Lucas Carlos Lima

Amael Notini Moreira Bahia

Em 22 de abril de 2021 entrou em vigor o <a href="https://www.cepal.org/pt-br/acordodeescazu" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Acordo de Escazú</a> – o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe. Passado um mês, há muito o que se discutir sobre o tratado, que parece não receber a devida atenção no cenário brasileiro, ainda no aguardo de ratificação.
Inspirado na <a href="https://unece.org/environment-policy/public-participation/aarhus-convention/text" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Convenção de Aarhus</a>, em vigor desde 2001, o Acordo de Escazú representa um marco simbólico para a América Latina em relação à proteção ambiental, mas também é relevante a partir dos potenciais efeitos jurídicos aplicáveis ao Brasil.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Além de apresentar disposições similares à Convenção de Aarhus, o Acordo de Escazú também inova em questões de especial relevância para o contexto da América Latina e do Caribe, especialmente conectando a proteção do meio ambiente à salvaguarda de direitos humanos, buscando diminuir a desigualdade no interior do conceito de desenvolvimento sustentável.
Este ensaio tem dois objetivos; demonstrar, em um primeiro momento, os principais pontos de conexão entre direitos humanos e meio ambiente presentes no Acordo para, posteriormente, explorar as perspectivas da ausência de participação brasileira no cenário de desenvolvimento do direito ambiental internacional na América Latina.
Conectando direitos humanos e proteção ambiental
O acordo se constitui em quatro pilares bastante detalhados, quais sejam: (i) o acesso à informação ambiental; (ii) a participação pública nos processos de tomada de decisão ambientais; (iii) o acesso à justiça em questões ambientais; (iv) e a proteção dos defensores de direitos humanos em questões ambientais.
Este último é um dos principais elementos de distinção de sua contraparte europeia, buscando combater a alta insegurança da atuação dos defensores de direitos ambientais na América Latina, em razão do <a href="http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/601398-212-defensores-da-terra-e-do-meio-ambiente-mortos-em-2019-segundo-relatorio-da-global-witness" target="_blank" rel="noopener noreferrer">alto índice de assassinatos, ataques e ameaças</a> sofridos por esses grupos.
Além dos quatro pilares, o acordo aborda princípios de especial relevância para o direito ambiental internacional, como os da prevenção, da precaução e da equidade intergeracional. A presença e reconhecimento explícito do princípio da precaução num tratado internacional tem como efeito adicionar uma camada ao debate sobre a vexata quaestio do status do princípio no direito internacional.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> É um acordo, portanto, que aporta também contribuições significativas ao direito ambiental internacional.
O Acordo de Escazú também enuncia importantes preceitos de direitos humanos, como o princípio da igualdade e da não discriminação, o princípio da vedação do retrocesso e da progressividade e o princípio pro persona, de forma que fomenta a integração da implementação de direitos humanos com a proteção ambiental.
A presença do princípio pro persona é particularmente relevante. Ela é a clara incorporação de uma técnica interpretativa desenvolvida pela jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos no âmbito de um pacto internacional.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
A valorização dos direitos humanos, tendência presente em diversos documentos ambientais internacionais, se concretiza também no Acordo pelo reconhecimento do “direito de toda pessoa a viver em um meio ambiente saudável” (artigo 4), assim como outros direitos humanos universalmente reconhecidos.
<blockquote class="jota-article__eye">Não seria exagerado afirmar que o Acordo de Escazú consolida a inclinação de consolidar o caráter jurídico vinculante de noções ainda em desenvolvimento no direito ambiental internacional e no direito internacional dos direitos humanos.</blockquote>
O texto de Escazú parece ultrapassar os limites de um tratado internacional ambiental em sentido estrito, ao aproximar os conceitos de proteção ambiental e implementação de direitos humanos.
Esse alinhamento normativo da pauta ambiental com as obrigações de direitos humanos está em consonância com a construção realizada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em sua jurisprudência, especialmente a partir da Opinião Consultiva nº 23/17, bem como dos desenvolvimentos recentes de outros fóruns e instâncias judiciais internacionais em matéria ambiental.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
E o Brasil? 
Apesar da não ratificação pelo Brasil do Acordo de Escazú, o que para alguns reflete <a href="https://www.youtube.com/watch?v=TDhlNalSDNo" target="_blank" rel="noopener noreferrer">o esmorecimento da política externa ambiental brasileira</a>, não há de se descartar os potenciais efeitos da entrada em vigor desse instrumento normativo. Ainda porque, outrora um importante agente no desenvolvimento do direito ambiental internacional na América Latina, o Brasil <a href="https://observatoriop10.cepal.org/en/treaties/regional-agreement-access-information-public-participation-and-justice-environmental" target="_blank" rel="noopener noreferrer">assinou o Acordo de Escazú em 2018</a>, não tendo, entretanto, iniciado o processo de ratificação até o presente momento.
Assim, como se verifica no artigo 18<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> da <a href="https://treaties.un.org/doc/publication/unts/volume%201155/volume-1155-i-18232-english.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Convenção de Viena do Direito dos Tratados</a>, ratificada pelo Brasil por intermédio do <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7030.htm" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Decreto 7.030/2009</a>, após a assinatura do tratado, o Estado é obrigado a abster-se da prática de atos que frustrariam seu objeto e finalidade.
Desse modo, enquanto signatário do Acordo de Escazú, ainda que perante a inércia do processo de ratificação, o Brasil não deve cometer atos que possam prejudicar o objeto e a finalidade do tratado, quais sejam, em linhas gerais, a garantia dos direitos de acesso à informação ambiental, participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais e acesso à justiça em questões ambientais.
Desse modo, a porta para eventuais litígios e a possível responsabilização do Estado brasileiro pode vir não pelo acordo em si, mas pelo artigo 18 da Convenção de Viena.
Seja como for, diante do cristalino âmago de salvaguarda de direitos humanos presentes no Acordo de Escazú, o procedimento recomendável tanto para proteger a importância de seu conteúdo quanto para sanar a injustificada morosidade seria a incorporação do Acordo no ordenamento brasileiro através do § 3º do Artigo 5º da Constituição, ou seja, como Emenda Constitucional. Seria uma sinalização relevante em duas áreas brumosas da política jurídica externa brasileira.
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}, 3000);
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Nesse sentido, o princípio da precaução, já adotado pelo Tribunal do Mar em sua jurisprudência como um princípio consuetudinário internacional na <a href="https://www.itlos.org/index.php?id=109">Opinião Consultiva sobre Obrigações e Responsabilidades dos Estados que patrocinam Pessoas e Entidades relativas a Atividades na Área</a>, ainda carece de reconhecimento pela Corte Internacional de Justiça, apesar de ter sido reconhecido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos desde a OC-23/17. O posicionamento dos Estados se divide. Ver, nesse sentido, KERBRAT, Yann; MALJEAN-DUBOIS, Sandrine. Les juridictions internationales et le principe de précaution » (avec S. Maljean-Dubois), in Unité et diversité du droit international, écrits en l’honneur du Professeur Pierre-Marie Dupuy. Leiden: Martinus Nijhoff, 2014, pp. 929-948.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Sobre a questão ver, LIXINSKI, Lucas. Treaty Interpretation by the Inter-American Court of Human Rights: Expansionism at the Service of the Unity of International Law. European Journal of International Law, vol. 21, august 2010, pages 585–604;
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Ver LIMA, Lucas Carlos. The Protection of the Environment before the Inter-American Court of Human Rights: Recent Developments. Rivista Giuridica dell'Ambiente, v. 3, p. 495-522, 2020.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Sobre as possibilidades do uso do artigo, ver, entre outros, PALCHETTI, Paolo. Article 18 of the 1969 Vienna Convention: A Vague and Ineffective Obligation or a Useful Means for Strengthening Legal Cooperation? in CANNIZZARO, Enzo. The Law of Treaties Beyond the Vienna Convention. Oxford: Oxford University Press, 2011, pp. 25-36.

Desmatamento e Queimdas 2020

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JOTA

Texto do acordo parece ultrapassar os limites de um tratado internacional ambiental em sentido estrito

O Acordo de Escazú: direitos humanos e proteção ambiental

Texto do acordo parece ultrapassar os limites de um tratado internacional ambiental em sentido estrito