Renato Buranello

Na última semana notícias circunstancialmente ligadas, foram veiculadas nas mais variadas mídias. Conforme dados da Serasa Experian o número de produtores rurais que ingressaram com pedidos na Justiça de recuperação judicial no primeiro trimestre deste ano foi 6 vezes maior do que o registrado no mesmo período de 2023. O indicador destaca que de janeiro a março de 2024 foram protocolados 106 pedidos, quase o mesmo montante registrado no ano passado inteiro, quando foram apresentadas 127 solicitações.
O fato é que o ano de 2024 tem sido marcado por volatilidade dos preços das commodities, condições climáticas adversas e a crescente pressão dos custos operacionais. Essas questões têm levado muitos produtores rurais a buscarem a recuperação judicial como uma solução geral e genérica a reorganização do endividamento.
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Nesse mesmo contexto, decisões judiciais oscilantes têm trazido insegurança aos agentes econômicos que atuam em toda Cadeia de Produção Agroindustrial (CAI). Em especial, uma decisão em Sinop, em Mato Grosso, soma-se ao mesmo quadro de importante reflexão no âmbito do Mercado Financeiro de Capitais.
A decisão tem por objeto a questão da essencialidade ligada a bens dados em garantia (Alienação Fiduciária) de uma operação de Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA).
Tanto a crise de liquidez e baixas margens das operações de grãos no Centro-Oeste, como os precedentes nos processos de recuperação judiciais que envolvem produtores rurais, ligam-se há uma mudança de paradigma das Políticas Agrícolas, incentivo ao crédito privado como parte essencial para as transformações econômico-sociais e tecnológicas do setor.
Até aqui adotamos um sistema misto de crédito rural com recursos oferecido pelo mercado financeiro, mas com mecanismos de controle e subsídio estatal através do direcionamento obrigatório (exigibilidades e equalização de taxas). Apesar do crescimento do volume nominal do crédito rural, sua evolução é desproporcionalmente inferior ao VBP do agro em percentual do PIB.
Em um esforço combinado entre as instituições, Poder Executivo e Legislativo ao lado das entidades e associações representativas de todos os segmentos da Cadeia de Produção Agroindustrial e após a edição da Cédula de Produto Rural em 1994 (Lei 8.929), foi criado o que temos chamado de Sistema Privado de Financiamento do Agronegócio.
Assim, entre 2011 e os dias atuais uma esteira regulatória veio confirmar essa mudança de paradigma para o financiamento rural. Podemos citar, principalmente, a criação dos Títulos de Crédito do Agronegócio (Lei 11.076), Regulamentação do CRA (ICVM 600), Lei do Agro I (13.986), Lei do Agro II (14.421) e Fiagro (Lei 14130 e resolução CVM 39), CRA com Variação Cambial (CMN 4.947), ainda, na direção da bioeconomia foram reforçados apoio a programas de agricultura sustentável, e seguindo a criação da CPR Verde (Decreto 10.828) e da implantação da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA Lei 14.119).
Esse novo sistema vem sendo consolidado, por meio da emissão e circulação junto ao público investidor de títulos de crédito destinados ao financiamento das diversas etapas produtivas em um novo passo rumo à desintermediação do financiamento (“monetização de safras”).
A Lei 14.112/2020 legitimou o produtor rural a ajuizar pedido de Recuperação Judicial, conforme atualmente previsto no artigo 48 da Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação e Falência). Trata-se de positivação de entendimento já antes firmado no STJ no julgamento dos leading case: J. Pupin. Neste restou delimitada a possibilidade do produtor rural pessoa física se valer do instituto da Recuperação Judicial, mesmo que não registrado na Junta Comercial pelo período mínimo de dois anos, desde que: estivesse registrado no Registro Público de Empresas Mercantis no momento do pedido e apresentasse documentação que comprovasse a prática de atividade agrícola em caráter empresarial pelo período de dois anos.
Nesse sentido, outra conjectura passou exigir uma atuação específica do legislador. A análise prática dos casos de recuperação judicial ajuizados entre o período de 2018/2020, demonstrou que a documentação apresentada pelos produtores era demasiadamente esparsa, e que muitos não possuíam a estrutura contábil base fiscalmente exigida.
Diante da celeuma, a documentação necessária para ingresso com pedido de recuperação judicial pelo empresário rural individual passou a ser expressamente prevista em rol taxativo, introduzido à LRF pela Lei 14.112/2020. Assim, e não menos importante, no mesmo contexto de aplicação o art. 51 da LRF, destaca-se que o empreendedor rural deverá comprovar a crise de insolvência, caracterizada pela insuficiência de recursos financeiros ou patrimoniais com liquidez suficiente para saldar suas dívidas.
As exigências legais dos fundamentos e documentos específicos a serem apresentados pelo produtor rural que deseja ingressar com pedido de recuperação judicial, além de funcionar como estímulo ao maior rigor técnico-contábil da documentação escritural mantida pelos produtores rurais, serve para a gestão dos negócios para qualquer tipo e porte de empresário. Importa destacar, que na tramitação do projeto de lei, foram ouvidos representantes de todos os segmentos do setor – desde as principais associações produtores rurais, tradings, instituições financeiras e cooperativas.
Apesar da regulamentação expressa dos requisitos instrumentais ao produtor rural pessoa física, já se nota certa flexibilização pelos tribunais estaduais, que têm deferido o processamento mesmo nos casos em que não é apresentada a documentação completa. As decisões são pouco analíticas e não costumam adentrar no exame detalhado de quais documentos foram apresentados, se atendo a consignar que, para ajuizamento da RJ, o empresário rural não precisa estar inscrito na Junta Comercial pelo período mínimo de dois anos.
Em se tratando do cenário de recuperação judicial do empresário rural, os credores com garantia fiduciária, apesar de não sujeitos ao concurso, não raramente encontram dificuldades na efetiva recuperação do crédito detido, vez que os bens objetos da garantia são considerados como bens de capital essenciais e sua excussão é negada. Em análise dos julgados dos mais diversos tribunais estaduais, nota-se uma tendência pela interpretação ampliativa do conceito de “bem de capital”.
A fidúcia encerra a ideia de uma convecção pela qual uma das partes (fiduciário), recebendo da outra (fiduciante) a propriedade fiduciária de um bem, assume a obrigação de dar-lhe determinada destinação, no caso, responder de maneira específica a um inadimplemento. Reforça-se, uma vez concluída a formalização, o fiduciário passa a ser titular pleno do bem incorporando ao seu patrimônio, e assim, o bem passa a constituir garantia do crédito. Através desse conceito e características a obtenção do financiamento ocorre em melhores condições gerais e menores taxas de juros.
Na formação do negócio jurídico, os vícios de consentimento tratam de uma divergência entre a vontade real da parte e a vontade que foi declarada. O dolo incide no ato comissivo ou omissivo de alguém que maliciosamente leva outrem a fazer negócio jurídico que lhe é prejudicial e que o mesmo, não seria realizado ou realizado em outras condições caso a verdadeira função fosse revelada na formação do negócio jurídico. A concessão livre de uma garantia fiduciária e posterior declaração de essencialidade formam uma estratégia e tocam a um vício, também claro afastamento da boa-fé contratual.
Para além do Direito e nos fundamentos da Teoria Econômica aplicada as Cadeias de Produção Agroindustriais, ao entender a fazenda como um negócio, o produtor rural busca fontes de informações técnicas, de mercado e de gestão, visando otimização de recursos e elevação da sua competitividade. A maior competitividade do produtor ocorre por meio de uma eficiente aquisição de insumos e maquinários, melhorias dos processos internos, acesso às linhas de financiamento adequadas, utilização de ferramentas de comercialização mais vantajosas e melhor gestão do risco. Esta visão de um negócio de produção rural, é cada vez mais frequente entre os produtores” (Zylberstajn, Neves e Caleman, org. 2015).
O produtor rural interage com o mercado através de contratos que alocam os riscos da atividade entre as partes, é, portanto, instrumento para coordenar as transações permitindo previsibilidade. A quebra da unidade da cadeia agroindustrial significa a criação de novos e mais extensos riscos.
A visão cada vez mais importante da Análise Econômica do Direito (AED) a respeito do adimplemento ou inadimplemento do contrato, deve ter relação com a criação de incentivos econômicos para que os agentes tomem um comportamento esperado e de outro modo, ocorra a imposição de remédios jurídicos adequados, de forma a evitar majoração dos custos de transação de uma parte em relação à outra, mediante a adoção por uma delas de comportamentos oportunistas.

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JOTA

Produtor rural interage com o mercado através de contratos que alocam os riscos da atividade

Novo paradigma de financiamento rural exige transparência e segurança do crédito

Produtor rural interage com o mercado através de contratos que alocam os riscos da atividade