Vanessa Kassem

Roland M. Stein

<p>Durante anos, a UE teve uma colcha de retalhos de diferentes regulamentos dos vários Estados Membros sobre o controle de Investimento Direito Estrangeiro (IDE). O <a href="https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:32019R0452&amp;from=PT#d1e663-1-1">Regulamento (UE) 2019/452</a> do Parlamento Europeu e do Conselho de 19 março de 2019, estabelecendo uma estrutura legal para a análise de IDE dentro da União Europeia (“Regulamento de Análise” ou “<strong>Regulamento</strong>”) constitui pela primeira vez um marco regulatório europeu uniforme para a triagem de investimentos de países fora do Bloco. Os fundamentos para o novo Regulamento não é apenas a eliminação da variedade de regramentos locais, mas também o constante crescimento no interesse de investidores estrangeiros em empresas europeias nos últimos anos.</p>
<p>Denota-se uma maior atenção ainda no que tange a investimentos estatais nas áreas de defesa e segurança além de importantes sectores de infraestrutura. O Regulamento tem como objetivo, de um lado, fortalecer os interesses estratégicos da UE e o suporte mútuo entre os Estados Membros através de novo mecanismo de cooperação.</p>
<p><a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a></p>
<h3><strong>Considerações gerais</strong></h3>
<p>O Regulamento está em vigor desde o final de 2020 e é a primeira legislação europeia em criar um marco regulatório para a aquisição de empresas sediadas na UE por residentes fora dos seus limites territoriais e, portanto, a primeira tentativa de delimitar linhas uniformes para o controle de investimentos na Europa.</p>
<p>O impulso inicial para a adoção desta legislação foi o <a href="https://www.bmwi.de/Redaktion/DE/Downloads/E/eckpunktepapier-proposals-for-ensuring-an-improved-level-playing-field-in-trade-and-investment.pdf?__blob=publicationFile&amp;v=4">Paper</a> de fevereiro de 2017 apresentado pelo ministros da economia da Alemanha, França e Itália com os principais pontos de proposta para análise de investimento em nível europeu. O pressuposto principal da iniciativa foi a compreensão de que as empresas europeias são menos competitivas porque não se beneficiam da mesma abertura ao investir no exterior que os investidores de países terceiros têm ao entrar no mercado europeu.</p>
<p>Além disso, à época, apenas alguns poucos Estados Membros tinham seus próprios regimes de controle. Com o Regulamento de Análise, os mecanismos existentes foram alinhados quando na elaboração das exigências. Entretanto, é importante ressaltar que a introdução de um regime local de controle de investimentos não é obrigatória para os Estados Membros. Desta forma, o Regulamento de Análise não estabelece uma obrigação geral e única de análise de IDE, mas sim requisitos mínimos que devem ser cumpridos pelos mecanismos locais existentes e pelos futuros quando estruturados.</p>
<h3><strong>Sistema de análise</strong></h3>
<p>O Regulamento de Análise é composto pelos recitais, um total de 17 artigos e um anexo. Começando por definir o seu objeto, o Art. 1 declara que o Regulamento tem o propósito de estabelecer uma estrutura para a análise do investimento direto estrangeiro na UE por razões de risco à segurança ou da ordem pública, bem como para uma criar um mecanismo de cooperação entre os Estados-Membros em si, bem como entre a Comissão e os Estados-Membros. O Art. 2 continua por apresentar algumas definições e conceitua "investimento direto estrangeiro " como aquele a ser realizado por um investidor estrangeiro com o objetivo de estabelecer uma relação duradoura e direta com uma empresa alvo estabelecida na UE.</p>
<h3><strong>Uniformização</strong></h3>
<p>O primeiro objetivo do Regulamento é a criação de uma estrutura para a análise do investimento direto estrangeiro, sendo que a decisão sobre a necessidade ou não de análise caberá aos Estados Membros (ver Art. 1 parágrafo. 3).  O Art. 3 do Regulamento estabelece os requisitos mínimos a serem observados, incluindo a necessidade de transparência na atuação, e na existência de um prazo para a análise, sem, contudo, defini-lo exatamente.</p>
<p>O Regulamento especifica ainda os fatores que podem ser utilizados pelos Estados Membros ou a Comissão na análise do IDE em razão de riscos à segurança ou ordem pública (ver Art. 4). Estes incluem o impacto potencial do investimento em questão em:</p>
<ul>
<li>infraestruturas-chave. ou críticas, tais como: energia, transporte, água, saúde, telecomunicações, mídia, dados, aeroespacial, defesa, eleitoral ou financeiras;</li>
<li>tecnologias e produtos de dupla utilização, tais como: inteligência artificial, robótica, semicondutores, cibersegurança, aeroespacial, defesa, armazenamento de energia, tecnologia quântica e nuclear, nano e biotecnologia;</li>
<li>fornecimento de recursos críticos, como energia ou matérias-primas;</li>
<li>acesso a informações sensíveis, como dados pessoais; e</li>
<li>liberdade e pluralidade da mídia.</li>
</ul>
<p>Além disso, os chamados fatores relacionados ao investidor, tais como: se este é uma empresa de controle estatal, se já participou de atividades que afetassem a segurança ou ordem pública de um Estado Membro, ou se existe risco de envolvimento em atividades ilegais ou criminosas.</p>
<p>Os requisitos mínimos tem um duplo propósito. Por um lado, a lista serve de orientação para os Estados Membros e a Comissão em caso de uma análise de IDE. Por outro lado, ela cria transparência para os investidores, para que possam avaliar melhor o risco de um potencial análise ao fazer um investimento. Entretanto, não há uma definição para o critério de "ordem pública” ou “segurança” que pode fundamentar a análise.</p>
<h3><strong>Mecanismo de cooperação</strong></h3>
<p>O segundo foco do Regulamento é a criação de um mecanismo de cooperação (Arts. 6, 7 e 8). Sob este mecanismo de cooperação, um Estado Membro deve notificar os demais Estados e a Comissão de sua decisão de analisar ou não analisar um IDE.  No caso de uma decisão positiva, todas as informações necessárias relacionadas ao investimento também devem ser fornecidas, para que seja possível aos demais Estados Membros também analisar a existência de um potencial impacto na sua segurança ou ordem pública.</p>
<p>Caso entenda haver um impacto, o mecanismo permite que o Estado Membro atingido apresente observações ao Estado Membro foco do investimento. A Comissão também pode enviar observações em caso de prováveis danos à ordem pública ou à segurança de diversos Estados Membros, projetos ou programas de interesse da União ou se tiver informações relevantes sobre o investimento. Se dois terços dos Estados Membros considerarem que são afetados pelo investimento, a Comissão tem a obrigação a emitir um parecer.</p>
<p>O Regulamento define prazos específicos para a interação entre o Estado Membro foco do investimento, os demais Estados Membros e a Comissão. Tais prazos devem ser tomados em consideração na definição do procedimento de análise de cada Estado Membro.</p>
<p>Embora os comentários e pareceres não sejam vinculantes ao Estado Membro foco do investimento, eles devem ser devidamente considerados em sua análise. Desta forma, ao examinar um IDE, não apenas os interesses de segurança devem ser observados, mas também de outros Estados Membros e da própria UE.</p>
<h3><strong>Disposições complementares</strong></h3>
<p>As demais disposições do Regulamento servem para garantir o seu bom funcionamento. Por exemplo, os Estados Membros devem estabelecer canais de contato entre si para melhorar a comunicação em caso de dúvidas, além de garantir a implementação efetiva do mecanismo de cooperação (Art. 11). Além disso, é assegurado o tratamento confidencial de todas as informações obtidas a fim de proteger as partes envolvidas (Art. 10). A Comissão apresentará com regularidade relatórios a fim de avaliar o funcionamento e a eficácia do Regulamento (Art. 15).</p>
<h3><strong>Listagem de projetos ou programas de interesse da União</strong></h3>
<p>O Anexo do Regulamento também lista projetos ou programas de interesse específico da EU. Estes incluem, entre outros, os Programas GNSS europeus (Sistema Global de Navegação por Satélite, em inglês: <em>Global Navigation Satellite System</em> – GNSS), e o programas <em>Copernicus</em> e <em>Horizon 2020</em>. Tais programas apresentam um volume significativo de recursos da EU, além de se enquadrarem como infraestrutura crítica, tecnologias críticas ou recursos críticos (ver Art. 8, para. 3).</p>
<p>Caso exista a preocupação de que o investimento impacte estes projetos, por exemplo em razão do envolvimento nos mesmos da empresa alvo, o Estado Membro poderá se valer deste fator em sua análise, bem como a Comissão poderá apresentar um parecer através do mecanismo de cooperação.</p>
<p>A Comissão está atualmente <a href="https://ec.europa.eu/transparency/expert-groups-register/screen/meetings/consult?fromExpertGroups=true%E2%9F%A8%3Den&amp;meetingId=28174">consultando</a> um grupo de especialistas para expandir a lista de projetos e programas de interesse da União constante do Anexo. No futuro, é provável, portanto, que mais projetos deveram ser levados em consideração quando da análise de um IDE.</p>
<h3><strong>Conclusão</strong></h3>
<p>Em geral, o Regulamento de Análise leva a um alinhamento dos diversos regimes de controle dos Estados Membros, estabelecendo requisitos mínimos a serem respeitados. Isto permite que os investidores estrangeiros avaliem o risco do investimento de forma mais transparente. Por outro lado, muitos critérios permanecem ainda indefinidos, levando a uma clara insegurança jurídica. Isto é especialmente verdade quando se trata do conceito de investimentos "suscetíveis de afetar a segurança ou a ordem pública”, decisivo para o sucesso de uma avaliação de IDE.</p>
<p>Outro ponto negativo é que o desenho exato dos mecanismos de análise varia de Estado Membro para Estado Membro e, portanto, exigências diferentes ainda devem ser observadas em cada jurisdição. A Alemanha, por exemplo, vem apresentando <a href="https://www.blomstein.com/en/news.php?n=further-tightening-of-investment-control-in-germany-17th-amendment-of-the-foreign-trade-and-payments-ordinance-atypical-acquisitions-intra-group-exemption-and-transitional-provision">mudanças em seu procedimento</a>.</p>
<p>Além disso, é questionável se o mecanismo de cooperação introduzido pelo Regulamento realmente leva a uma maior proteção dos interesses essenciais de segurança da UE.  É verdade que um prejuízo previsível de projetos ou programas da UE podem ser invocados pela Comissão. No entanto, seus pareceres não têm um caráter vinculante.</p>
<p>De toda forma, a introdução deste Regulamento é um passo na direção certa - a harmonização jurídica de toda a União Europeia.</p>
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JOTA

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