Thomas Ensign

Elizabeth Suarez

Kaylynn Noethlich

A FTC (Comissão Federal de Comércio dos EUA) entrou com processos para bloquear três fusões verticais ao longo do ano passado, sinalizando uma mudança em suas prioridades de fiscalização. Em cada um dos casos, remédios comportamentais foram considerados inadequados para endereçar os prejuízos anticompetitivos identificados, levando as partes a abandonarem duas dessas operações, enquanto a terceira foi fechada, apesar da impugnação em andamento.
Além disso, a presidente da FTC, Lina Khan, tem demonstrado clara intenção de enrijecer os padrões de análise de fusões verticais, que considera excessivamente permissivos e fundados em premissas econômicas equivocadas, especialmente no que se refere a empresas de tecnologia que utilizam a integração vertical como um “caminho para a dominância”.
Até o momento, as impugnações às operações verticais da FTC têm se baseado em teorias do dano tradicionais, mas líderes tanto da Divisão Antitruste do Departamento de Justiça dos EUA (DOJ), quanto da FTC (juntas, as “agências”), já sinalizaram seu intuito de seguir novas teorias em suas próximas investigações, que incluem considerar os efeitos das operações nos mercados de trabalho, bem como as especificidades dos mercados digitais e a influência de novos concorrentes sobre a inovação. É provável que isso seja refletido nas versões atualizadas das diretrizes sobre fusões (as “diretrizes”), que serão lançadas em breve.
<h3>Abordagem histórica das operações verticais nos EUA</h3>
Uma operação puramente vertical tradicional ocorre entre empresas em diferentes níveis da mesma cadeia de fornecimento. Assim, as companhias normalmente combinam produtos ou serviços complementares de maneira a gerar eficiências, beneficiando, a princípio, os consumidores e a concorrência. Como resultado, transações verticais são comumente vistas como menos propensas a ameaçar a concorrência do que transações horizontais (i.e., <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/fusoes-e-aquisicoes">aquisições ou fusões</a> entre concorrentes). No passado, as agências identificaram preocupações concorrenciais em relação a operações puramente verticais apenas quando havia risco elevado de que possibilitassem fechamento de mercado, ou viessem a facilitar a coordenação entre concorrentes.
As primeiras diretrizes elaboradas pelas agências e utilizadas para analisar operações verticais foram as Diretrizes para fusões, de 1968, que incluíam uma seção discutindo fusões verticais. As Diretrizes para Fusões Horizontais, de 1984, atualizaram tais orientações, em uma seção dedicada a Fusões não horizontais, que foi posteriormente inserida em um documento separado, as Diretrizes para Fusões Não Horizontais.
As primeiras orientações expressamente denominadas <a href="https://www.ftc.gov/system/files/documents/reports/us-department-justice-federal-trade-commission-vertical-merger-guidelines/vertical_merger_guidelines_6-30-20.pdf">Diretrizes para Fusões Verticais</a> (DFVs 2020) foram publicadas em conjunto pelas agências em 2020, visando proporcionar maior transparência e previsibilidade a empresas envolvidas em operações verticais, apesar de não trazer mudanças significativas em relação à abordagem de tais operações pelas autoridades. As DFVs 2020 apresentavam discussões detalhadas e exemplos relacionados a teorias do dano de aumento dos custos de concorrentes e de fechamento de mercado, que têm sido as principais teorias aplicadas em investigações de fusões verticais. As DFVs 2020 também destacavam a relevância da avaliação de eficiências na análise das agências, e descreviam a importância da eliminação da dupla marginalização (EDM) no contexto de fusões verticais, enfatizada por economistas como um frequente efeito pró-competitivo desse tipo de transação, dada a pressão resultante para a redução de preços.
<h3>Apoio à mudança no governo Biden</h3>
Desde a publicação das DFVs 2020, contudo, o movimento antitruste neobrandeisiano nos EUA vem pressionando as agências a mudarem sua forma de analisar fusões verticais. O movimento reivindica um maior escrutínio desse tipo de transação, considerando que integrações verticais têm gerado níveis crescentes de concentração em diversas indústrias, e levado à adoção de práticas monopolistas por grandes empresas, em prejuízo ao processo competitivo. Neobrandeisianos também acreditam que as autoridades antitruste têm atribuído importância exagerada a eficiências especulativas e não realizadas como justificativa para permitir consolidações verticais excessivas. O movimento ganhou força quando dois de seus membros mais proeminentes, Lina Khan e Tim Wu, assumiram cargos de autoridade dentro do atual governo, na qualidade de presidente da FTC e assistente especial do presidente para Políticas de Tecnologia e Concorrência do Conselho Econômico Nacional, respectivamente.
Sob a liderança de Khan, em setembro de 2021, a FTC votou, em linhas partidárias (3 a 2), pela revogação das DFVs 2020, embora o DOJ não tenha participado dessa decisão. Ao anunciar a revogação, a maioria democrata da FTC destacou o que considerava equivocado nas DFVs de 2020, e indicou a “discussão falha” sobre os efeitos pró-competitivos das fusões verticais como uma prioridade a ser corrigida. A maioria considerou a importância dada à EDM pelas DFVs 2020 “teórica e factualmente equivocada”, apesar dos benefícios pró-competitivos dela resultantes. Os comissários democratas também alegaram que as diretrizes eram inconsistentes com o estatuto Clayton Act, o qual, segundo eles, não fornece “qualquer base” para que uma fusão geradora eficiências seja autorizada, se, por outro lado, ela também reduz a concorrência.
Durante o período imediatamente anterior e posterior à revogação das DFVs 2020 pela FTC, a agência contestou três fusões verticais (todas centradas em mercados de produtos tecnológicos), levantando preocupações relativas a fechamento de mercado e à elevação do risco de coordenação entre agentes de mercado. Duas das três impugnações (Nvidia/Arm e Lockheed /Aerojet) foram apresentadas sob a liderança de Khan, e acabaram sendo abandonadas pelas partes. A FTC entrou com ação contra a proposta aquisição da Grail pela Illumina antes da chegada da presidente Khan. Em agosto de 2021, a aquisição foi concluída a fim de evitar a rescisão do contrato da operação por descumprimento de prazo, mas o julgamento administrativo da FTC continua em andamento.
<h3>O futuro da fiscalização de fusões verticais</h3>
Apesar dessas três recentes impugnações terem sido baseadas em teorias do dano tradicionais, o posicionamento dos líderes das agências e a rescisão das DFVs 2020 pela FTC sinalizam uma expectativa de maior escrutínio das fusões verticais nos EUA, com crescente aplicação de novas teorias do dano. Isso já é evidente nos setores de saúde e tecnologia, e é bem provável que outras indústrias voltadas para o consumidor enfrentem, em breve, situação semelhante.
A FTC antecipou a nova abordagem do controle de concentrações verticais, que pretende implementar sob a liderança de Khan, em sua <a href="https://www.ftc.gov/system/files/documents/public_statements/1596388/p810034phillipswilsonstatementvmgrescission.pdf">Declaração de Revogação das DFVs 2020</a>, ao anunciar que a atual “distinção analítica entre fusões horizontais e verticais não se justifica”. Mais especificamente, a FTC buscará: (i) identificar características comuns de fusões presumidamente anticompetitivas, a fim de estabelecer “regras objetivas”, tais como triagens de estrutura de mercado que permitam identificar fusões que demandam maior atenção; (ii) conduzir análises periódicas de processos de enforcement passados, e fornecer orientações adicionais em relação a remédios com baixa probabilidade de eficácia  (destaca-se que tanto a FTC quanto o DOJ têm considerado que remédios comportamentais, tipicamente oferecidos por empresas envolvidas em fusões verticais para resolver preocupações anticompetitivas, são geralmente ineficazes e devem, portanto, ser evitados); (iii) listar danos anticompetitivos não detalhados nas DFVs 2020, tais como os impactos das fusões nos mercados de trabalho, efeitos anticompetitivos não relacionados a preços nos mercados digitais, killer acquisitions entre plataformas dominantes e startups, e identificar um conjunto mais amplo de táticas utilizadas por empresas para aumentar os custos de seus rivais (vale destacar que a FTC não mencionou nenhuma teoria do dano relacionada a mercados de trabalho em sua impugnação da proposta aquisição da Aerojet pela Lockheed, embora especialistas tenham especulado uma possível inclusão nesse sentido, na ausência da cisão partidária da Comissão (2-2) que existia à época).
Apesar de o DOJ não ter revogado as DFVs 2020 ou tentado bloquear fusões verticais neste ano, o procurador-geral assistente Jonathan Kanter atenuou qualquer divergência entre DOJ e FTC em relação ao tratamento de operações verticais, e se juntou à FTC ao anunciar uma revisão abrangente das diretrizes relativas a operações horizontais e não horizontais. Kanter observou que as diretrizes atuais “dividiram as análises horizontal e vertical, contudo, é comum que as operações não se encaixem perfeitamente nessas categorizações”, sugerindo que as diretrizes revisadas poderão ser aplicáveis a ambos os tipos de transação, em linha com a visão de Khan de que não são conceitualmente distintas.
Ainda, Kanter destacou as principais áreas de foco do DOJ: (i) identificar como avaliar operações envolvendo empresas já dominantes; e (ii) garantir que a análise antitruste seja guiada pela “realidade” do mercado, e não apenas pela definição de mercado. Acompanhando Kanter, Khan reiterou que sua revisão das diretrizes avaliaria se a abordagem das agências endereça adequadamente as fusões que diminuem a concorrência nos mercados de trabalho, prejudicando assim os trabalhadores.
Ela também observou que a revisão irá: (i) avaliar como as diretrizes verificam se uma fusão “tende a criar um monopólio”, analisando especificamente estratégias de agregação de dados por plataformas digitais e tentativas de consolidação de mercado por empresas de private equity; e (ii) avaliar que tipos de evidências devem ser considerados ao analisar efeitos não relacionados a preço. As agências pretendem concluir seu feedback e publicar novas diretrizes sobre fusões dentro do próximo ano.
Os ajustes propostos à análise de controle de concentrações ocorrem junto a outras mudanças marcantes implementadas pelas agências sob o governo atual, incluindo: (i) a suspensão, por tempo indeterminado, do “encerramento sumário”, previamente concedido a algumas análises de controle de concentração; (ii) a emissão de “cartas de advertência” às partes da operação, avisando que sua transação pode ainda estar sob investigação pela Agência (apesar do decurso do prazo de espera estatutário); e (iii) o reestabelecimento da prática de “aprovação prévia” pela FTC.
<h3>Conclusão</h3>
Empresas envolvidas em fusões verticais não ficaram imunes ao aumento do rigor de análise sob a legislação concorrencial nos Estados Unidos, que tem se acentuado no governo atual. As partes devem estar cientes de que, embora a fiscalização das operações verticais até o momento tenha sido fundada em teorias do dano tradicionais, é provável que isso mude com a atualização das diretrizes para fusões. Isso é particularmente relevante para empresas de tecnologia, pois se espera que as diretrizes enderecem características específicas dessas companhias.
Ambas as agências tornaram clara sua intenção de seguir novas teorias do dano em mais investigações de fusões, sendo improvável que aceitem remédios comportamentais. Considerando que nem Khan nem Kanter completaram um ano em seus respectivos cargos, é provável que seus posicionamentos continuem evoluindo, e há uma expectativa de maior fiscalização à medida que mais recursos são disponibilizados às agências. Espera-se que ambas as autoridades permaneçam altamente críticas em relação às fusões realizadas por empresas “dominantes” nas indústrias de tecnologia.
O crescente enfoque atribuído a fusões verticais por ambas agências demonstra a importância de as partes buscarem assistência jurídica especializada em direito concorrencial quanto antes nos EUA, a fim de que eventuais riscos sejam adequadamente contemplados nos contratos das operações, e para a elaboração de argumentos aptos a endereçar uma análise mais rígida, que atribui menor relevância a eficiências; bem como para explorar possíveis alternativas, como remédios fix-it-first, já que é improvável que medidas comportamentais sejam aceitas após o envolvimento das agências.

fusões verticais

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JOTA

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