução, atrelada aos avanços das ciências biológicas. Esses avanços, em conjunto com os tecnológicos, impactam positivamente a economia e a agricultura, sendo, na segunda, utilizados para alavancar a produtividade, facilitar o controle de pragas e gerar novas fontes de energia. Especialmente no que tange à nanotecnologia, vemos que seu uso trará impactos positivos na segurança alimenta, nutrição e saúde, capazes de aumentar a durabilidade segura de produtos na prateleira, fertilizantes e defensivos, bem como, aumentar a eficiência de absorção e diminuir a perda de nutrientes do solo, tão importantes à manutenção e fortificação das características produtivas nacionais.
Como sétima megatendência, a Embrapa faz uma junção das anteriores: a integração de conhecimento e de tecnologias. O que é intencionado para o futuro é, justamente, a emenda entre as áreas de pesquisa e solução de problemas vinculados ao setor, seja no âmbito de defensivos agrícolas, financiamento, comercialização ou desenvolvimento biológico.
Assim, convergindo a atuação das diferentes áreas do sistema agroindustrial, espera-se que a solução para problemas dotados de maior complexidade seja facilitada e mais rápida, provendo soluções efetivas. A intensificação de canais de digitalização e automação na agricultura, bem como, uma intervenção prescritiva e o gerenciamento das atividades deve promover uma alavancagem do setor nacional. O apontado processo, especialmente afeto às commodities, porém, exigirá esforço adicional com a indispensável agenda integrada de P&amp;D nas organizações que permitem uma maior segurança ambiental, de saúde e de nutrição mundial.
Por fim, a oitava e última megatendência proposta é o incremento da governança e dos riscos. Adstrito à nova visão do agronegócio nacional, não mais restrito ao abastecimento alimentar, o setor visa também as fontes de energia renováveis, bem-estar animal e humano, integridade e implementação da agenda ESG. O futuro, porém, impacta em maior interdependência entre os elos dos sistemas agroindustriais – que precisam ser entendidos como tais e não se limitam ao setor de produção primária da economia –, ao aumento da demanda por gestões de risco e a intensificação de governança. O setor será, portanto, e cada vez mais, pressionado sobre os recursos naturais e potenciais ameaças à saúde mundial. Enquanto diretamente vinculado à nutrição, teremos o dever de zelar pela segurança, sanidade e alimentação humana.
Dessa maneira, o prognóstico futuro ao agronegócio nacional é, de fato, uma integralização ainda maior dos agentes da cadeia produtiva, uma preocupação mais acentuada com os parâmetros de sustentabilidade e, ainda, inovações e transformações tecnológicas que, além de facilitarem a produção e auxiliarem no manejo dos preços, abarquem as demandas sociais, como a necessária solução da crise alimentar. Temos ampla possibilidade de dar cumprimento a essas demandas e sairmos mais fortes dos cenários de crise. Devemos, assim, usar as variáveis a nosso favor e trabalhar de maneira a melhorar, ainda mais, o setor que é destaque mundial.

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JOTA

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