Andressa Scorza

Em junho de 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou ao rito dos repetitivos a definição do cabimento do agravo de instrumento em face de interlocutórias proferidas em processos de recuperação judicial e falência em hipóteses não expressamente previstas na Lei nº 11.101/2005.
O artigo 1.015 do Código de Processo Civil (CPC/2015) prevê a recorribilidade de interlocutórias (além das arroladas em seus primeiros onze incisos) nas hipóteses previstas em leis esparsas (inciso XII), o que ocorre com a Lei nº 11.101/2005, cujo texto prevê o cabimento de agravo de instrumento na recuperação judicial – em face das decisões que julga a impugnação (art. 17) e que concede a recuperação judicial (art. 59, §2º) – e contra a decisão que decreta a falência (art. 100).
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Salvo as supracitadas hipóteses, não havia redação expressa na lei no sentido de que outras decisões proferidas em sede de processo de recuperação ou falência pudessem ser recorríveis de imediato, restando ao interessado a ginástica hermenêutica para a interposição do agravo com base em tipos ou conceitos presentes na lei ou ainda lastreando-se na tese da “taxatividade mitigada” <a href="https://d.docs.live.net/751fef7d5354efb5/%C3%81rea%20de%20Trabalho/Cabimento%20de%20agravo%20nas%20interlocut%C3%B3rias%20em%20processo%20falimentar%20e%20recuperacional%20no%20Tema%201022%20do%20STJ%20a%20aplica%C3%A7%C3%A3o%20de%20interpreta%C3%A7%C3%A3o%20extensiva%20ao%20artigo%201.015%20do%20CPC2015.docx#_ftn1">[1]</a>, fixada pelo STJ em sede de julgamento de recursos repetitivos em dezembro de 2018.
Em breve retomada, a tese da “taxatividade mitigada” emergiu no bojo do Tema 988, em que se levou à Corte Superior a discussão acerca da possibilidade ou não de aplicação de interpretação extensiva e/ou analógica dos incisos II e III do artigo 1.015 para serem impugnáveis pela via do agravo as decisões que versassem sobre competência e valor da causa. O apertado resultado, no entanto, consubstanciou a indigitada tese, a partir da qual não se conferiu interpretação ao dispositivo, mas se passou a admitir o manejo do recurso quando verificado o requisito de urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.
No voto vencedor do julgamento, a ministra Nancy Andrighi (a relatora de então e a preventa para o Tema 1022) argumentou que devia ser afastada a possibilidade de interpretação extensiva ou analógica das hipóteses listadas no art. 1.015 do CPC/2015, uma vez que isso causaria insegurança e quebra de isonomia, alegando, ademais, que as técnicas hermenêuticas não seriam capazes de abarcar todas as situações que demandassem imediato reexame da matéria.
Nas decisões de afetação do ora comentado Tema 1022, a ministra-relatora realizou “distinguishing” nas Propostas de Afetação dos recursos representativos da controvérsia (RRCs) ao dizer que “o labor da Corte Especial se concentrou exclusivamente sob a interpretação do sistema procedimental e recursal das regras gerais do CPC/15, não tendo sido enfrentado o cabimento do agravo em procedimentos especiais e seus sistemas recursais específicos” <a href="https://d.docs.live.net/751fef7d5354efb5/%C3%81rea%20de%20Trabalho/Cabimento%20de%20agravo%20nas%20interlocut%C3%B3rias%20em%20processo%20falimentar%20e%20recuperacional%20no%20Tema%201022%20do%20STJ%20a%20aplica%C3%A7%C3%A3o%20de%20interpreta%C3%A7%C3%A3o%20extensiva%20ao%20artigo%201.015%20do%20CPC2015.docx#_ftn2">[2]</a>, situando que a Lei nº 11.101/2005 teria regime recursal próprio <a href="https://d.docs.live.net/751fef7d5354efb5/%C3%81rea%20de%20Trabalho/Cabimento%20de%20agravo%20nas%20interlocut%C3%B3rias%20em%20processo%20falimentar%20e%20recuperacional%20no%20Tema%201022%20do%20STJ%20a%20aplica%C3%A7%C3%A3o%20de%20interpreta%C3%A7%C3%A3o%20extensiva%20ao%20artigo%201.015%20do%20CPC2015.docx#_ftn3">[3]</a> (o que, em determinada medida, se olvida do teor hoje vigente do artigo 189 da Lei nº 11.101: “[a]plica-se a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei”, texto que remete hodiernamente ao CPC/2015 por força de seu art. 1.046, §4º).
Os RRCs pugnam pela recorribilidade de decisões distintas, que afetam devedores ou credores (determinação de imediato e integral valor de crédito; indeferimento de inclusão de crédito e imposição de apresentação de novo plano de recuperação judicial), e têm como denominador comum o apontamento de violação do art. 1015 do CPC, defendendo o tratamento da recuperação judicial como execução coletiva.
O tema da impugnação de decisões – sob a égide do CPC/2015 – em sede de processo de recuperação e falência não é novidade no STJ: o primeiro registro  que se tem (em órgãos colegiados do Tribunal) é em setembro de 2018, no Recurso Especial nº 1.722.866/MT, quando a Quarta Turma reconheceu – mediante interpretação extensiva – a possibilidade de aplicação do artigo 1.015, parágrafo único do CPC/2015 para tornar recorríveis as decisões interlocutórias além das disposições explicitadas na Lei de Recuperação de Empresas e Falência, dado que os procedimentos desta teriam natureza processual de execução coletiva e negocial. A hipótese de então dizia respeito a provimento que determinou depósito de honorários de administrador judicial em processo de recuperação, sob pena de convolação em falência.
A ideia de se permitir a recorribilidade imediata das decisões proferidas em execução – previsão do parágrafo único do 1.015 do CPC/2015 – é a de que não se pode submeter o credor à espera de uma sentença, pois, no mais das vezes, ela sequer é proferida. Em outras palavras, a sentença “típica” – de sua satisfação – é dificilmente proferida. Uma vez que a finalidade precípua desses procedimentos é a satisfação do credor, não há razão para se cogitar a espera. Igual lógica se aplica ao devedor, que é protegido de intensas onerosidades.
<blockquote class="jota-article__eye">No caso da recuperação judicial e da falência, as sentenças de encerramento apenas ocorrem, respectivamente, quando do cumprimento de todas as obrigações previstas no plano de recuperação judicial que se vencerem até dois anos depois da concessão do pedido ou finalizada a arrecadação de ativos (arts. 63 e 156 da Lei 11.101/2005).</blockquote>
Isso posto, não há qualquer sentido em se recorrer das decisões ao provimento final pretéritas nos termos do art. 1.009, §1º do CPC/2015, ocorrendo, eventualmente, perda do objeto.
De fato, é possível vislumbrar duas situações distintas constantes do artigo 1.015 – enquanto os incisos encerram hipóteses de fase cognitiva, as decisões prolatadas em cumprimento de sentença, em processos de execução, de inventário e de partilha não têm restrições ao manejo do agravo.
Vale rememorar, todavia, que a atividade cognitiva não está excluída dos processos previstos pela Lei nº 11.101/2005. Na recuperação judicial, por exemplo, o juiz age em atividade cognitiva “(i) em relação à a existência, valor e classificação dos créditos impugnados, se houver impugnação, e (ii) em relação aos fatos constitutivos, impeditivos e extintivos do direito à modificação das obrigações do devedor” <a href="https://d.docs.live.net/751fef7d5354efb5/%C3%81rea%20de%20Trabalho/Cabimento%20de%20agravo%20nas%20interlocut%C3%B3rias%20em%20processo%20falimentar%20e%20recuperacional%20no%20Tema%201022%20do%20STJ%20a%20aplica%C3%A7%C3%A3o%20de%20interpreta%C3%A7%C3%A3o%20extensiva%20ao%20artigo%201.015%20do%20CPC2015.docx#_ftn4">[4]</a>.
A ratio decidendi do acórdão relacionado ao Tema 1022 orbita na afirmação de que a recuperação judicial se qualifica como regime de liquidação e execução negocial das dívidas, ao passo que à falência se aplica regime de liquidação e execução coletiva. Ante esta fundamentação, aplica-se o parágrafo único do art. 1.015, em claro exercício de interpretação extensiva – que, como sobredito, fora rechaçada por maioria da Corte Especial no supramencionado Tema 988.
Aos róis de natureza taxativa, é natural e permitida a aplicação de interpretação extensiva. Esta, por sua vez, “não faz avançar as raias do preceito” <a href="https://d.docs.live.net/751fef7d5354efb5/%C3%81rea%20de%20Trabalho/Cabimento%20de%20agravo%20nas%20interlocut%C3%B3rias%20em%20processo%20falimentar%20e%20recuperacional%20no%20Tema%201022%20do%20STJ%20a%20aplica%C3%A7%C3%A3o%20de%20interpreta%C3%A7%C3%A3o%20extensiva%20ao%20artigo%201.015%20do%20CPC2015.docx#_ftn5">[5]</a>, acrescendo à lei enunciados que a elasticidade do texto normativo autoriza.
O artigo 1.015 do CPC/2015, de natureza taxativa por intenção precípua do legislador – “alterada” pela tese da “taxatividade mitigada”, tem redação que permite ao intérprete localizar hipóteses dentro dos seus preceitos gerais (v.g. a tutela provisória do inciso I). O que agora fez o STJ foi interpretar extensivamente o preceito de “execução”, situando nele os processos de recuperação e falência, o que revela ligeira contradição do posicionamento do Tribunal.
De fato, como pontua a Ministra Nancy Andrighi, a Lei de Recuperação e Falências fora pensada à época da vigência do Código de Processo Civil de 1973. A reforma agora empreendida na Lei nº 11.101/2005 através do Projeto de Lei nº 4.458/2020 alterou o artigo 189, incluindo o inciso II, cuja redação (do autógrafo levado à Presidência) estabelece que “as decisões proferidas nos processos a que se refere esta Lei serão passíveis de agravo de instrumento, exceto nas hipóteses em que esta Lei prever de forma diversa”.
Caso o supramencionado texto passe pela sanção presidencial, o envolvido no processo de recuperação ou de falência terá segurança muito mais efetiva com essa pá de cal do legislador, do que embasando-se na tese fixada em 03 de dezembro de 2020 pelo STJ. Não obstante esta ter sido emanada de julgamento de repetitivos – decisão a qual os juízes devem observância (ou ao menos deveriam) pela dicção do art. 927 do CPC – ainda restam significativas dúvidas quanto ao seu efeito vinculante na prática judicial.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="https://d.docs.live.net/751fef7d5354efb5/%C3%81rea%20de%20Trabalho/Cabimento%20de%20agravo%20nas%20interlocut%C3%B3rias%20em%20processo%20falimentar%20e%20recuperacional%20no%20Tema%201022%20do%20STJ%20a%20aplica%C3%A7%C3%A3o%20de%20interpreta%C3%A7%C3%A3o%20extensiva%20ao%20artigo%201.015%20do%20CPC2015.docx#_ftnref1">[1]</a> A título de exemplo, vide o Enunciado XII do Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial: “Aplica-se a tese firmada pelo C. STJ quanto à taxatividade mitigada do rol do art. 1.015, do CPC, aos agravos de instrumento interpostos contra decisão que resulta em aumento do valor da causa”. (Disponível em: <a href="https://www.tjsp.jus.br/Download/Rodape/GrupoCamarasEmpresariaisEnunciados.pdf">https://www.tjsp.jus.br/Download/Rodape/GrupoCamarasEmpresariaisEnunciados.pdf</a>. Acesso em: 04 de dezembro de 2020).
<a href="https://d.docs.live.net/751fef7d5354efb5/%C3%81rea%20de%20Trabalho/Cabimento%20de%20agravo%20nas%20interlocut%C3%B3rias%20em%20processo%20falimentar%20e%20recuperacional%20no%20Tema%201022%20do%20STJ%20a%20aplica%C3%A7%C3%A3o%20de%20interpreta%C3%A7%C3%A3o%20extensiva%20ao%20artigo%201.015%20do%20CPC2015.docx#_ftnref2">[2]</a> ProAfR no REsp 1717213/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 17/09/2019, DJe 23/09/2019; ProAfR no REsp 1712231/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 17/09/2019, DJe 23/09/2019 e ProAfR no REsp 1707066/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 17/09/2019, DJe 23/09/2019.
<a href="https://d.docs.live.net/751fef7d5354efb5/%C3%81rea%20de%20Trabalho/Cabimento%20de%20agravo%20nas%20interlocut%C3%B3rias%20em%20processo%20falimentar%20e%20recuperacional%20no%20Tema%201022%20do%20STJ%20a%20aplica%C3%A7%C3%A3o%20de%20interpreta%C3%A7%C3%A3o%20extensiva%20ao%20artigo%201.015%20do%20CPC2015.docx#_ftnref3">[3]</a> A Ministra chega a citar excerto de acórdão do STJ (REsp 1786524/SE) em que se dita tal entendimento. No entanto, (i) compulsando o teor dos autos, vê-se que a decisão interlocutória então discutida está fora da modulação dos efeitos do Tema 988 e, além disso, (ii) conferindo o teor do julgamento, a própria ementa endossa a aplicação supletiva do CPC quando não houver previsão expressa do remédio aplicável: “A Lei nº 11.101/2005 tem normas de direito material e processual, instituindo  um  regime  recursal  próprio.  Esse  regramento  não é exaustivo,  prevendo  a  lei  a  aplicação  supletiva  do  Código de Processo  Civil  quando  for  cabível. 4. Nas hipóteses em que a lei especial apontar o recurso próprio, esse é o que deve ser utilizado, somente  se  cogitando  da  incidência  das  normas adjetivas se não houver  previsão  expressa  do  remédio  aplicável.” (REsp 1786524/SE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 29/04/2019).
No acórdão, porém, a Ministra menciona a possibilidade de aplicação supletiva do CPC/2015 com fulcro no artigo 189.
<a href="https://d.docs.live.net/751fef7d5354efb5/%C3%81rea%20de%20Trabalho/Cabimento%20de%20agravo%20nas%20interlocut%C3%B3rias%20em%20processo%20falimentar%20e%20recuperacional%20no%20Tema%201022%20do%20STJ%20a%20aplica%C3%A7%C3%A3o%20de%20interpreta%C3%A7%C3%A3o%20extensiva%20ao%20artigo%201.015%20do%20CPC2015.docx#_ftnref4">[4]</a> NEVES, Douglas Ribeiro. Limites do controle jurisdicional na recuperação judicial. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. Disponível em: <a href="https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-16102015-164530/pt-br.php">https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-16102015-164530/pt-br.php</a>. Acesso em: 04 de dezembro de 2020.
<a href="https://d.docs.live.net/751fef7d5354efb5/%C3%81rea%20de%20Trabalho/Cabimento%20de%20agravo%20nas%20interlocut%C3%B3rias%20em%20processo%20falimentar%20e%20recuperacional%20no%20Tema%201022%20do%20STJ%20a%20aplica%C3%A7%C3%A3o%20de%20interpreta%C3%A7%C3%A3o%20extensiva%20ao%20artigo%201.015%20do%20CPC2015.docx#_ftnref5">[5]</a> FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica e aplicação do direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 164.

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JOTA

A interpretação do STJ ao artigo 1.015 do CPC

O agravo em processo recuperacional e falimentar

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