Tathiane Piscitelli

Vinicius Jucá

Thuany Campbell Brisolla

O debate sobre a possibilidade de incidência do ICMS nas operações entre estabelecimentos do mesmo contribuinte não é novo; há mais de 20 anos, o entendimento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) é consolidado: não deve haver a incidência do ICMS, pois não se verifica circulação jurídica da mercadoria<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Recentemente, o tema foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no contexto da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 49. Em abril deste ano, o tribunal reconheceu a improcedência da ação, exatamente à luz da jurisprudência sedimentada nos Tribunais Superiores quanto à ausência de incidência do ICMS no deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, ainda que se trate de circulação interestadual.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Como consequência, declarou a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da Lei Complementar nº 87/1996 (LC 87/1996): (i) artigo 11, § 3º, II, que estabelece a autonomia dos estabelecimentos de um mesmo contribuinte; (ii) artigo 12, I, que trata da incidência do ICMS na circulação de mercadorias, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”; e (iii) artigo 13, § 4º, que trata da base de cálculo na hipótese de saída de mercadoria para estabelecimento localizado em outro estado, pertencente ao mesmo titular.
A decisão, no entanto, possui omissões importantes, pois não firmou posição quanto aos créditos apropriados por ocasião da incidência do ICMS nas operações em análise, nem sequer se posicionou sobre o direito dos contribuintes de seguirem com a apropriação de créditos para o futuro. Em razão disso, houve oposição de embargos de declaração, ainda não julgados, no bojo dos quais o estado do Rio Grande do Norte requereu a modulação dos efeitos da decisão.
<blockquote class="jota-article__eye">Agora, portanto, o debate jurídico central não diz mais respeito à incidência ou não do ICMS em tais operações, mas, sim, ao enfrentamento de duas posições antagônicas.</blockquote>
De um lado, os estados defendem que a decisão proferida na ADC 49 implicará estorno do crédito de ICMS decorrente da aquisição de insumos ou mercadorias na operação anterior à transferência entre estabelecimentos, sob o fundamento de que se trata de “não incidência” do imposto, instituto que atrai o disposto no artigo 155, § 2º, II da Constituição<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
De outro, os contribuintes argumentam pelo direito à manutenção do crédito, já que a transferência entre estabelecimentos não é fato jurídico relevante para o ICMS e, desse modo, não se trata de “não incidência” capaz de resultar na aplicação da regra constitucional que impõe o estorno do crédito.
Além disso, há contribuintes que defendem que poderão usar o crédito apurado em um estado para quitar saídas de mercadorias de estabelecimentos seus em outros estados, sem as limitações que existem hoje (apuração centralizada do ICMS).
O objetivo deste artigo não passa pelos pedidos de modulação formulados, nem tampouco pelas teorias sobre o que pode acontecer caso a inconstitucionalidade dos dispositivos acima descritos seja aplicada retroativamente ou mesmo pela existência ou não de “não incidência” no presente caso.
O que se pretende é apresentar um caminho possível para a solução da celeuma jurídica criada com o julgamento do mérito da ADC 49; algo que, necessariamente, deve ser feito no julgamento dos embargos de declaração. Tal caminho passa pela compreensão da função específica que o mecanismo de apropriação de créditos nessas hipóteses exerce.
Em outras palavras, trata-se de reconhecer que, nesse caso, o direito a crédito de ICMS tem função distributiva que não pode ser desconsiderada. Explica-se melhor.
A LC 87/1996, quando previu originalmente a incidência do ICMS mesmo nas saídas para bens de mesma titularidade, assegurava, a um só tempo, o princípio da não-cumulatividade, ao permitir que o estabelecimento de destino usasse o crédito de ICMS que o estabelecimento de origem apurou na aquisição ou produção dessa mercadoria transferida, e a divisão do ICMS entre os estados nas operações interestaduais, obedecendo as alíquotas previstas nas Resoluções do Senado Federal 22/1989 e 13/2012.
Nas operações interestaduais, o estabelecimento de origem só poderia mandar um “pedaço” do crédito decorrente da aquisição ou produção da mercadoria para o estabelecimento de destino, pois a transferência seria feita pelas alíquotas dessas Resoluções (4%, 7% ou 12%, dependendo do caso).
Além disso, o artigo 13, § 4º, da LC 87/1996 previa que as operações seriam feitas pelo custo da mercadoria, limitando ainda mais a transferência de créditos ao estado de destino. Isso garantia que o estado de origem ficasse com um pouco do ICMS e o estado de destino pudesse cobrar a outra parte, na proporção definida pelo Congresso Nacional na LC 87/1996 e nas Resoluções do Senado Federal.
Essa dinâmica se dava por meio da aplicação da LC nº 87/1996 àqueles contribuintes que decidiam não discutir a incidência do imposto no Judiciário e, assim, destacavam o ICMS na nota fiscal nas transferências entre estabelecimentos.
Contudo, se antes não havia dúvidas de que não era uma opção não tributar a operação, já que a norma impunha a incidência e os estados eram obrigados a autuar, a decisão do STF na ADC 49 tem grande relevância, pois determina que os estados não lavrem mais autuações fundadas no não recolhimento do imposto entre estabelecimentos de mesmo titular.
E, como ressaltou o estado do Rio Grande do Norte nos embargos de declaração, a esmagadora maioria dos contribuintes aceita a incidência exatamente para transferir os créditos para o estabelecimento de destino. Tal transferência, reitere-se, funciona como uma garantia ao contribuinte do cumprimento do princípio da não-cumulatividade.
Se os artigos 12, I, e artigo 11, § 3º, II da LC 87/1996 teriam essa dupla função, arrecadatória e distributiva, o artigo 13, § 4º, da LC 87/96, também julgado inconstitucional na ADC nº 49, atende muito mais à função distributiva que narramos acima, do que à função arrecadatória.
Isso se dá porque esse dispositivo estabelece o preço de transferência entre estabelecimentos do mesmo contribuinte localizados em estados diferentes, prevendo que o estado de origem só poderia receber o ICMS sobre o custo da mercadoria transferida – o resto do ICMS iria para o estado de destino.
Tome-se como exemplo a seguinte situação: uma fábrica localizada em São Paulo industrializa mercadorias e as envia para o seu centro de distribuição localizado em Pernambuco. Nesse caso, o estado de São Paulo apenas poderia cobrar ICMS com alíquota de 7% (alíquota interestadual) incidente sobre o custo da mercadoria – todo o resto do ICMS caberia a Pernambuco.
Tal mecanismo de transferência de créditos e divisão do ICMS entre os estados, ao lado da característica distributiva dos dispositivos da LC nº 87/96 ora discutidos, nunca foram julgados inconstitucionais. Não há uma só linha no acórdão da ADC nº 49 que trate do tema. Nesse ponto, aliás, há clara concordância entre Fisco e contribuintes: a função distributiva prevista na LC 87/1996 deve ser mantida; ela funciona há décadas dessa forma e não é inconstitucional.
Contudo, é exatamente o suposto fim dessa função distributiva que está gerando toda a discussão teórica entre estados e contribuintes. Tanto isso é verdade que uma das soluções que está sendo analisada no Congresso Nacional é alteração na LC 87/96 de modo a permitir a transferência de créditos entre estabelecimentos do mesmo contribuinte localizados em estados diferentes, respeitando os limites das Resoluções do Senado Federal acima referidas. Trata-se do Projeto de Lei do Senado Federal (PLS) nº 332/2018, que sofreu emenda recente pela Senadora Kátia Abreu, justamente após a decisão do STF na ADC nº 49. Confira-se:
Art. 12. ...................................................................
<ul>
<li>4º Não se considera ocorrido o fato gerador do imposto na saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte para outro estabelecimento de mesmo titular, mantendo-se integralmente o crédito tributário em favor do contribuinte que decorre desta operação.</li>
<li>5º Alternativamente ao disposto no § 4º deste artigo, fica o contribuinte autorizado a fazer a incidência e o destaque do imposto na saída do seu estabelecimento para outro estabelecimento de mesmo titular, hipótese em que o imposto destacado na saída será considerado crédito tributário pelo estabelecimento destinatário”.</li>
</ul>
Como se vê, a proposta é criar o mesmo mecanismo que já existe atualmente. Mostra-se imprescindível, pois, que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento dos embargos de declaração na ADC 49, esclareça que a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos questionados na ação foi parcial, sem redução de texto, apenas para afastar a obrigação dos estados de lavrarem autos de infração quando o contribuinte não utilizar a opção de destacar o ICMS nas transferências entre seus estabelecimentos.
De outro lado, na hipótese de o contribuinte optar pela incidência, continuará com o direito de transferir o crédito para o estabelecimento de destino, observados os limites da LC 87/1996 e das Resoluções do Senado Federal. Diante de todas as discussões, é importante que o Supremo deixe tudo isso muito claro, mantendo o status quo e evitando insegurança jurídica.
Note-se que uma decisão como essa é possível à luz do teor dos embargos de declaração. Em um dos pedidos, o estado do Rio Grande do Norte requer a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto do artigo 11, § 3º, II da LC 87/1996 (autonomia dos estabelecimentos de um mesmo contribuinte).
Para analisar esse ponto, o Supremo terá de reavaliar a questão como um todo, e o acolhimento desse pedido pode resultar da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto dos outros dois dispositivos questionados na ADC nº 49.
Com isso, ficará mantida a função distributiva da LC 87/1996 e continuará sendo permitido que contribuintes optem por destacar o ICMS nas transferências entre seus estabelecimentos, como forma de transferir os créditos de ICMS entre eles.
Ademais, tornar-se-ia desnecessária qualquer modulação, pois a decisão da ADC nº 49 continuará fulminando o que a jurisprudência sempre afastou: cobranças nessas transferências que prejudiquem o contribuinte que opta por não fazer o destaque do imposto.
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}, 3000);
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte” (Súmula 166, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/08/1996, DJ 23/08/1996, p. 29382).
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Art. 155, § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:  [...] II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores; [...].

Fotos produzidas pelo Senado

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JOTA

Decisão não firmou posição quanto aos créditos apropriados por ocasião da incidência do ICMS nas operações em análise

Novos caminhos para a ADC 49

Decisão não firmou posição quanto aos créditos apropriados por ocasião da incidência do ICMS nas operações em análise