Juliano Zorzi

No último dia 25 de novembro, o governo federal enviou ao Congresso o novo Marco de Garantias (<a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2309053">PL 4188/2021</a>), projeto de lei que objetiva reduzir custos de financiamento e facilitar o acesso ao crédito por meio do uso mais eficiente e seguro de garantias por financiadores.
Historicamente, investidores encaram, não sem alguns motivos, a recuperação do crédito como cara e imprevisível no Brasil. A falta de garantias (ou a falta de garantias eficazes e seguras sob os aspectos prático e jurídico) é apontada como um dos maiores entraves do mercado de crédito no Brasil, o que encarece operações de financiamento e inviabiliza muitos projetos de longo prazo.
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A iniciativa foi vista com bons olhos pelos agentes de mercado. “A experiência mostra que o crédito se expande quando temos algumas condições, como um ambiente de negócios que contribua para mitigar o risco de inadimplência e de perdas com as operações de crédito”, afirmou Isaac Sidney, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). De acordo com Isaac, a recuperação de garantias no país é atualmente baixa, demorada e cara, razão pela qual “os custos do crédito sobem e os juros ficam mais altos para os tomadores”.
Nesta abordagem, o projeto de lei propõe o aprimoramento das garantias e a criação de entidades especializadas em gestão de garantias, dentre outras medidas, em especial a possibilidade de constituição de múltiplas garantias fiduciárias sobre um mesmo imóvel.
A alienação fiduciária é a garantia imobiliária mais utilizada no Brasil. Desde a sua criação, com o advento da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm">Lei 9.514/1997</a> (Lei de Alienação Fiduciária), a alienação fiduciária sempre avançou na preferência dos investidores, ocupando o espaço no mercado brasileiro de crédito tradicionalmente reservado à hipoteca. Em grande medida isso se deveu à facilidade e à velocidade de execução da garantia fiduciária em caso de inadimplemento do devedor, realizada por meio de procedimento extrajudicial perante o Cartório de Registro de Imóveis, diferentemente da hipoteca, que necessariamente requer a intervenção do Poder Judiciário.
É verdade que o instituto da alienação fiduciária sofreu diversos questionamentos e teve que ser posto à prova a partir das primeiras ocorrências de inadimplemento por parte dos devedores fiduciantes. Dentre os motivos pelos quais alguns credores ainda preferiam a hipoteca estava a interpretação extensiva do parágrafo 5º do artigo 27 da Lei de Alienação Fiduciária, que determina a extinção automática da dívida no caso de consolidação definitiva do imóvel na propriedade do credor (i.e., na falta de arrematantes em primeiro e segundo leilão), ainda que o valor do imóvel seja inferior ao saldo atualizado da dívida. O dispositivo foi concebido sob a ótica das contratações realizadas no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), em que o crédito corresponde a uma parte do valor de aquisição do próprio imóvel. Contudo, a discussão girava em torno da aplicação da regra na concessão de créditos de outras naturezas, inclusive aqueles destinados à atividade empresarial.
Ao longo dos anos, tais questionamentos foram superados pela jurisprudência e leis subsequentes, que ratificaram e modernizaram os mecanismos da alienação fiduciária. Desde a entrada em vigor da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13043.htm">Lei 13.043/2014</a> (que submeteu a alienação fiduciária às disposições gerais do Código Civil relativas às garantias reais, no que for aplicável), entende-se que a regra do parágrafo 5º do artigo 27 da Lei de Alienação Fiduciária pode ser afastada em operações fora do âmbito do SFI, autorizando o credor a executar eventual saldo devedor naquilo que ultrapassar o valor do imóvel (desde que devidamente regulamentado no respectivo instrumento de constituição da garantia).
Hoje, a alienação fiduciária é notoriamente mais utilizada no Brasil do que a hipoteca, salvo em algumas hipóteses específicas como garantia sobre imóveis rurais em favor de estrangeiros ou, ainda, operações nas quais o devedor pretende constituir mais de uma garantia real sobre o mesmo imóvel (a hipoteca permite a constituição de múltiplos graus de garantia sobre um mesmo imóvel, inclusive para múltiplos credores).
A alienação fiduciária oferece maior segurança em relação a créditos de terceiros. A par da velocidade na execução da garantia, a alienação fiduciária oferece maior segurança aos investidores em relação a créditos de terceiros. Neste sentido, é importante lembrar que, tecnicamente, a alienação fiduciária implica a transferência da propriedade (resolúvel) ao credor até a satisfação do crédito. Assim, tendo sido retirado do patrimônio do devedor, o imóvel não responde por dívidas posteriores de terceiros, mesmo nos casos de decretação de falência ou recuperação judicial. Nos termos do art. 49, parágrafo 3° da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm">Lei 11.101/2005</a> os credores fiduciários são considerados extraconcursais e assim perseguem a satisfação de seus créditos sobre os bens cuja propriedade resolúvel lhes foi transferida.
Já no âmbito da hipoteca, o imóvel é gravado com uma garantia real, porém permanece no patrimônio do devedor. Neste cenário, em eventual processo de recuperação judicial ou falência, a garantia do credor poderá estar subordinada à prévia satisfação dos créditos preferenciais, em especial aqueles decorrentes de pensões alimentícias, salários e dívidas trabalhistas.
O projeto de lei autoriza o “fracionamento” do imóvel para fins de garantia fiduciária. O texto proposto autoriza o registro de múltiplas alienações fiduciárias de um mesmo imóvel. Para tanto, estabelece-se uma ordem de prioridade temporal, i.e., a eficácia das garantias de transações posteriores estará sujeita à satisfação dos créditos anteriores - condicionada à resolução da(s) alienação(ões) fiduciária(s) antecedente(s) e retorno da propriedade ao patrimônio do devedor/tomador.
Na prática, o projeto de lei pretende possibilitar o “fracionamento” do imóvel para fins de constituição de múltiplas garantias em operações distintas, inclusive com credores diferentes, de forma a beneficiar os tomadores, permitindo-lhes uma alavancagem maior de seus patrimônios.
De acordo com o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, quando um imóvel é usado como garantia em empréstimos, ele fica “bloqueado” até que a última prestação seja paga. Caso o PL 4188/2021 seja aprovado, apenas a parte do bem correspondente ao valor do empréstimo ficará “bloqueada”. “Nós estamos devolvendo ao dono da garantia o seu direito de usá-la. Porque hoje não é assim. Hoje você vai num banco, por exemplo, você tem uma casa de R$ 1 milhão, você pega R$ 100 mil emprestado, a casa inteira fica [como garantia] para o banco."
A operacionalização do serviço de crédito bancário com garantia “fracionada” ficará a cargo das Instituições Gestoras de Garantias (IGGs). As IGGs serão responsáveis pela constituição, utilização, gestão e compartilhamento de garantias nas operações de crédito pactuadas entre o devedor e instituições financeiras, com o objetivo de facilitar a utilização e o compartilhamento de garantias. O funcionamento das IGGs deverá ser autorizado pelo Banco Central com base em critérios a serem definidos pelo Comitê Monetário Nacional.
Pela sistemática proposta, o proprietário poderá contratar linhas de créditos até o limite do valor do imóvel em garantia. "Os tomadores de empréstimos passarão a ter a possibilidade de fornecer suas garantias a essas instituições para avaliação e gestão. As IGGs definirão, com base nas garantias, o limite de garantia que o mutuário poderá ter acesso em diversas instituições do sistema financeiro", explicou o Ministério da Economia, em comunicado.
As IGGs serão as responsáveis pela execução da garantia em caso de inadimplência do tomador do empréstimo, porém não poderão praticar qualquer atividade típica de instituição financeira, inclusive operações de crédito. "O intuito é prever a separação da entidade que recebe a garantia, neste caso a IGG, da entidade que concede o crédito, para se evitar conflito de interesse", de acordo com o ministério.
O projeto tenta revitalizar a hipoteca e permite a sua execução de forma extrajudicial. A execução extrajudicial de créditos garantidos por hipoteca poderá ocorrer independentemente de previsão contratual, e será possível executar a garantia imobiliária em caso de concurso de credores. As alterações nas regras da hipoteca têm como objetivo aproximar esse instrumento de garantia à eficiência encontrada na alienação fiduciária.
A medida avança ao potencializar a máxima extração de valor do patrimônio dos tomadores de créditos. Se aprovado, o PL permitirá uma gestão mais eficaz do patrimônio de tomadores, por meio de alternativas para monetizar seus bens, refinanciar passivos mais onerosos ou realizar investimentos se valendo de seu patrimônio imobiliário.
De acordo com o ranking Doing Business 2020, o Brasil ocupa a 104ª posição entre 190 países no quesito “obtenção de crédito”. Com efeito, a falta de garantias ou exigências de garantias muito elevadas é um impeditivo para a obtenção de crédito por empresas de todos os portes. O percentual de empresas que relatam ter problemas para obter crédito no BNDES devido a garantias é de 47% nas pequenas, 50% nas médias e 61% nas grandes.
Maior liberdade e disciplina no compartilhamento e na execução de garantias entre credores não apenas agrega valor ao patrimônio imobiliário dos tomadores, mas também tende a tornar o crédito mais barato e acessível.
A criação da figura das IGGs supõe transparência e eficiência da entidade para que ocorra a aderência por parte dos financiadores; a figura de um agente de ordenamento dos créditos sobre o mesmo imóvel e sua excussão, muito embora possa representar remunerações adicionais, quebra impasses decorrentes de relacionamentos comerciais, escolha de profissionais encarregados da excussão e outros temas que podem consumir tempo e adicionar custos, enfim a remuneração ao cabo pode ser “dinheiro bem empregado” no custo geral da concessão de créditos.
Por fim, destaque-se que, em relação à primeira tentativa de fracionamento de garantia trazida pela MP 992/2020 – que perdeu eficácia por lapso do prazo de conversão–, o novo Marco de Garantias é muito mais consistente ao permitir a utilização de um imóvel para obtenção de créditos perante instituições distintas. Além de limites de remuneração e de prazo baseadas na primeira operação garantida, a MP 992/2020 autorizava o fracionamento de garantia somente para operações contratadas com o mesmo credor.

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JOTA

Se aprovado, PL 4188/2021 permitirá gestão mais eficaz do patrimônio de tomadores, com alternativas para monetizar seus bens

Novo Marco de Garantias tende a tornar crédito mais acessível

Se aprovado, PL 4188/2021 permitirá gestão mais eficaz do patrimônio de tomadores, com alternativas para monetizar seus bens