Carina Quirino

Felipe Pereira dos Santos

Paulina Boéchat

Thiago Ramos Dias

Muito se noticia sobre a chegada do 5G e sua necessária implementação para que as cidades se tornem mais tecnológicas e atrativas, proporcionando melhores serviços para os cidadãos e para o mercado. Pouco se debate, contudo, os <a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/seguranca-juridica-desenvolvimento/municipios-precisam-padronizar-legislacao-para-acelerar-instalacao-de-rede-5g-19012022">percalços técnicos de um município</a> para estruturar o licenciamento das infraestruturas de suporte de antenas – em palavras mais simples, a competência dos municípios cinge-se a disciplinar como as antenas poderão ser instaladas em seu espaço, público e privado. Há um processo de adequação das normas municipais Brasil afora para receber a nova tecnologia de 5G e possibilitar um processo mais ágil e eficiente. É nessa onda de mudanças que o município do Rio de Janeiro editou o Decreto nº 50.798, de 13 de maio de 2022.
Em que pese a sua importância, a implementação de políticas de licenciamento de antenas sempre sofreu com regulações confusas diante da profusão de normas oriundas de diversos entes federativos. A <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13116.htm">Lei 13.116/2015</a>, que ficou conhecida como Lei Geral de Antenas (LGA), e seu decreto regulamentador buscaram harmonizar a matéria. Alguns questionamentos foram levantados a respeito da alegada invasão da competência legislativa de outros entes. Embora o Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>) já tenha enfrentado a matéria, ainda há uma zona cinzenta que merece reflexão em atenção à segurança jurídica e à universalização do serviço<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
O art. 7º, da LGA, por exemplo, dispõe sobre prazos, procedimento e hipóteses de dispensa de licenciamento, o que pode ser compreendido como norma de Direito Urbanístico e Ambiental, que são de competência concorrente entre todos os entes (art. 24, I e VI, CRFB). Neste cenário de competência legislativa compartilhada, cabe aos municípios a edição de normas mais concretas e adaptadas à realidade local. Tendo em vista o nível de detalhamento previsto na lei federal, seriam os dispositivos relativos ao licenciamento inconstitucionais?
A LGA já foi analisada pelo STF em ao menos duas oportunidades: no primeiro caso, quando julgou a ADI 3.110/SP, na qual Lei do Estado de São Paulo foi declarada inconstitucional. Como argumento, o Supremo entendeu ser de competência privativa da União a definição de padrões de tolerância à radiação, não sendo matéria a ser tratada pelo Estado, que invocava a competência concorrente para legislar em matéria de defesa da saúde (art. 24, XII, CRFB).
O segundo caso foi o julgamento da ADI 6482/DF, na qual o Supremo julgou improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 12 da LGA, que prevê a gratuidade do direito de passagem da infraestrutura de telecomunicações sobre imóveis de domínio de todos os entes da federação. Neste julgado, o tribunal reafirmou que o tema se trata de competência privativa da União, sobre os quais outros entes não podem legislar, bem como se trata de restrição proporcional à propriedade das outras pessoas da federação.
Por outro lado, a Corte também já se pronunciou sobre a competência para dispor sobre o licenciamento urbanístico. Na ADI 5.696/MG foi analisada emenda à Constituição de Minas Gerais que instituía dispensa de licenciamento para templos religiosos. A decisão pela procedência da ação trouxe como fundamento a competência municipal para legislar sobre assuntos de interesse local, ordenamento territorial, planejamento do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano e sobre a política de desenvolvimento urbano, conforme os arts. 30, I e VIII e 182, caput, CRFB/88.
Tem-se então o seguinte cenário: a Lei Geral de Antenas, quando analisada pelo Supremo, foi compreendida no âmbito da competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações, enquanto o licenciamento urbanístico foi visto como competência municipal, em razão do latente interesse local, dentre outros fundamentos. O STF, contudo, nunca foi provocado a se pronunciar a respeito das disposições sobre licenciamento presentes na LGA, o que, dada a jurisprudência do tribunal, pode impor dúvida razoável sobre a constitucionalidade destas normas na lei federal.
Diante deste quadro, é preciso encontrar uma via que permita realizar o objetivo da LGA: unificar e simplificar a regulação de antenas de telefonia e, ao mesmo tempo, preservar a competência municipal, ente em melhor posição para concretizar o interesse local e adequar as normas às peculiaridades do ambiente urbano da cidade.
Embora haja um aparente tensionamento das competências dos entes sobre a matéria, compreende-se que a atuação dos municípios está resguardada na lei federal, pois ela veicula, em regra, apenas parâmetros gerais dos procedimentos para licenciamento. O conteúdo qualitativo da matéria urbanística, fatalmente associado à realidade local, está preservado pela norma, que não adentra em aspectos sobre onde e sob quais condições poderiam ser instaladas as estruturas.
Como exemplos de adequação à LGA e harmonização com o interesse local, é possível citar a cidade do Rio de Janeiro e o Distrito Federal. A capital fluminense reservou o capítulo II do Decreto nº 50.798/2022 para a prescrição de parâmetros urbanísticos para a instalação no topo das edificações, nas fachadas, no nível do solo, em vias públicas e em Unidades de Conservação. O Distrito Federal, por sua vez, fez o mesmo no capítulo III da Lei Complementar 971/2020. Os dois casos são tomados como exemplo em razão de ambos os locais possuírem características arquitetônicas e paisagísticas únicas<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, o que redobra o interesse local na sua proteção.
Também é importante notar que o STF, na mencionada ADI 6482/DF, ao avaliar a constitucionalidade da gratuidade do direito de passagem sobre imóveis de outros entes, frisou a importância de se uniformizar o tratamento do setor de telecomunicações em razão das características intrínsecas a este mercado: a necessidade de viabilizar redes interconectadas e interoperáveis. Essa racionalidade técnica, que figura entre os argumentos centrais do acórdão, é um indicativo importante sobre a opinião do tribunal em futuros questionamentos que possam surgir quanto às normas de licenciamento presentes na lei federal.
De todo modo, não se ignora que a adequação dos municípios para o recebimento da infraestrutura do 5G ainda tem um longo caminho a avançar<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. A uniformidade regulatória é um fator importante para a expansão da rede e universalização do serviço, que deve ser acompanhada da preservação do patrimônio cultural e paisagístico, em especial no caso de cidades que possuem o turismo como atividade econômica de grande relevância. O desafio que está posto é promover a adequação municipal aproveitando o espaço normativo conferido a estes entes, de maneira que cumpram sua missão constitucional na promoção do interesse local.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> São julgamentos de referência as ADI nº 3.110/SP, ADI nº 6482/DF e ADI nº 5.696/MG
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> A cidade do Rio de Janeiro recebeu da UNESCO o título de Patrimônio Mundial como Paisagem Cultural Urbana, enquanto Brasília ostenta o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, também concedido pelo organismo internacional.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> APENAS 10 capitais e o DF estão preparados para tecnologia 5G. G1, Rio de Janeiro. 28 maio 2022. Disponível em: <a href="https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/04/28/apenas-10-capitais-e-o-df-estao-preparados-para-tecnologia-5g.ghtml?utm_source=push&amp;utm_medium=app&amp;utm_campaign=pushg1">https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/04/28/apenas-10-capitais-e-o-df-estao-preparados-para-tecnologia-5g.ghtml?utm_source=push&amp;utm_medium=app&amp;utm_campaign=pushg1</a>. Acesso em: 29 abr 2022.

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JOTA

Embora o STF já tenha enfrentado a matéria, ainda há uma zona cinzenta

O 5G e o desafio do licenciamento da infraestrutura de antenas nos municípios

Embora o STF já tenha enfrentado a matéria, ainda há uma zona cinzenta na questão do licenciamento de antenas nos municípios para o 5G