Kelly Felix

Lílian de Castro Peixoto

Marcela de Oliveira Santos

Marina Anselmo Schneider

“O Brasil necessita investir mais de R$ 20 bilhões por ano até 2033, para universalizar a cobertura de água e esgoto em todo o seu território e evitar a morte prematura de 15 mil pessoas por ano por doenças de veiculação hídrica ou causadas pela ausência de saneamento.”
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
“A grande variabilidade de regras regulatórias se consolidou como um obstáculo ao desenvolvimento do setor e à universalização dos serviços”
“E numa conjuntura de grave crise fiscal com restrição de investimentos públicos, ao governo federal só resta constituir sólidas parcerias com a iniciativa privada, com apoio imprescindível dos estados e municípios e com o interesse único de levar conforto, qualidade de vida e saúde aos brasileiros desassistidos.”
Todos os trechos acima constam da exposição de motivos do novo Marco Legal do Saneamento, Lei 14.026/2020, editada há pouco mais de um ano.
Com o claro e expresso objetivo de promover a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033 e a partir do reconhecimento de que é necessário atrair o capital privado para dar conta de tamanho desafio diante do declarado e notório déficit público, a Lei 14.026/20 tem como um dos seus principais pilares, alinhados com a motivação da sua edição: a promoção de competição, a partir da abertura do mercado ao setor privado, em igualdade de condições com as empresas públicas, o que se materializa principalmente com a vedação à celebração dos contratos de programa.
O art. 16 do Novo Marco Legal, que previa a possibilidade de, até 31 de março de 2022, as estatais de saneamento negociarem com os municípios acordo para prorrogarem seus contratos de programa pelo prazo máximo de 30 anos, foi vetado justamente por estar em  sentido oposto.
Conforme se extrai das razões de veto do dispositivo, “a proposta, além de limitar a livre iniciativa e a livre concorrência, está em descompasso com os objetivos do novo marco legal do saneamento básico que orienta a celebração de contratos de concessão, mediante prévia licitação, estimulando a competitividade da prestação desses serviços com eficiência e eficácia, o que por sua vez contribui para melhores resultados”.  
A seleção competitiva do prestador dos serviços é colocada, inclusive, como objetivo fundamental do Novo Marco Legal (art. 2º, art. XV), reconhecendo que um processo de concorrência bem estruturado permite a seleção do prestador mais capacitado, com maior vantagem técnica e com estrutura econômica e financeira adequadas a assegurar qualidade ao titular do serviço e à população atendida.
Apesar da nitidez dos objetivos almejados pelo Novo Marco Legal e das diretrizes claríssimas nele constantes, está sendo discutida uma suposta viabilidade da continuidade da prestação de serviços pelas empresas estaduais, mediante a celebração de contrato de programa. Tal interpretação, além de ilegal e inconstitucional, parece-nos também inadequada e oportunista.
Em resposta a essa argumentação que se desenha no cenário nacional, sustentamos neste artigo que a interpretação adequada do Novo Marco Legal é aquela segundo a qual as companhias estaduais de saneamento não podem mais prestar serviços de saneamento, com fundamento em contratos de programa, sem que tenham sido selecionadas por meio de processo licitatório prévio. Isto pelas razões a seguir.
<div id="sdr-inbound-form-artigos-impacto-nas-instituicoes-8c5227dd4ede3347a6c6" role="main"></div>
<script type="text/javascript" src="https://d335luupugsy2.cloudfront.net/js/rdstation-forms/stable/rdstation-forms.min.js"></script> 
<script type="text/javascript"> new RDStationForms('sdr-inbound-form-artigos-impacto-nas-instituicoes-8c5227dd4ede3347a6c6', 'UA-53687336-1').createForm();</script>
<blockquote class="jota-article__eye">Em primeiro lugar, segundo o art. 10 do Novo Marco, a regra é a realização de licitação e a celebração de contratos estáveis e seguros, a exemplo do que vem sendo feito nos demais setores, com sucesso.</blockquote>
A norma pode ser assim traduzida: (i) os serviços públicos de saneamento básico não poderão ser prestados via contrato de programa, convênio, termos de parceria ou outros instrumentos de natureza precária; (ii) tais serviços devem, obrigatoriamente, ser precedidos de licitação visando à celebração e contratos de concessão, nos termos do art. 175 da Constituição Federal.
Em segundo lugar, para não deixar qualquer dúvida, a Lei 14.026 também alterou a Lei de Consórcios Públicos (Lei 11.107/05) para prever que é proibida a formalização de novos contratos de programa para a prestação de serviços públicos de saneamento, e que estes serviços somente podem ser prestados por concessão ou permissão, precedida de licitação (at. 13, §8º). É o fim da precariedade e excepcionalidade dos instrumentos que regem a prestação dos serviços de saneamento básico.
A única exceção às exigências constantes do art. 10 é a situação em que a entidade prestadora dos serviços seja integrante da administração do titular. É exatamente aqui se procura encaixar uma interpretação indefensável, sob a alegação de que, em caso de prestação regionalizada, o estado seria o titular dos serviços, e, sendo as empresas estatais pertencentes à estrutura estadual, a licitação estaria afastada. Tal interpretação parece-nos equivocada e sem amparo legal, além de diametralmente oposta aos objetivos almejados e claramente delineados pelo Novo Marco Legal.
É que, em nenhuma hipótese, a titularidade dos serviços é do estado. Ao contrário do que vem sendo afirmado, o art. 8º da Lei 11.445 não retirou a titularidade municipal dos serviços de saneamento básico, mas escalonou da seguinte forma: a titularidade é municipal, em caso de interesse local; e é exercida em conjunto pelos estados e municípios, em caso de interesse comum. Não há, nem no art. 8º nem em outros dispositivos, qualquer previsão de que o estado exerça a titularidade dos serviços de saneamento isoladamente.
A questão toma dimensão constitucional pois esse entendimento já foi pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 1.842/RJ, que fixou entendimento segundo o qual os temas de interesses comum ou locais que tenham reflexos regionais são de competência compartilhada entre o estado e os municípios.
Não é possível argumentar que o dever do estado de instituir as unidades regionais o tornaria titular dos serviços. O fato de o estado ter esse papel ordenador do território não altera a titularidade dos municípios, e nem poderia fazê-lo, pois a titularidade é irrevogável e indelegável.
A análise do Novo Marco Legal permite exclusivamente a conclusão de que as entidades estaduais não podem mais prestar tais serviços sem licitação. Consequentemente, caso uma empresa estadual pretenda prestar serviços de saneamento básico em um município ou mesmo para um conjunto de municípios, deve obrigatoriamente participar de licitação, ainda que pertença à estrutura do estado que, consoante a lei e a decisão do STF, não exerce a titularidade dos serviços individualmente.
É relevante destacar que não há impedimento para que as estatais estaduais prestem esse serviço. Podem prestá-los, desde que seja por seleção competitiva e mediante a comprovação da capacidade econômico-financeira, nos termos do Decreto 10.710/21. O Novo Marco Legal exige que todos os prestadores, públicos e privados, se preparem para uma nova fase do setor, sem improvisos e com mais segurança jurídica.
Por fim, vale acrescentar que, ainda que possível fosse se extrair do artigo 10 alguma brecha que permitisse às estatais estaduais seguir prestando serviços nos municípios sem licitação, tal interpretação seria equivocada e inoportuna. Com efeito, na interpretação de qualquer norma jurídica não pode o intérprete se contentar com uma análise pautada exclusivamente na literalidade de seu texto.
Mesmo a norma de linguagem extremamente clara e precisa, comporta relativização quando se tem em vista os fins originalmente por ela pretendidos. Necessário se faz, portanto, uma avaliação da norma jurídica sob a ótica da sua finalidade, inquirindo o intérprete qual o resultado que esta almeja alcançar. E a interpretação finalística do Novo Marco Legal não se coaduna com a pretensa interpretação que se pretende fazer valer, permitindo a continuidade dos contratos de programa, ainda que em casos muito restritos!

tratamento de agua

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

As estatais estaduais podem seguir prestando serviços nos municípios sem licitação?

Novo Marco Legal do Saneamento e a prestação direta dos serviços pelas empresas

As estatais estaduais podem seguir prestando serviços nos municípios sem licitação?