Marcos de Araújo Cavalcanti

Natália Peppi Cavalcanti

A jurisprudência defensiva é conhecida pelo posicionamento dos Tribunais, especialmente Superiores (STF e STJ), que colocam aspectos puramente técnicos ou excessivamente formais como obstáculo para o exame de mérito dos recursos, com um propósito claro de desafogar as cortes diante da enorme quantidade de processos que chegam diariamente para julgamento.
O CPC/2015 tentou eliminar ou, pelo menos, diminuir essa “jurisprudência defensiva” dos Tribunais Superiores, de modo a permitir que o mérito recursal seja resolvido em detrimento do apego a questões formais (primazia do julgamento do mérito). São diversos os dispositivos do CPC/2015 que demonstram essa intenção do legislador (por exemplo, artigos 4º, 76, §2º, 218, §4º, 932, parágrafo único, 1.007, §2º, 1.025, entre outros).
Busca-se, com tais inovações, privilegiar o princípio da primazia do julgamento do mérito e da cooperação, dois pilares do CPC/2015. À luz destes princípios, o processo deve ser um produto da atividade cooperativa do juiz e das partes e a noção formalista e já ultrapassada de processo como procedimento que possui fim em si mesmo deve ser abandonada, dando lugar a um processo de matriz constitucional, no qual os direitos dos jurisdicionados ocupam lugar de destaque.
Parece-nos, todavia, que o resultado desejado não vem sendo alcançado. Uma vez que o CPC/2015 eliminou algumas tradicionais hipóteses da jurisprudência defensiva, os Tribunais Superiores criaram novas hipóteses, além de aplicarem com mais vigor hipóteses antigas, já vivenciadas e combatidas pelos litigantes, as quais não se podem admitir diante do que estabelece a CF/88 e o CPC.
Uma situação antiga, mas que a contrario sensu é cada vez mais recorrente é a seguinte:
A Presidência ou Vice-Presidência de um determinado Tribunal local, estadual ou regional, profere decisão genérica referente ao exame de admissibilidade dos recursos especiais e/ou extraordinários, isto é, sem a fundamentação na forma exigida pelo art. 93, IX, da CF/98 e art. 489, § 1º, do CPC/2015.
Nessa decisão, o processamento do recurso especial, por exemplo, é inadmitido sob a alegação de que a análise do mérito recursal dependeria do reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, de modo a incidir, portanto, o Enunciado n. 7 da Súmula do STJ.
Como exemplo, transcreve-se a seguinte decisão – genérica – da Terceira Vice-Presidência do TJRJ:
“[...] a aferição da ofensa aos citados dispositivos legais pelo acórdão vergastado, na hipótese, enseja necessariamente a reapreciação de fatos e provas oportunamente realizada, tanto em juízo de 1º grau, quanto de 2º grau de jurisdição ordinária, o que é vedado e, sede de recursos excepcionais”.
Como se vê, a decisão indicada em nenhum momento explica ou demonstra as razões pelas quais seria aplicável o Enunciado n. 7 da Súmula do STJ. Isto é, não fundamenta por qual motivo seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos. Apenas afirma e pronto!
Diante dessas decisões genéricas e sem fundamentação, as partes interessadas interpõem o recurso cabível de agravo de admissão, nos termos do art. 1.042 do CPC/2015, requerendo ao STJ o provimento para permitir o regular processamento do recurso inadmitido na origem.
Como fundamentação dos recursos de agravo, alega-se a nulidade da decisão recorrida, por violação ao art. 489, § 1º, incisos I e II, do CPC/2015, exatamente por se limitar a indicar o Enunciado 7 da Súmula do STJ, sem qualquer explicação acerca de sua relação com a causa ou com a questão decidida. Além disso, a decisão, por vezes, invoca motivação que se prestaria a justificar qualquer outra decisão em qualquer outro processo. Nula, portanto.
Além da alegação de nulidade da decisão, as razões recursais demonstram ainda que o Enunciado n. 07 da Súmula do STJ não se aplica, pois diversos outros recursos semelhantes já tiveram o mérito apreciado pelo STJ.
Acontece que, para a surpresa dos litigantes, o STJ não examina o fundamento da nulidade da decisão do tribunal local e profere uma nova decisão, também genérica(leia-se: sem fundamentação), alegando que as razões do agravo de admissão (estas sim!) seriam genéricas, pois não teria havido impugnação específica quanto ao alegado óbice do Enunciado n. 7 da Súmula do STJ (!!).
Como exemplo, transcreve-se a seguinte decisão, proferida pelo STJ: 
“[...] apresentam conteúdo genérico em relação a aplicação da Súmula n. 7 desta Corte, porquanto apenas afirmada a não incidência do mencionado óbice de admissibilidade, mas ausente a demonstração de como seria possível a análise da apontada violação, sem que implique no revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos (fls. 1.195/1.218e), não impugnando, de forma específica, os fundamentos adotados na decisão agravada, impondo-se, de rigor, o não conhecimento do recurso”.
Em primeiro lugar, na verdade, genéricas são as decisões dos tribunais locais que inadmitem os recurso especiais sob a alegação de que se aplica o Enunciado n. 7 da Súmula do STJ, sem explicar a sua relação com a causa. Ademais, constantemente a mesma decisão é proferida para fundamentar inadmissões de recursos diversos, sobre matérias diversas.
No exemplo indicado acima, foi a decisão proferida pelo TJRJ que, em primeiro lugar, não explicou o motivo pelo qual haveria necessidade de reexame probatório para análise do caso. A decisão, em verdade, utiliza trechos genéricos que servem para fundamentar qualquer outra decisão de inadmissibilidade recursal.
Portanto, tal decisão é nula de pleno direito, por falta de fundamentação, violando o disposto no art. 489, § 1º, I e III do CPC. A decisão é genérica e invoca motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão.
Em situações como essa, o litigante deve alegar a nulidade da decisão do Tribunal local, apontando a violação ao art. 489, § 1º, II e III do CPC. Destaque-se que tal argumento constitui impugnação específica, não se tratando de mera repetição das razões do recurso especial, uma vez que a nulidade alegada somente surgiu no exame de admissibilidade daquele recurso. Portanto, há efetiva impugnação específica, apontando a nulidade da decisão monocrática do Tribunal local por falta de fundamentação. 
Diante da generalidade da decisão do Tribunal local, a parte interessada impugna especificamente a decisão, alegando a sua nulidade, já que tem o direito de saber os motivos que levaram o julgador entender pela aplicabilidade do  Enunciado n. 7 da Súmula do STJ ao caso dos autos.
Observe-se, portanto, que se trata de um dever de mão dupla. Caberia ao Tribunal local decidir fundamentadamente, expondo as razões pelas quais no caso dos autos incidiria o óbice do Enunciado n. 7 da Súmula do STJ. Diante disso, ciente de tais razões, a parte pode impugnar, no recurso cabível, especificamente o porquê não demandaria a necessidade do reexame do conjunto fático-probatório naqueles autos.
Caso se entenda de maneira diferente, estar-se-á impondo unicamente à parte o dever de demonstrar a razão pela qual a Súmula 7 não se aplica ao caso dos autos, sem que seja possível saber as razões que levaram o Tribunal local a entender de modo contrário. Como dito acima, se é verdade que cabe à parte demonstrar que não se aplica o Enunciado n. 7 da Súmula do STJ, o juízo de inadmissibilidade também possui o dever de fundamentar o contrário. Como dito, trata-se de um dever de mão dupla (princípio da cooperação).
Portanto, não se pode exigir da parte a impugnação específica de uma decisão genérica.. É como se fosse um tiro no escuro. É exigir da parte um dever de adivinhação, não compatível com os fundamentos constitucionais do dever de fundamentação das decisões judiciais. Ademais, o dever de fundamentação e a cooperação são transportados apenas para o advogado, que deverá impugnar especificamente uma decisão genérica.
O dever de fundamentação das decisões judiciais, além de atender aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, permite às partes o conhecimento das razões de decidir. Permite, também, a cooperação entre as partes e os julgadores, de modo que a decisão seja a mais justa possível, já que, com a fundamentação, as questões serão melhor analisadas, debatidas e julgadas, atendendo, assim, os fundamentos básicos do Estado Democrático de Direito.
Voltando à situação descrita, nesses casos (decisões de inadmissibilidade genéricas) deve o STJ dar provimento ao agravo de admissão para declarar a nulidade da decisão do Tribunal local e, na sequência, exercer o juízo de admissibilidade do recurso especial de forma apropriada, através de decisão fundamentada, respeitando o previsto no art. 93, IX, e no art. 489, § 1º, do CPC/2015, seja para determinar o processamento do recurso especial, seja para negar-lhe seguimento, mas, dessa vez, com as razões para tanto.
Isso sim é garantir o devido processo legal, a segurança jurídica e os princípios da cooperação e da primazia do julgamento de mérito. É preciso, portanto, que haja uma nova cultura processual, na qual o comportamento das partes, advogados e juízes esteja pautado na boa-fé e na primazia da tutela dos direitos, afastando a criação dessa jurisprudência defensiva. É respeitar o jurisdicionado e a justiça.

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JOTA

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