Matheus Ferri

A<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-anticorrupcao"> Lei Anticorrupção</a> (LAC ou Lei 12.846/2013) disciplina acordos de leniência decorrentes da prática de ilícitos por pessoas jurídicas contra a Administração Pública nacional ou estrangeira. Por meio do Decreto 11.129, de 11 de julho de 2022, referida Lei teve nova regulamentação no âmbito da União, com vigência a partir de 18.7.2022.
Se bem atentarmos, a Lei Anticorrupção instalou nova racionalidade no direito administrativo sancionador, derrogando alguns dogmas, como o da indisponibilidade do interesse público. Derrogação que repercute diretamente nas possibilidades de ação estatal diante da prática de ilícitos contra a Administração.
Com efeito, antes da Lei Anticorrupção, o Estado estava limitado a apurar atos e fatos e aplicar as sanções correspondentes. Após a lei, surge a possibilidade de negociar com os agentes que praticaram o ilícito. Negociações que objetivam a obtenção de informações e documentos probatórios e antecedem a adoção de medidas para fazer cessar a prática contrária à lei. Fala-se aqui dos chamados acordos substitutivos.
Neste contexto, o Decreto 11.129 acertadamente reconhece a natureza jurídica de ato administrativo negocial dos acordos de leniência, para além de trazer inovações no que diz respeito às atribuições da Controladoria-Geral da União (CGU) e Advocacia-Geral da União (AGU): ao tempo em que a CGU terá a possibilidade de atuar em acordos como delegatária, a AGU poderá titularizar pactos juntamente com aquela.
Inovando, portanto, o artigo 36 estabelece que a CGU poderá aceitar delegação para negociar, celebrar e monitorar o cumprimento de acordos de leniência relativos a atos lesivos contra outros Poderes e entes federativos.
Ocorre que a Lei Anticorrupção é silente quanto a esta possibilidade, delimitando a atuação da CGU para a celebração de acordos âmbito do Poder Executivo Federal ou nos casos de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira.
De um lado, é verdade que a novidade poderá surtir efeitos positivos. A prática de ilícitos passíveis de responsabilização pela Lei Anticorrupção vem se mostrando cada vez mais sofisticada e complexa − o que demanda a corresponde contrapartida do Poder Público para coibi-las. Em circunstâncias assim, a atuação da CGU, por meio de delegação de outros entes quer parecer um bom caminho, ao menos para ilícitos de grande magnitude. Afinal, quando comparada à realidade dos órgãos de outros entes federados, com menos recursos e pessoal, a CGU detém capacidade institucional formidável para negociar, celebrar e monitorar os acordos.
De outro, a previsão em sede de regulamento gera inquietações imediatas. Bem vistas as coisas, ainda que o artigo 36 não obrigue, mas apenas faculte a atuação da CGU, trata-se de previsão de delegação administrativa, que somente será operacionalizada mediante a edição de atos normativos autorizativos no âmbito dos entes subnacionais, o que é incerto. Igualmente, o ato de delegação estadual ou municipal não tem o poder de submeter a CGU – que haverá de aceita-lo (a exigir mais uma dose de direito administrativo consensual).
Em relação ao arranjo institucional que envolve os acordos, o novo Decreto estabelece no artigo 35 que ato conjunto do Controlador-Geral e Advogado-Geral da União disciplinará a participação de membros da AGU nas negociações e no cumprimento dos acordos, inclusive para celebração de acordos pelo Controlador-Geral conjuntamente com o Advogado-Geral da União.
A atuação da AGU nos acordos já foi objeto de portarias anteriores (por exemplo Portaria Interministerial nº 15/2016 e Portaria Conjunta nº 4/2019), e bem assim de Acordo de Cooperação Técnica assinado em 2020, do qual também foram signatários CGU, TCU e MJSP. Todavia, a previsão de atuação conjunta no Decreto regulamentar legitima e reforça o papel da AGU − e na prática, acordos robustos dependem de sua participação.
Afinal, como consignado pelo ministro Gilmar Mendes em seu voto nos MS nº 35.435, 36.173, 36.496 e 36.526, a Lei Anticorrupção contém dois regimes sancionatórios distintos: um administrativo e outro judicial, incidentes sobre um mesmo ato lesivo. O acordo só poderá operar efeitos em ambos os planos se dele participarem CGU e AGU, o que, a princípio, poderá ser facilitado pela previsão do artigo 35 do novo Decreto.
Em suma, ao tempo que aperfeiçoa a celebração dos acordos de leniência, a regulamentação instala incertezas que só o tempo e a experiência deverão sedimentar.

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JOTA

Ao tempo que aperfeiçoa a celebração dos acordos de leniência, a regulamentação instala incertezas

Nova regulamentação da Lei Anticorrupção e o papel da CGU e da AGU

Ao tempo que aperfeiçoa a celebração dos acordos de leniência, regulamentação da Lei Anticorrupção instala incertezas